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A rejeição da masculinidade tóxica talvez seja um ponto de convergência entre conservadores e progressistas.
A rejeição da masculinidade tóxica talvez seja um ponto de convergência entre conservadores e progressistas.| Foto: Pixabay

Analistas importantes como Julie Irwin Zimmerman, da Atlantic, observaram que a controvérsia quanto a insultos racistas supostamente proferidos por alunos da escola Covington Catholic durante a Marcha pela Vida, em Washington, serviu como uma espécie de teste psicotécnico. Ross Douthat descreveu habilmente o caso como “só mais uma controvérsia milimetricamente planejada para dividir os Estados Unidos”.

Os seres humanos sempre estiveram sujeitos ao viés de confirmação, mas essa tendência tem sido exacerbada pela intensa polarização da nossa cultura e pelo modelo de negócios que mistura política e entretenimento e que lucra com a revolta, como afirmou o senador Ben Sasse. Essa tendência conta ainda com a ajuda das recompensas emocionais de se compartilhar nossas reações nas redes sociais, nas quais nossas demonstrações públicas de “virtude” podem ser imediatamente reafirmadas por nossos amigos e seguidores.

Um dos problemas mais sérios desse fenômeno é que ele nos impede de vermos pontos de concordância em potencial com os que estão “do outro lado”. Pense na revolta das redes sociais de alguns meses atrás, provocada pelo novo anúncio da Gillette. O anúncio, inspirado no movimento #MeToo, convoca os homens a se responsabilizarem e se unirem para acabar com o bullying, o assédio sexual e a violência.

A campanha publicitária da Gillette enfureceu muitos analistas de direita. Karol Markowicz escreveu na Fox que odiou o anúncio porque ele retrata os homens como “agressores e estupradores universais” numa época em que “homens se deparam o tempo todo com críticas” e “já estão há algum tempo em decadência”. Ainda assim, escreveu com inteligência Mona Charen:

As imagens não me parecem uma reprovação da masculinidade em si, e sim uma crítica ao bullying, grosseria e desrespeito sexual.

Ao instintivamente correr para defender os homens neste contexto, alguns conservadores se depararam com uma ironia. Imaginando-se defensores dos homens, eles na verdade se perceberam defendendo comportamentos como o assédio sexual e o bullying, que há uma ou duas gerações os mesmos conservadores condenavam.

Por mais desprezível que o termo possa inicialmente parecer aos conservadores, o conceito de “masculinidade tóxica” não deveria soar estranho aos que defendem as normas tradicionais da moralidade. Na verdade, os ideais promovidos por aqueles que execram a masculinidade tóxica são uma oportunidade para a colaboração e a concordância entre progressistas e conservadores.

A “masculinidade tóxica” e as diferenças sexuais

A “masculinidade tóxica” não é uma definição absoluta da masculinidade. É uma distorção da masculinidade autêntica. Em termos mais tradicionalmente morais, a “masculinidade tóxica” pode ser entendida como um padrão caracteristicamente masculino de pecado, alimentado por pressões culturais e sociais. Pense nela como o inverso do que João Paulo II chamava de o gênio feminino.

Bem verdade que alguns que usam o termo parecem querer dizer que a maioria dos homens, em termos históricos, agem como porcos sexistas com a permissão de sistemas patriarcais de opressão. O site que acompanha o anúncio da Gillette descreve os homens de hoje como “pessoas numa encruzilhada, divididos entre o passado e uma nova era da masculinidade”. Mas claro que não é só isso, por mais atraente que seja essa narrativa simples de progresso social e esclarecimento.

Sempre houve porcos chauvinistas, mas também sempre houve homens virtuosos. Nossa cultura pode ter corretamente rejeitado alguns estereótipos prejudiciais, mas também perdemos ou enfraquecemos muitas instituições formadoras de caráter que ajudavam meninos a se tornarem bons homens. As taxas alarmantes de divórcio e filhos fora do casamento nas últimas décadas significam que cada vez menos crianças estão sendo criadas por suas famílias biológicas intactas, o que por sua vez significa que cada vez menos crianças estão sendo criadas pela mãe e pai. Isso tem implicações sérias não apenas para o sucesso econômico de longo prazo, mas também para o bem-estar psicológico delas, suas relações pessoais e as interações delas com o sexo oposto.

