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Esta foto, feita no dia 03 de maio, mostra o manifestante anti-Maduro Victor Salazar em chamas depois que o tanque de gasolina de uma motocicleta da polícia explodiu durante os protestos em Caracas. Do hospital, com 70% do corpo queimado, Salazar mandou uma mensagem aos venezuelanos em vídeo: “Vão para as ruas, não por mim, mas pela Venezuela." | JUAN BARRETO/AFP
Esta foto, feita no dia 03 de maio, mostra o manifestante anti-Maduro Victor Salazar em chamas depois que o tanque de gasolina de uma motocicleta da polícia explodiu durante os protestos em Caracas. Do hospital, com 70% do corpo queimado, Salazar mandou uma mensagem aos venezuelanos em vídeo: “Vão para as ruas, não por mim, mas pela Venezuela."| Foto: JUAN BARRETO/AFP

A crise na Venezuela teve uma virada sombria nos últimos dias. 

Tumultos e saques explodiram no estado rural de Barinas, deixando oito mortos e dezenas de feridos. Em uma das principais praças de Caracas no sábado (20), uma multidão de linchadores encharcou um homem com gasolina e ateou-lhe fogo. E, em diversos bairros da capital, manifestantes mascarados têm montado barricadas em chamas conhecidas como “guarimbas”, exigindo pagamento dos carros que transitam pelas vias. 

Depois de sete semanas de protestos quase diários, os incidentes apontam para uma anarquia que se alastra na Venezuela, conforme tanto governo quanto líderes da oposição — que urgem por não violência — parecem estar perdendo o controle da situação. 

Forças de segurança venezuelanas e gangues de motociclistas pró-governo conhecidas como “colectivos” enfrentaram a agitação com força crescente e, em alguns casos, armas de fogo letais, piorando a situação. Ao menos 50 pessoas foram mortas nas últimas sete semanas, inclusive manifestantes, membros das forças de segurança venezuelanas e transeuntes pegos no fogo cruzado. 

Sem controle

Henrique Capriles, líder da oposição a MaduroFEDERICO PARRA/AFP

“O perigo é que uma espiral de violência destrua a capacidade de cada lado de controlá-la”, afirma Phil Gunson, um analista da ONG International Crisis Group que atua em Caracas, acrescentando que o caos dos últimos dias parece ter “passado de outro limite”. 

“Quanto mais pessoas morrem, mais a raiva cresce e mais disposto o governo fica a responder ainda mais violentamente”, diz Gunson. 

Esse tipo de espiral descendente sempre foi um dos resultados possíveis do movimento de protesto que desafia o presidente Nicolás Maduro com clamores por eleições antecipadas e o retorno ao governo democrático. Mas Maduro tem permanecido obstinado, as demonstrações se intensificaram no meio de uma séria crise econômica e uma solução negociada parece mais remota do que nunca. 

Mais violência pode estar a caminho depois que autoridades eleitorais disseram terça-feira à noite (23) que uma eleição seria realizada no fim de julho para eleger uma “assembleia constituinte” com o poder de reescrever a constituição da Venezuela. Os oponentes de Maduro estão boicotando a assembleia, que veem como um golpe final à democracia venezuelana, e urgiram aos manifestantes que retornassem às ruas quarta-feira. 

Em uma entrevista, o líder oposicionista Henrique Capriles disse que o governo — não os manifestantes — é o responsável pelo tumulto mortal. Ele acusou Maduro de orquestrar a violência e os surtos de saques. 

“O governo quer desmoralizar os protestos”, Capriles disse terça-feira.

“Mas o governo tem um problema de credibilidade. As pessoas ouvem Maduro falar e não acreditam em uma palavra do que diz.” 

A oposição venezuelana tem organizado enormes marchas com centenas de milhares de pessoas nas ruas, a imensa maioria das quais são pacíficas. Mas grupos menores de manifestantes — tipicamente homens jovens com capuzes a máscaras de gás — têm atirado coquetéis molotov contra a polícia, usado estilingues para bombardeá-los com frascos de excrementos ou ateado fogo a veículos governamentais. 

