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Pracinha brasileiro, Alberto Berardi insistiu muito para fazer parte da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Grande Guerra, em 1944. Na época, ele deixou a atividade de cozinheiro, em Curitiba, para se transformar em mensageiro de guerra. Na verdade, queria mesmo era “fritar” Adolf Hitler
Pracinha brasileiro, Alberto Berardi insistiu muito para fazer parte da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Grande Guerra, em 1944. Na época, ele deixou a atividade de cozinheiro, em Curitiba, para se transformar em mensageiro de guerra. Na verdade, queria mesmo era “fritar” Adolf Hitler| Foto: Arquivo pessoal

Alberto Berardi tinha apenas 19 anos em 1944, ano em que finalizou o serviço obrigatório do Exército brasileiro. A idade era pouca. Mas a fúria, imensa. Em plena Segunda Guerra Mundial, ele se voluntariou para seguir ao conflito. Tinha ódio a Adolf Hitler. Não admitia as atrocidades do ditador alemão, principalmente, diante da perseguição aos judeus. Mesmo pedindo para contribuir para o fim do nazismo, seu comandante, em Curitiba, não o autorizou. E, diante de tanta insistência, o patriotismo falou mais alto. Depois de muitos pedidos, conseguiu embarcar rumo à Itália.

Então, Alberto chegou à Europa no navio General Meighs, para se juntar a outros 25,7 mil pracinhas brasileiros. Era outubro de 1944. Inserido à Força Expedicionária Brasileira (FEB), participou como mensageiro nas operações da tomada de Monte Castelo. O Brasil atuava ao lado dos Aliados na Campanha da Itália, principalmente, em suas duas últimas fases — o rompimento da Linha Gótica, e a Ofensiva Aliada final naquela frente.

Alberto chegou à Guerra num período de intenso frio. Sempre descreveu que as tropas brasileiras foram despreparadas. Nem mesmo roupas adequadas haviam levado. Viu soldados morrerem de frio. Mas, segundo seus relatos, jamais faltou empenho. A missão foi cumprida. A história de sua vida jamais havia sido contada. Morto há 16 anos, a jornada foi relatada através de três sobrinhos, Élio, 62, Osnei, 60, e Divete, 53. Juntos, conviveram com o tio, nos rincões do Paraná, no município de Nova Tebas – a 380 quilômetros de Curitiba.

Sobre uma mesa, na propriedade rural de Élio, certificados, medalhas, brasões e fotografias. Tudo foi guardado para eternizar a memória do ex-combatente. Para a família, um verdadeiro herói nacional, mais que um voluntário, mais que um soldado. No fronte, revelou que a humanidade podia existir, mesmo diante de um “inimigo”.

Já era final da Guerra. Num dos intermináveis confrontos com alemães, Alberto se afastou da tropa. Retirado, a metros de distância, acabou se perdendo em meio ao mato. E foi lá, quando encontrou dois soldados nazistas. Escondidos, tinham desertado. Embora não comungassem a mesma língua, os gestos falavam por si. “Meu tio disse que eles queriam se entregar. Não aceitavam o regime de Hitler. Então, com gestos, se entenderam. Passaram uma noite inteira juntos, até o nascer do sol”, disse o sobrinho.

Raiou o dia. Alberto levou os dois alemães às tropas brasileiras. Ao se aproximarem, teve que intermediar. Alguns “brazucas” desejavam arrancar o mal pela raiz. “Ele não deixou que fizessem mal aos dois. Os protegeu. E foram detidos como presos de guerra”, lembra Osnei.

Encontro com Pio XII

As lembranças da Guerra não eram fáceis. Alberto não costumava relatá-las. Divete conta que o tio era recatado. Muito caseiro. Mas sempre alegre. Gostava de chimarrão e cigarros. Jamais ingeriu uma gota de álcool. Após voltar da Guerra, se enclausurou ainda mais. Quase não saía. E, por se isolar, jamais quis se casar. Também não teve filhos. Mantinha no seu isolamento, as próprias lembranças dos homens que ajudou a matar. E eles não foram poucos.

