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Estátua do deus da chuva asteca, Tlaloc
Estátua do deus da chuva asteca, Tlaloc, na entrada do Museu Nacional de Antropologia do México| Foto: Imagem de <a href="https://pixabay.com/pt/users/mochilazocultural-336976/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=1962367">Angel Chavez</a> por <a href="https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=1962367">Pixabay</a>

Poucos filósofos defendem o relativismo. Com argumentos fáceis de defender em situações hipotéticas, se aplicados à vida real eles se revelam falhos. Mesmo sem prestígio entre quem dedica a vida ao estudo do pensamento, o relativismo encontrou terreno fértil para prosperar entre parte da esquerda brasileira. Para quem não está familiarizado, o relativismo defende que não existem culturas ou mesmo princípios morais superiores, já que diferentes grupos têm códigos morais diferentes. Ou seja, tudo é permitido.

Essa visão de mundo um tanto peculiar, para dizer o mínimo, se manifestou após fala da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, dando a entender que o governo brasileiro vai intervir nas tribos indígenas que enterram crianças vivas. Uma porção de deputados de partidos esquerdistas saiu correndo em defesa do que é, na prática, infanticídio puro e simples, sob o pretexto furado de “proteção à cultura dos índios”.

Em comentário ao site Huffington Post Brasil, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), membro da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, afirmou que as declarações da ministra revelam “um desconhecimento total sobre a cultura dos povos indígenas desenvolverem suas crianças”. E continuou, fazendo uma afirmação que é relativismo puro: “Ela não pode querer trazer a influência de outras raças e gêneros acima da forma de indígenas”.

Como não faltam deputados de prontidão para defender a bela e moral cultura indígena do assassinato de crianças, logo apareceu também o deputado David Miranda (PSol-RJ) para manifestar seu apoio ao sepultamento de crianças vivas. “Damares não pode ser levada à sério, não se pode dar crédito ao que fala, nada do que diz é comprovado por ela. É lamentável que uma ministra insista nessa verborragia racista e fundamentalista contra os povos indígenas. É muito grave”.

Paraíso na terra

Existe uma crença arraigada entre setores da esquerda de que a América pré-colombiana era um paraíso. E uma das coisas mais caras aos comunistas sempre foi a ideia de que a ideologia que defendem seria capaz de produzir um novo mundo sem desigualdades, sem injustiças, sem pobreza. O fato de ter provocado exatamente o oposto disso em todos os lugares onde foi implantada não os fez esmorecer. E na América do Sul virou modinha entre essa galera enxergar a cultura indígena com esse olhar deslumbrado, como se os maias, astecas, incas e tupi-guaranis praticassem uma espécie de “comunismo raiz”.

Talvez o único ponto de interseção entre o comunismo e as civilizações que povoaram a América antes da chegada dos europeus fosse a facilidade em produzir cadáveres — e antes que alguém interprete isso como um salvo-conduto à matança promovida por espanhóis, holandeses, franceses, ingleses e portugueses por aqui, pode tirar o cavalo da chuva porque não é.

Vamos fazer um breve histórico desse paraíso terrestre. A civilização maia, que ocupava a região onde ficam atualmente o México e a Guatemala, desapareceu misteriosamente por volta do ano 900 após dois séculos de lento declínio. A hipótese mais aceita é que os maias travaram guerras tão destrutivas uns contra os outros até a civilização inteira entrar em colapso. Os indícios arqueológicos mostram que aos poucos a sociedade maia foi ficando mais violenta. Arqueólogos encontraram cidades abandonadas com esqueletos de mulheres (algumas grávidas) e crianças desmembradas. As estimativas mais conservadoras tratam de pelo menos um milhão de mortos.

Cerca de meio milênio depois, os astecas, outra civilização que vivia no México, estavam matando a todo vapor, numa escala jamais vista em qualquer outra parte do mundo. No livro ‘City of Sacrifice: The Aztec Empire and the Role of Violence in Civilization’ (Cidade do Sacrifício: O Império Asteca e o Papel da Violência na Civilização, sem edição no Brasil) o historiador americano David Carrasco cita as memórias de Bernal Díaz del Castillo, conquistador e cronista que serviu a Hernan Cortez. Eis seu relato sobre o que os astecas fizeram com os espanhóis capturados:

“(…) e nós todos olhávamos na direção da alta pirâmide… e vimos que nossos companheiros… estavam sendo carregados à força pelos degraus acima… eles os forçaram a dançar diante deles, e depois que haviam dançado, eles imediatamente os colocaram deitados de costas em pedras bem estreitas… e com algumas facas abriram seus peitos e tiraram seus corações palpitantes e os ofereceram a seus ídolos.

Jogaram os corpos degraus abaixo, aos pontapés, e os carniceiros indígenas que esperavam embaixo cortaram seus braços e pernas, e arrancaram a pele dos rostos e a prepararam depois como couro de luvas, ainda com a barba… e a carne eles a comeram em chilmole."