Linchamento

Agressores mascarados em uma multidão esmurraram e esfaquearam Orlando Jose Figuera, de 21 anos, derrubando-o no chão e borrifando-o com gasolinaCARLOS BECERRA/AFP

Ou, pior, ateado fogo a pessoas, de acordo com o governo. Em cenas horripilantes capturadas por fotógrafos semana passada, agressores mascarados em uma multidão esmurraram e esfaquearam Orlando Jose Figuera, de 21 anos, derrubando-o no chão e borrifando-o com gasolina. 

Ele era suspeito de ser um espião pró-governo, de acordo com algumas versões. Outros alegam que ele era um ladrão. 

Nas fotografias, Figuera parece se esforçar para ficar de pé. Então duas figuras mascaradas se aproximam dele por trás e lhe ateiam fogo. Figuera corre, meio nu, com chamas saindo de suas costas. 

Ele sofreu queimaduras de primeiro e segundo grau em 80% do seu corpo, mas sobreviveu. 

Maduro afirma que Figuera e outros foram atacados simplesmente por terem expressado apoio ao falecido Hugo Chávez, o presidente que colocou a Venezuela no caminho orientado pelo socialismo que o governo atual tem perseguido. Ele chamou a tentativa de linchamento de “um crime contra a humanidade”, e semana passada disse que ele e outros membros do governo “são os novos judeus”, se referindo à perseguição nazista. Seus comentários foram amplamente condenados. 

Saques

Supermercado saqueado em San Cristobal, no estado de Tachira, Venezuela, no dia 18 de maio. LUIS ROBAYO/AFP

Capriles e outros líderes da oposição dizem que tal violência e caos favorece o governo, ao permitir que Maduro se apresente como o garantidor da lei e da ordem no país. Ainda assim, eles parecem ter dificuldades em por rédeas na ala mais militante do movimento, e parecem impotentes de impedir outros de tiraram vantagem do caos para saquear lojas. 

Na capital do estado de Barinas, o estado natal de Chavez e o chamado berço de sua revolução “bolivariana”, o suposto assassinato de um manifestante mandou multidões em fúria às ruas, atacando prédios do governo e saqueando lojas. Ao menos oito pessoas foram mortas e mais de 50 outras feridas durante a violência de segunda e terça-feira, de acordo com autoridades locais, inclusive mais de 20 pessoas mortas por armas de fogo. Cerca de 200 lojas foram saqueadas, disse o lojista Samuel Guerrero, contatado por telefone na capital do estado. 

“As coisas estão caóticas aqui”, disse. “Não havia comida suficiente em Barinas, e agora os saques serão ainda piores.” 

O governo disse que estava mandando reforços para pacificar o estado. Guerrero disse que não sabia como alimentaria sua família. 

Repressão do governo

Foto feita em 19 de abril mostra uma manifestante mantendo posição em frente a um carro blindado da polícia de Maduro. JUAN BARRETO/AFP

Rafael Uzcétegui, diretor da ONG de direitos humanos venezuelana Provea, disse que a crescente violência parece ser resultado tanto da frustração dos manifestantes com o impasse político entre o governo e a oposição, como de um resposta emocional ao crescente uso da força pela polícia e pelas tropas da guarda nacional. 

“Essa é uma estratégia do governo para transformar um movimento que era pacífico, até agora, em um que é violento”, disse. “É uma estratégia para desmoralizar o movimento e facilitar sua criminalização.” 

Uzcátegui disse que o que sua organização observou é que a violência ocorre tipicamente em resposta à repressão das forças de seguranças contra manifestantes pacíficos. “É impossível garantir que 100% dos protestos serão pacíficos”, ele disse. “Mas é por isso que é importante que condenemos atos de violência.” 

Gunson, do International Crisis Group, disse que não pensava que os líderes da oposição venezuelana poderiam controlar o tumulto que se alastra ou diminuir a temperatura. “Somente uma decisão do governo de inverter a escalada teria efeito, e não há sinais disso”, disse. “Pelo contrário.” 

“Penso que começaremos a ver toques de recolher, prisões em massa, uma taxa de mortes diária maior e violações de direitos humanos ainda piores”, disse Gunson. 

Terça-feira as autoridades também estabeleceram 10 de dezembro como a data para eleições regionais que deveriam ter sido realizadas em 2016.

A repórter Rachelle Krygier, do Washington Post, em Caracas, auxiliou nesta reportagem

Tradução: Pedro de Castro
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