Como mensageiro, Alberto carregava uma espécie de telefone. Ele ia à frente da tropa. Sempre rastejando, como uma cobra. Numa ocasião, viu a morte chegar. Após deixar uma das trincheiras, avistou os alemães. Rajadas de tiros rasparam seu corpo. Dois ou três disparos acertaram o capacete. E um parou em sua mão. Vendo que tudo ali acabaria, conseguiu voltar e cair na trincheira. Mesmo com o avanço da FEB, viu muitos companheiros caírem mortos. “Ele dizia que pisava sobre cadáveres. Aquele dia, muitos soldados perderam a vida”, contou Divete.

Alberto permaneceu um ano na Guerra. Próximo ao fim dela, foi com 30 pracinhas brasileiros a uma igreja, numa pequena cidade arrasada da Itália. Lá, pediram ao padre local para falar com o Papa, na época, Pio XII. Dias depois, foram atendidos. Levados até o Vaticano, os expedicionários conversaram com Sua Santidade. Um certificado antigo prova o encontro, no dia 18 de julho de 45. “Meu tio disse que Pio XII pediu a eles que não cortassem os cabelos, como uma forma de promessa para a Guerra acabar. E assim, eles teriam feito. Duas semanas após o encontro com o papa, e sem aparar o cabelo, a Guerra acabou”, lembrou Osnei. Após retornar ao Brasil, Alberto nunca mais se esqueceu daquela promessa. E, sempre, em épocas de quaresma, não aparava seus cabelos.

Fúria contra Hitler

Alberto nasceu em maio de 1920, em Erechim, no Rio Grande do Sul. Teve seis irmãos. Os pais faziam “traias” para cavalaria. Mas na Revolução Constitucionalista de 1932, as tropas se apossaram de todo o seu material, levando a família ao colapso financeiro. Então, ainda adolescente, ao lado dos pais, o jovem seguiu até Curitiba, onde mais tarde serviria o Exército.

Bastante disciplinado, passou a ficar amigo dos superiores. A amizade perdurou até mesmo depois de deixar a unidade. Como reservista, começou a trabalhar na cozinha do Hotel Johnscher, na rua Barão do Rio Branco, na capital paranaense.

E foi neste tempo, consumindo informações sobre a Guerra, que desenvolveu uma verdadeira fúria contra Hitler. Ele não admitia que um só homem disseminasse tantas mortes por onde pisasse. Então, num dia, voltou ao quartel e solicitou ao comando que o mandasse à Itália. “O comandante do quartel gostava muito dele. Não queria que fosse. Mas meu tio insistiu demais”, disse Élio.

Susto na mãe

Em outubro de 1945, Alberto retornou da Guerra. No desembarque no Rio de Janeiro, foi até uma banca de jornais. Lá, enquanto comprava um jornal, um ladrão assaltou uma mulher, quase na esquina de onde estava. Ainda armado, disparou contra o meliante. “Ele contou que foi uma reação tão natural, que para ele, atirar já era normal”, contou Divete. Na verdade, as memórias da Guerra, de tudo o que acabara de vivenciar, continuavam em sua alma. E, sim, ao correr para ajudar a mulher, vítima do assalto, viu marcas de sangue na calçada. Mas o bandido conseguiu fugir. Embora não se saiba até aonde.

De volta à Curitiba, decidiu ajudar um irmão, agora em Pitanga. Na verdade, na comunidade de Catuporanga — região central do Paraná. O problema é que Alberto ficou sem dar notícias, desde o meio da Guerra. Ao chegar a Pitanga, e ver a mãe, Clementina, ela quase morreu de susto. “Ela já tinha na cabeça que ele havia morrido na Guerra. Mas quando o viu, quase desmaiou”, contou Élio.

O tempo passou e Alberto começou a trabalhar com a terra. Juntando o dinheiro da pensão do governo e, ainda, fazendo negócios, conseguiu comprar 60 alqueires em Nova Tebas. Nunca mais saiu de lá. Vivendo no isolamento, com as lembranças da Guerra, nunca se casou. Nem filhos teve. Ele viveu até 2006, quando morreu por falência múltipla dos órgãos.

Nos últimos dez anos de vida, uma sobrinha, Brandina, foi a sua companheira. Ela ajudou a cuidar do tio, até o fim. Os 60 alqueires de terra foram divididos em 39 partes iguais, a 39 sobrinhos. Além da herança material, restaram também, as memórias de um homem diferenciado. Uma espécie de “Bastardo Inglório”, como no filme de Quentin Tarantino.

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