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A pandemia de coronavírus vai afetar até mesmo aqueles que não forem infectados.
A pandemia de coronavírus vai afetar até mesmo aqueles que não forem infectados.| Foto: Pixabay

No que diz respeito aos impactos emocionais, chamar o combate ao coronavírus de guerra é mais do que uma metáfora. Por exemplo, é certeza que a devastação causada pela pandemia em países como Itália e Espanha será seguida por um surto de estresse pós-traumático, tal como em países devastados por guerras. A diferença, claro, é que não serão soldados os afetados, mas médicos e profissionais da saúde, pessoas que prestam assistência social, além de pacientes que quase morreram e pessoas próximas a pacientes que morreram. Depois do coronavírus, provavelmente será a hora de psiquiatras e psicólogos entrarem em ação.

Mais interessante: desde pelo menos meados do mês de março, muitos profissionais da saúde no continente americano, acompanhando as notícias vindas da Ásia e da Europa, particularmente Itália, já estavam entrando em estado de angústia e estresse, no que a médica da família Alison Block, em artigo para o Washington Post, chamou de “estresse pré-traumático”. Escreve ela:

“Médicos e enfermeiras veem as notícias dos nossos colegas na China, Coréia do Sul e Itália, que não deixam ilusão sobre o que está por vir. O resultado é que estamos todos sentindo as ramificações psicológicas do trauma. Apenas ainda não passamos pelo trauma”.

Uma médica da minha cidade, Teresina, com quem conversei para este artigo, prevê semanas mais difíceis pela frente. Ela trabalha em um hospital que está sendo preparado para receber pacientes com Covid-19. Ela teve que sair do apartamento onde mora com a mãe, pertencente a um grupo de risco, para não expô-la a risco. "Não é fácil sair da sua casa por esse motivo e sem saber quando irá voltar. E, além disso, se preocupar porque sua mãe ficou sozinha em casa", disse ela.

Outra médica, essa do Rio de Janeiro, sente falta de ar quando pensa no futuro. Ela pode vir a ser remanejada para um hospital de campanha. "Minha sensação é de colapso", diz. “Como se o meu microssistema de saúde pudesse colapsar assim como o sistema de saúde geral".

Outra médica teresinense me disse que, no momento, uma das fontes de medo e ansiedade para os profissionais é a falta de equipamentos de proteção individual suficientes. Aqui no Terceiro Mundo, nossos médicos têm seus desafios particulares.

Luto antecipatório

Longe dos hospitais, as preocupações também estão em nível máximo. O “estresse pré-traumático” dos médicos e agentes da saúde, identificado pela doutora Alison Block, encontra paralelo no “luto antecipatório” da sociedade como um todo, conforme sugerido pelo tanatologista David Kessler em entrevista à Harvard Business Review.

Luto antecipatório é um tipo de ansiedade. É o sentimento, diz Kessler, que geralmente nos acomete quando recebemos um diagnóstico desolador ou lembramos que um dia nossos pais morrerão. Mas, além disso, sentimos luto antecipatório quando imaginamos cenários de futuro com a forte sensação de que algo muito ruim está a caminho, como é o nosso caso no hemisfério ocidental há duas semanas.

Uma pesquisa realizada pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) com mais de mil adultos nos dias 18 e 19 de março, e divulgada no último dia 25, mostrou que quase metade dos americanos está ansiosa diante da possibilidade de contrair Covid-19 e mais de 60% estão ansiosos pelo risco de algum familiar ou pessoa querida ser contaminada.

Pessoas de baixa renda estão desesperadas pensando em sua renda e no dia de amanhã. Muita gente da classe média também está preocupada. Nas bolsas de valores, temos a tristeza e frustração de pequenos investidores. Dois dos jovens investidores brasileiros que falaram à reportagem da BBC disseram que a sensação ao ver o dinheiro derreter é de dor. Outro, relata aflição.

E, como é comum em indivíduos tomados pelo pânico, muitos se precipitam e tomam uma ação prejudicial. No caso dos investidores novatos, correr para vender suas ações e, assim, consolidar a perda de dinheiro – quando o mais recomendado teria sido respirar fundo, deixar de lado o site da corretora e esperar até as ações se recuperarem, revertendo pelo menos parte das perdas.

Outros transtornos

O sofrimento emocional é mais forte naqueles que já tinham que lidar com algum transtorno mental. Pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) ligado ao medo de contaminação estão com mais dificuldade do que nunca de controlarem a ritualização excessiva que constitui o transtorno. Como, em tempos normais, muitos que sofrem com TOC têm preocupação excessiva com o estado de familiares, é de se imaginar o sofrimento por que devem estar passando atualmente diante dos eventuais custos de algum familiar contrair a Covid-19, principalmente se for um familiar de grupo de risco. Se ainda não estavam em tratamento, é altamente recomendado que pessoas com TOC iniciem terapia (online) imediatamente.

Um profissional liberal gaúcho com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), isolado em casa há vários dias, me disse: “Basicamente, a angústia das preocupações rotineiras em tempos de crise – sustento e saúde da família – se potencializaram bastante. Acredito que, como consequência disso, estou mais distraído e insone do que de costume, dois problemas históricos meus”.

