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Coreia do Sul, Seul
Um trabalhador de saúde faz o exame PCR em uma estação improvisada de testes contra a Covid-19 em Seul, capital da Coreia do Sul, no dia 10 de dezembro de 2021. O número de casos de infecção por coronavírus aumentou para 7.022, elevando o número total para mais de 503.000, incluindo 63 casos da variante ômicron.| Foto: EFE / EPA / JEON HEON-KYUN

A variante ômicron do novo coronavírus (SARS-CoV-2) é uma linhagem viral com origem em Botsuana classificada pela Organização Mundial da Saúde como a quinta variante que é causa para preocupação. Há muitas mais variantes do que as que ficaram famosas, mas a lista das letras gregas da OMS é explicitamente para aquelas que possam causar mais problemas.

No caso da ômicron, uma das coisas que chamam a atenção é que há mais de 30 mudanças nos aminoácidos que compõem a proteína de espícula (ou proteína S), que é a mesma proteína que é produzida no organismo humano a partir da "mensagem" molecular contida na vacinas de Oxford, da Pfizer e da Moderna. Essas mudanças — mutações — podem comprometer a resposta imunológica obtida com essas vacinas, que é baseada na versão anterior das outras variantes do vírus. Podemos pensar no material genético de qualquer ser biológico como um texto longo composto por letras que são moléculas menores. Esse texto é transcrito para pedaços menores (de mRNA), e esses pedaços são traduzidos para outro texto em que as letras são feitas de moléculas diferentes — daí a metáfora da tradução: moléculas diferentes, línguas diferentes. Enquanto o texto da proteína tem 20 letras diferentes para cada posição (os aminoácidos), o texto do material genético de DNA ou RNA tem quatro (os nucleotídeos). Como a defesa do organismo depende do que está "escrito" no texto molecular do vírus, quando esse texto muda demais é como se ele ficasse cifrado e ilegível, havendo portanto a necessidade de atualizar a defesa.

Dadas as mutações na ômicron, a OMS a declarou digna de entrar numa lista de variantes preocupantes dentro de três dias após seu texto genético ser depositado em banco de dados de pesquisa.

Há um mês a ômicron foi descoberta, agora já está presente em cerca de 90 países, inclusive o Brasil. As informações são incipientes e, como o vírus, estão em evolução. Veja a seguir as respostas que já podemos dar para perguntas frequentes sobre a variante.

1. A ômicron é mais letal?

Na província de Gauteng, da África do Sul, a variante já é a causa conhecida da quarta onda de Covid-19. Em Botsuana, a quantidade de casos dobra a cada dois ou três dias. A ômicron é claramente mais transmissível que a delta. Mas há controvérsia se é mais letal.

A pacata cidade britânica de Brackley, a 30km de Oxford e com menos de 15 mil habitantes, já apresenta uma taxa de infecção com a variante de 926 em 100 mil pessoas. Um aumento concomitante de hospitalizações não foi observado com a disseminação da ômicron. As informações são do jornal britânico The Telegraph. O padrão é o mesmo na África do Sul: o espalhamento de infecções não está no momento acompanhado de um pico correspondente de pessoas com quadro mais severo ou mortes. Brackley tem uma taxa de vacinação com segunda dose de 83%, e 50% já tomaram a dose de reforço.

2. Os sintomas são diferentes?

A fadiga é o sintoma mais comum, como em outras variantes. A doença é facilmente confundida com resfriado ou gripe. Uma avaliação com amostra pequena no distrito mais afetado da África do Sul nas duas primeiras semanas do surto indica que a grande maioria nem sequer desenvolve fadiga (são pacientes que foram testados mas não foram ao hospital por causa da Covid).

Os vírus da ômicron se replicam 70 vezes mais rápido no trato respiratório superior (brônquios), o que gera os sintomas de resfriado. A variante parece preferir essa parte do sistema respiratório para se reproduzir, mais que nos pulmões, como sugere um estudo ainda em revisão de Michael Chan Chi-wai, imunologista da Faculdade de Medicina da Universidade de Hong Kong, e parceiros.

