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Manifestante usou bandana com mensagem antifascista em protesto na Avenida Paulista
Livro revela que, se os antifas pretendem mesmo acabar com o fascismo, vão ter que começar a combater suas próprias ideias fascistas.| Foto: Nelson Almeida/AFP

Antifa. A simples menção ao nome do grupo que costuma ir às ruas para brigar com supremacistas brancos e, se sobrar um tempinho, quebrar agências bancárias e tudo o que simbolize o “capitalismo opressor” é capaz de despertar os brios justiceiros de que não quer ver se repetir as tragédias de Hitler e Mussolini. Mas é aí, na identificação do inimigo histórico, que mora o problema.

Porque ninguém em sã consciência há de defender o fascismo, com sua glorificação do Estado, esmagamento da liberdade individual e pretensões eugenistas (nas quais o racismo está implícito). Mas daí você vai ler o que os membros da Antifa propõem e se depara com o quê? A glorificação do Estado e o esmagamento da liberdade individual. Mas não só. Antifas também se opõem explicitamente à democracia representativa e veem a violência como um caminho legítimo para se fazer justiça.

Está tudo em “Antifa: O Manual Antifascista”, de Mark Bray. O livro, no momento em que escrevo este texto, é o mais vendido da Amazon norte-americana na categoria “Fascismo” – o que não deixa de ser uma ironia reveladora. Bray, que durante o livro todo não deixa de exaltar a própria superioridade moral e, por consequência, a superioridade moral dos antifas, foi um dos organizadores do protesto Occupy Wall Street, que em 2011 ocupou os arredores do centro financeiro de Nova York exigindo coisas como a redução da influência empresarial na política, menos disparidade de renda, empregos melhores, reforma do sistema bancário e o perdão da dívida dos estudantes.

O movimento foi, como era de se prever, um fracasso. Os manifestantes tiveram celulares e laptops roubados e houve até relatos de estupros nas barracas. Nenhuma das pautas vagas e evidentemente anticapitalistas foram atendidas. Mas Bray ganhou a notoriedade que lhe permitiu escrever a história do movimento antifascista contemporâneo, que pouco ou nada tem a ver com os antifascistas que deram a vida para derrotar Hitler e Mussolini.

Em busca de uma definição

A validação moral dos Antifa passa, necessariamente, por essa necessidade de se identificar com os antifascistas das décadas de 1930 e 1940, que lutavam contra um mal muito concreto: o nazismo, na Alemanha, e o fascismo, na Itália. Bray, convenientemente, ignora regimes autoritários de esquerda. Por isso mesmo ele começa o livro dizendo que a história do fascismo não foi corretamente escrita ainda (como se as centenas de milhares de títulos sobre o assunto não valessem para nada). Caberá justamente a ele, Bray, escrever não uma história do fascismo, mas a história.

Para tanto, ele precisa de uma definição de fascismo. Sem explicar ao leitor o motivo, ele usa uma definição específica, proposta por Robert Paxton, famoso por ver no anticapitalismo um caminho para a luta antifascista. A definição de Paxton para o fascismo é a seguinte:

(...) uma forma de comportamento político marcado por uma preocupação obsessiva com a decadência da sociedade, a humilhação e a vitimização, e a adoração compensatória da união, energia e pureza, no qual um partido de massa formado por militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca, por meio da violência redentora e sem limites éticos ou legais, os objetivos da purificação doméstica e da expansão externa.

É uma boa definição, ainda que falha, justamente por ignorar os regimes autoritários de esquerda que se enquadram perfeitamente nessas características. Não se trata, aqui, de uma omissão ao acaso ou de um descuido conceitual. Os regimes autoritários de esquerda, como o socialismo soviético e o maoísmo, são intencionalmente ignorados porque a Antifa se autodefine como “uma política não-liberal de revolução social aplicada à luta contra a extrema-direita, e não apenas contra fascistas no sentido literal do termo”.

Traduzindo, trata-se de um movimento autoritário (“não-liberal”), antidemocrático (“revolucionário”), de extrema-esquerda, que luta contra todos aqueles que dele discordam (“não apenas contra fascistas no sentido literal do termo”).

Antidemocracia

E o problema dos antifascistas contemporâneos é justamente este: eles usam métodos fascistas, entre eles a violência, mas não só, para vencer os que discordam de sua postura e que são considerados aleatoriamente fascistas. Trata-se um jogo político cujo resultado é apenas a perpetuação de métodos pouco civilizados para fazer prevalecer uma visão de mundo.

Não à toa, Bray passa boa parte do tempo defendendo duas coisas de deixar de cabelo em pé muita gente que, hoje mesmo, está usando o badge “Antifa” nas redes sociais: o silenciamento completo de qualquer voz contrária e alguma forma de supressão da democracia. Isso mesmo: supressão da democracia.

“Em resumo, a Antifa busca negar aos fascistas a oportunidade de promover suas políticas de opressão”, lê-se no livro. E é impressionante como uma frase tão curta pode ter tantos problemas políticos e morais. A questão aqui é: quem determina se essa ou aquela política pregada pelos “fascistas” é de fato opressora? Qualquer um que defenda a iniciativa privada, por exemplo, automaticamente se enquadra no conceito defendido por Bray e, portanto, deveria ser silenciado. Assim como todo mundo que defenda métodos pacíficos, como Martin Luther King, por exemplo.

Adiante, chegamos ao cerne da questão. Antifas são também antidemocráticos. Num capítulo curto, mas extremamente sintomático das contradições que compõem o pensamento e a prática antifas, Mark Bray, que exibe na parede de seu gabinete o diploma de historiador, defende o fim das eleições livres e democráticas como forma de se alcançar o poder porque “fascistas alcançam o poder legalmente”. Como exemplo, ele menciona o presidente Donald Trump e o ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi.

Antifascismo cotidiano

Por fim, Mark Bray defende algo assustador: a ação política cotidiana contra os fascistas. Que, já vimos, inclui todos aqueles com ideias diferentes das dos revolucionários do grupo Antifa. Daí as arruaças diárias que vimos recentemente nos Estados Unidos, usando como pretexto a morte de um homem negro por um policial branco. Daí a militância incansável nas redes sociais.

Essa pregação nada mais é do que a realização do sonho marxista de ver o homem transformado num Homo politicus, alguém que pense o Estado o tempo todo, desde que acorda até a hora de dormir. Para os antifas, a derrota do fascismo só se dará depois de implementadas mudanças radicais, como o fim do capitalismo e até a abolição das prisões, e depois que o homem abandonar qualquer luta que não a política, pela manutenção desse suposto Paraíso na Terra.

Para Bray e os seus, tudo é Estado e nada existe fora do Estado – desde que, evidentemente, o Estado seja anticapitalista. Mas quem eram mesmo aqueles que defendiam a supremacia do Estado sobre o indivíduo, o planejamento ultracentralizado na economia e da vida cotidiana e reparações históricas por meio da violência?

Ganha um pirulito quem responder “os fascistas”.

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