Uma outra profissional que há anos sofre com transtornos de humor estava à beira de realizar importantes planos de vida com seu parceiro e agora viu todo esse planejamento ser adiado por tempo indeterminado. Como era uma pessoa com vida social e cultural bem ativa, estar presa em casa com a mãe a faz se sentir "como se estivesse sendo duplamente, triplamente punida pelos deuses".

“Não saber se isso vai passar em uma ou duas semanas ou se passaremos meses sofrendo é hoje uma fonte a mais de sofrimento pra mim”, disse ela. Sua angústia é maior porque o companheiro pertence a um grupo de risco e já perdeu uma pessoa próxima para a Covid-19.

Aproveitei para saber desses dois entrevistados como eles estão preenchendo o tempo durante a quarentena, se estão adotando alguma estratégia para tentar amenizar os custos emocionais do isolamento. Na pesquisa da APA, 59% dos entrevistados disseram que a pandemia está afetando seriamente sua rotina, e 36% já sentiam impacto considerável em sua saúde mental.

Minha entrevistada paulista está dedicando tempo exclusivamente a coisas do trabalho, o que não é indicado. Está "trabalhando mais do que nunca, o que tem me impedido de me cuidar melhor em um momento em que tudo está o caos". Ela trouxe para a quarentena um estresse acumulado das semanas anteriores e tudo isso agora a deixa com uma sensação paralisante de culpa e de que não tem controle sobre a própria vida.

Por outro lado, o profissional gaúcho vem praticando exercícios mesmo em casa, que é o que mais tem lhe feito bem. Além disso, mantém contato com pessoas queridas e dedica tempo a videogame e outras atividades amenas. Tudo isso é altamente indicado.

Venho recomendando a pacientes meus que ocupem o tempo fazendo basicamente três coisas: mantenha a estrutura de sua rotina caseira, como os horários de banho, refeições e sono (principalmente a hora de acordar); reserve espaços para continuar ou iniciar projetos que serão necessários no pós-quarentena (como trabalhos acadêmicos ou relatórios do trabalho); e tenha períodos de lazer, nos quais você pode fazer tanto o que já tinha o hábito de fazer – como conversar por áudio ou texto com amigos e parentes, ler ou assistir séries (há até formas interativas, como através da extensão Netflix Party) – quanto começar aquele tantas vezes adiado estudo do francês ou do violão.

Seguir apenas um ou dois desses pontos pode não ser suficiente. Conheço pessoas que tentaram e, em menos de uma semana, só viram piora emocional. Em alguma proporção, todos os três pontos precisam estar inseridos na sua rotina de quarentena, principalmente se esta for durar várias semanas.

E por falar em várias semanas, não adianta você ficar se torturando imaginando “o que estaria fazendo” e “o dinheiro que estaria ganhando” se o coronavírus não tivesse atrapalhado tudo. É melhor aceitar logo que há coisas que não estão sob seu controle e que fatalmente haverá prejuízo. No entanto, se não continuar com os projetos que tinha antes do isolamento, no retorno para a vida normal você provavelmente se verá sufocado com o sentimento de “tempo perdido”. Melhor evitar.

Custo emocional para os idosos

Para idosos e pacientes de grupos de risco em geral, a quarentena tem um custo emocional mais grave, porque envolve sensação de isolamento e fragilidade extremas. É fundamental que eles mantenham contato virtual com pessoas queridas e que estas abram espaço para escutar o que eles estão sentindo e, se for o caso, conversar sobre o elefante na sala: o medo da morte.

Ações generosas para com esse público, como as de pessoas se voluntariando para fazer suas compras, podem aumentar a sensação de pertencimento e diminuir a angústia.

Tais atos de generosidade mostram o lado “positivo” despertado pela pandemia. Estamos há dias vendo feitos individuais simples – como o de pessoas mais jovens que anunciam seus telefones em elevadores de condomínios, para o caso de algum idoso precisar que alguém saia para comprar produtos necessários – e também projetos de forte significado histórico, como o de um grupo judaico polonês que está prestando auxílio a idosos que salvaram judeus durante a Segunda Guerra.

Em seu guia para cuidar da saúde mental em tempos de coronavírus, a Organização Mundial da Saúde recomenda tanto que reduzamos contato com o noticiário negativo, quanto que ajudemos na divulgação de notícias positivas. A razão por trás dessa recomendação é simples: na medida em que seu contato com notícias negativas serve para lhe mobilizar para o isolamento e as prevenções necessárias, ótimo. Mas, além desse ponto, as notícias negativas só servirão para aumentar sua ansiedade e daqueles à sua volta. Depois que todos em casa estiverem engajados nas medidas recomendadas pelas autoridades de saúde, dedique-se ao noticiário positivo, como o dos judeus poloneses e sua rede de ajuda a idosos.

E o que dizer do padre Giuseppe Berardelli, de 72 anos, que faleceu após ceder seu respirador a um paciente mais novo na cidade de Bérgamo? É o tipo de história de sacrifício e grandeza que vale a pena você espalhar ao longo destes dias, ainda mais em um ambiente como o nosso, eternamente contaminado pela tolice e pequenez políticas.

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