Isso é uma boa notícia, já que menor afinidade do vírus pelos pulmões em sua velocidade de replicação significaria sintomas mais leves.

3. A ômicron fura a proteção das vacinas? 

A biologia molecular hoje é capaz de prever limitadamente o comportamento de mutações. Raquel Viana, virologista dos Laboratórios Lancet de Johannesburgo, África do Sul, aponta com seus colaboradores que há sete mutações na proteína S que podem ter um impacto moderado a alto na capacidade dos anticorpos neutralizantes de reconhecê-la.

Há também outras mudanças preocupantes envolvendo o apagamento de três letras do texto da proteína e uma inserção de letra nova. Como em um texto cifrado, isso dificulta a leitura do sistema imunológico (o mesmo se aplica ao tratamento com anticorpos monoclonais). No entanto, há uma boa notícia: 70% dos alvos moleculares para o sistema imunológico reconhecer a proteína S estão preservados.

Mas é preciso fazer mais que previsões baseadas no texto genético e proteico do vírus. Para saber se a ômicron dribla a proteção das vacinas é necessário olhar diretamente os casos. O OMS declarou que a variante já demonstra capacidade aumentada de furar a proteção.

4. E a proteção da imunidade natural?

Um dos poucos artigos revistos e publicados a respeito da variante, de Li Zhang — dos Institutos Nacionais de Controle de Alimentos e Drogas de Beijing — e colaboradores, tratou justamente de investigar se o plasma de pessoas previamente infectadas com uma linhagem do início da pandemia continha anticorpos neutralizantes que atuem contra ela. Zhang e colegas testaram também a neutralização dos vírus das outras variantes preocupantes: alfa, beta, gama (P1) e delta.

Com base em 24 amostras de plasma sanguíneo em tubo de ensaio, o vírus da ômicron se mostrou 8,4 vezes mais eficaz em romper a imunidade natural, enquanto as outras variantes mostraram uma capacidade menor, de 4,5 vezes. É importante lembrar que anticorpos neutralizantes não são a única forma do organismo se defender dos vírus, e que o estudo não testou, por exemplo, qual é a eficácia da imunidade natural adquirida numa infecção com a variante gama contra a ômicron.

5. Precisarei de dose de reforço da vacina?

A Moderna e a Pfizer, fabricantes das vacinas de mRNA, planejam atualizar o texto molecular desse mRNA no começo de 2022. A celeridade para atualizar a vacina acompanhando a evolução do vírus é uma das maiores vantagens dessa nova tecnologia. Ambas as empresas declaram que uma dose de reforço sem essa atualização aumenta bastante (em até 37 vezes, segundo a Moderna) o nível de anticorpos contra o vírus.

A dose de 100mg veio acompanhada de alguns efeitos colaterais, mas metade dessa dose já dá um grande estímulo à produção de anticorpos. A Moderna já está testando a vacina com o texto atualizado do mRNA para as variantes beta e delta.

6. A ômicron ameaça mais as crianças?

A avaliação preliminar publicada pelo dr. Fareed Abdullah, diretor de pesquisa de AIDS e tuberculose do Conselho de Pesquisa Médica da África do Sul, a respeito do distrito de Tshwane, na província de Gauteng, indica que 80% dos hospitalizados tinham menos de 50 anos, uma pronunciada diferença em relação aos meses anteriores. Destes 80%, 19% eram crianças entre zero e nove anos. A única criança que morreu, no entanto, foi vítima de outros problemas, não da Covid-19. O número geral de mortes no período de duas semanas considerado foi zero. Calcula-se uma mortalidade menor que a da delta.

Não há motivos suficientes para o otimismo ser uma vítima da ômicron. Os imunizados por vias naturais ou por vacinas estão formando uma massa crítica que deve direcionar a Covid-19 para uma doença endêmica, quiçá sazonal, como a gripe, controlada com medidas como o tratamento medicamentoso e o uso de máscaras; e a pandemia terminará, nas palavras do poeta T. S. Eliot em 1925, “não com um estrondo, mas com um murmúrio”.

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