O escritor Matthew White, que incluiu os sacrifícios humanos astecas em seu ‘Grande Livro das Coisas Horríveis: A crônica definitiva da história das 100 piores atrocidades’, explica em detalhes o ritual.

“O maior número de sacrifícios ocorreu no Grande Templo de Tenochtitlán, uma cidade construída sobre as ilhas de um lago. O templo era dedicado a Huitzilopochtli, o deus do sol e da guerra. Prisioneiros dopados, às dezenas e centenas, eram levados para o topo da pirâmide. Ali, à vista dos deuses e da cidade, uma equipe de sacerdotes agarrava um membro ou a cabeça da vítima e a faziam deitar-se. O sacerdote sacrificial arrancava o coração pulsante do prisioneiro com uma faca de obsidiana e depois queimava-o no altar.

Em seguida, o cadáver era jogado degraus abaixo, onde era despido, esquartejado, cozinhado e comido. O proprietário do prisioneiro sacrificial ficava com as melhores porções da carne, que eram servidas num banquete da família, enquanto um guisado feito do rebotalho alimentava as massas. Pumas, lobos e jaguares do jardim zoológico roíam os ossos.”

De acordo com White, outro ritual conhecido como Esfolamento dos Homens era realizado em honra ao deus Xipe Totec. “A cerimônia começava com um dia comum, extraindo corações no alto da pirâmide, depois do qual o cadáver era retalhado para um festim de família. Depois que o prisioneiro morria, os sacerdotes abriam seu corpo, e os celebrantes o comiam. Seu patrocinador levava uma tigela de sangue a todos os templos para pintar a boca dos ídolos. Então ele usava a pele do homem morto por vinte dias, enquanto ela apodrecia.”

Evidentemente as crianças não escapavam da carnificina. “Crianças eram sacrificadas a Tlaloc, o deus da chuva. Bebês nascidos com certas características físicas em dias astrologicamente significativos tinham especial valor, mas qualquer criança também servia. Suas gargantas eram cortadas depois que o sacerdote as fazia chorar, recolhendo suas lágrimas”, conta White.

Em uma única cerimônia, realizada em 1487, calcula-se que 20 mil pessoas foram sacrificadas. “Foram necessárias quatro equipes de sacerdotes, durante quatro dias, para matar todos os prisioneiros, enquanto o sangue se acumulava em poças e manchava a base da pirâmide.”

Desde Anchieta

No Brasil, como conta o repórter Tiago Cordeiro em reportagem para a Gazeta do Povo, em 1565 já existe o relato de José de Anchieta desenterrando uma criança recém-nascida. “O menino nasceu saudável. Mas, como a mãe havia se divorciado, uma prática comum naquela tribo, e já tinha outro esposo, a avó paterna decidiu que, segundo o relato do missionário jesuíta, ‘ficava o menino mestiço de duas sementes (…) e que tais depois são débeis’. Retirado da cova rasa, o bebê não resistiu.”

“Em outra ocasião, Anchieta soube do enterro de um bebê que nascera, segundo seu relato, ‘sem nariz e não sei que outras enfermidades’. E por isso havia sido colocado em um buraco por um irmão mais velho, a mando do pai, já que ‘assim fazem a todos os que nascem com alguma falta ou deformidade’.”

A prática infelizmente não ficou no passado. Em 2018, avó e bisavó enterraram um recém-nascido que só foi salvo porque os vizinhos escutaram o choro e chamaram a polícia. “A polícia apurou que o parto em casa e o enterro da criança viva foram planejados e contaram com a presença de familiares que moram na mesma reserva indígena”.

“O Mapa da Violência, em sua edição de 2014, identificou 96 mortes de indígenas de menos de seis dias de idade, em Roraima e no Amazonas, ao longo de dois anos. Em um único município, Caracaraí (RR), 37 recém-nascidos foram mortos pelas próprias famílias apenas no ano de 2012 — a cidade tinha na época apenas 19 mil habitantes e registrou apenas outros três homicídios no mesmo período. É comum, na região, que mulheres em estágio final de gravidez entrem na mata e só reapareçam dias depois, sem a barriga nem a criança.”

As justificativas para os assassinatos variam conforme a tribo. O motivo mais comum são deficiências físicas — até mesmo quando se manifestam em uma idade mais avançada. Há casos registrados com crianças de até 12 anos assassinadas.

Uma abordagem relativista pode ver isso como normal, afinal, para quem segue essa filosofia, tudo é permitido ou nada é sagrado, mesmo a vida de crianças. É consenso que os indígenas devem ter sua cultura e suas crenças respeitadas. Mas proteger seres indefesos do assassinato é um dever moral absoluto, acima de malabarismos relativistas.

O Brasil tem uma imensa dívida com seu passado de escravidão e morte de indígenas promovidas pelos colonizadores, que manipularam tribos para que lutassem entre si conforme seus interesses e tomaram suas terras à força. Deixar os filhos dos indígenas dos dias de hoje serem enterrados vivos em nome de supostas boas intenções não vai ajudar a pagar essa dívida, pelo contrário.

Conteúdo editado por:Jones Rossi
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