Assim, a visão progressista da história e das transformações sociais que embasam o anúncio da Gillette é provavelmente um ponto de discordância legítimo entre os defensores de uma segunda onda feminista e aqueles que veem as consequências da revolução sexual como algo que corrói a felicidade humana e uma sociedade saudável. Mas não precisamos resolver essa discordância para admitir que aqueles que execram a masculinidade tóxica estão certos em alguns pontos bastante importantes. A forma como criamos nossos meninos é essencial para nossa sociedade. É uma questão relevante ensinarmos nossos meninos o que significa ser um homem. Muitos meninos aprenderam (implícita ou explicitamente, pelo comportamento dos pais e amigos ou por influências mais maléficas, como a pornografia) uma versão distorcida e prejudicial da masculinidade.

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As pessoas que acreditam na moralidade sexual tradicional precisam lutar contra isso com o mesmo empenho com que combatem a ideia de que as diferenças sexuais não existem ou que o gênero é apenas uma construção social. Homens e mulheres são diferentes e complementares. Homens e mulheres, enquanto indivíduos, talvez exibam características mais ou menos estereotipicamente masculinas ou femininas, mas isso não nega a identidade e a essência de cada pessoa como homem ou mulher – isso apenas enfatiza o caráter único de um indivíduo com um valor e uma dignifica intrínsecos. Da mesma forma, o fato de algumas coisas que associamos à masculinidade e feminilidade serem socialmente determinados não desmente a ideia básica de que homens e mulheres são diferentes de várias formas. A biologia e a psicologia seguem demonstrando como isso é verdade.

Tanto para meninos quanto para meninas, é essencial que modelos de conduta – especialmente os pais, mas não só eles – demonstrem o que significa ser homem ou mulher por meio da virtude. Casamentos sólidos e pais amorosos ajudam a ensinar às crianças como interagir com os membros do sexo oposto de uma forma saudável, respeitosa e carinhosa.

O #MeToo e a deterioração do sexo

Por mais estranho que possa parecer, a repercussão negativa atual contra a masculinidade tóxica – e o movimento #MeToo que a precedeu — releva o quanto nossa cultura é profundamente deficiente quando se trata de entender as diferenças sexuais e a forma como ensinamos homens e mulheres no trato uns com os outros. Como argumentaram Elizabeth e Nathan Schlueter aqui no Public Discourse:

Apesar de os norte-americanos hoje estarem profundamente divididos em muitos temas, a perversidade do assédio sexual não é um dos temas que os dividem. É algo encorajador, mas há um mistério nisso. Por que tratamos a violência sexual como algo diferente de outras formas de violência, conferindo a ela um caráter jurídico especial e mais sério? Por que algumas pessoas precisam de anos de terapia depois de serem tocados em seus genitais sem o consentimento, enquanto são capazes de facilmente se esquecer de um doloroso soco na cara? Por que o fato de alguém tocá-lo em qualquer outra parte do seu corpo sem seu consentimento não é traumático, mas se a pessoa tocar seus genitais sem seu consentimento você se sente pessoalmente violentado? (...)

Essas experiências sugerem que a sexualidade humana está de alguma forma integrada à pessoa como um todo de uma forma única. Ela tem um sentido profundamente pessoal que não somos capazes de construir sozinhos. Se o sentido da sexualidade for totalmente convencional – se o sexo é apenas um evento biológico – então a seriedade da violência sexual e a onipresença da vergonha sexual não fazem sentido.

O movimento #MeToo demonstrou a triste dissonância de uma ética sexual baseada apenas no consentimento mínimo, distanciado dos ideais de fidelidade, lealdade, compromisso e autossacrifício. Da mesma forma, a repercussão negativa contra a masculinidade tóxica enfatiza – talvez sem querer – as consequências de se fingir que as diferenças sexuais não importam. Não ensinamos os meninos a serem bons homens, mas isso não acaba com o desejo deles de se exibirem e provarem seu valor a seus pares. Isso os deixa num vácuo no qual a “conversa de vestiário” ao estilo “meninos sempre serão meninos” e a objetificação das mulheres podem facilmente assumir a forma de “masculinidade”.

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O anúncio da Gillette é uma oportunidade para que progressistas e conservadores encontrem um ponto em comum para promover a masculinidade virtuosa. Ao fazer isso, não devemos negar a realidade das diferenças sexuais nem nos apegarmos a estereótipos de gênero que são produtos danosos de uma época específica. Ao contrário, deveríamos ensinar os meninos e as meninas a buscarem a virtude e a respeitarem a dignidade e a complementariedade de homens e mulheres.

Opor-se à masculinidade tóxica não significa rejeitar a masculinidade. Na verdade, isso requer justamente o contrário. Rejeitar a masculinidade tóxica deveria ser algo que nos leva a promovermos ainda mais a masculinidade. E este é um projeto cultural que precisa de mais defensores.

Serena Sigillito é editora do Public Discourse. 

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