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Enfermeira aplica em uma criança dose da vacina contra a Covid-19 em Jerusalém, Israel, no dia 23 de novembro de 2021. Israel lançou uma campanha para oferecer a dose da vacina contra a Covid-19 para crianças entre cinco e 12 anos de idade
Enfermeira aplica em uma criança dose da vacina contra a Covid-19 em Jerusalém, Israel, no dia 23 de novembro de 2021. Israel lançou uma campanha para oferecer a dose da vacina contra a Covid-19 para crianças entre cinco e 12 anos de idade| Foto: EFE / EPA / ABIR SULTAN

O Instituto Butantan e o governo do estado de São Paulo pediram à Anvisa para autorizar a aplicação da vacina Coronavac em crianças a partir dos três anos de idade. Foram reservadas 12 milhões de doses, o que é suficiente para essa faixa etária no estado. A decisão do órgão regulatório a respeito deve ser feita no início de janeiro.

O pedido ocorre no mesmo mês em que foi publicado um estudo sobre a segurança da Coronavac em mais de 500 jovens com idade de três a 17 anos, conduzido por Bihua Han, que faz pesquisa médica no Centro de Controle e Prevenção de Doenças da província de Hebei, na China, e parceiros, alguns deles afiliados à Sinovac, que fabrica a vacina. Os pesquisadores observaram reações adversas de leves a moderadas, sendo a dor no local de aplicação a queixa mais comum, e mais pronunciada nos adolescentes que nas crianças. Dos poucos efeitos mais sérios observados, nenhum foi atribuível à ação da vacina.

Eles concluem no estudo que essa vacina é segura para o grupo, observando uma resposta imunológica à inoculação em 96% dos jovens. O resultado desse estudo chinês é corroborado por um estudo menor do médico infectologista Eder Gatti Fernandes, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, e colegas. O estudo envolveu 27 crianças entre sete meses e cinco anos de idade inoculadas acidentalmente com uma dose da Coronavac no Brasil. Cinco delas já tinham sinais de terem se infectado antes com COVID-19, mas todas, após a inoculação acidental, desenvolveram uma resposta imune robusta. É importante lembrar que essas amostras pequenas não capturam possíveis efeitos adversos mais raros.

A Coronavac é uma vacina baseada no antigo método de vírus inativado, em oposição aos métodos de vírus recombinante (AstraZeneca) e de nanopartículas de gordura contendo RNA mensageiro (Pfizer-BioNTech ou Comirnaty — nome comercial da vacina da Pfizer que veio com sua aprovação nos EUA em setembro passado). Por isso, dada a familiaridade do método e sua eficácia na imunização das crianças para outras doenças, essa vacina chinesa pode representar uma esperança para pais preocupados com efeitos desconhecidos a longo prazo das vacinas baseadas nos métodos mais novos. Além disso, o vírus inativado seria o que mais se aproxima da imunidade natural, por apresentar mais alvos da superfície do vírus ao sistema imune. No entanto, como é de conhecimento geral, a Coronavac apresenta uma eficácia limitada comparada às vacinas de mRNA.

A Covid-19 é geralmente uma doença leve em crianças, se apresentando em muitos casos, possivelmente na maioria deles, na forma assintomática.

Grupo de médicos faz apelo à Anvisa

Em opinião publicada em novembro na revista Science, Jeffrey Gerber e Paul Offit recomendaram a vacinação de crianças. Os autores são do Hospital Pediátrico da Filadélfia — Gerber também chefia o estudo pediátrico da vacina de mRNA da Moderna em parceria com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA. Gerber e Offit reconhecem o risco de miocardite desse tipo de vacina, mas contextualizam que essa inflamação do coração aparenta ser leve, especialmente comparada aos vários efeitos sistêmicos da Covid-19. Apontam que 700 crianças morreram de Covid-19 nos Estados Unidos, e que “nenhuma” teria morrido em consequência das vacinas para a doença. A carta não faz menção ao possível conflito de interesses dos autores, especialmente Gerber, que chefia uma unidade local do estudo KidCOVE da vacina de mRNA da Moderna, que envolve milhares de crianças. Relatos de crianças vacinadas com efeitos adversos começaram a aparecer na imprensa.

A recomendação de Gerber e Offit não é partilhada por todos. Um grupo de 45 médicos brasileiros, encabeçado na lista pela médica otorrinolaringologista Maria Emilia Gadelha Serra, elaborou uma carta à Anvisa para expressar preocupação a respeito da vacinação de crianças com o novo produto de nanopartículas com mRNA. A carta foi divulgada por meio de um canal do Telegram.

Os médicos reclamam que a vacina da Pfizer não teria passado ainda pela fase 3 de estudos clínicos, motivo pelo qual teria ainda um status experimental, o que tornaria medidas coercitivas como o passaporte da vacina uma violação do Código de Nuremberg e dos direitos humanos. Em corroboração à ideia de que a Comirnaty seria experimental, o grupo cita o registro do ensaio clínico relacionado a ela, que tem data de encerramento só em 2023, e a resolução 475 da Anvisa, que trata de autorizar o uso emergencial de medicamentos e vacinas “em caráter experimental”.

É importante fazer uma pausa e pensar nas ambiguidades do termo “experimental” nesse contexto. Enquanto, no Código de Nuremberg, o termos se refere a experimentos científicos, este não é necessariamente o sentido contido na resolução — na qual “caráter experimental” poderia ser substituído por “caráter tentativo”, especialmente à luz do contexto, que é dar uma resposta a uma emergência.

O documento dos médicos brasileiros céticos quanto à segurança da vacina da Pfizer é bastante detalhado e menciona informações já cobertas aqui na Gazeta do Povo, como o fato de que as nanopartículas podem ser encontradas no cérebro de roedores inoculados. Ele é rico em razões para a cautela e, especialmente, para fazer oposição ao autoritarismo sanitário contido em medidas coercitivas como o passaporte da vacina.

Porém chama a atenção que alguns dos autores são adeptos de terapias carentes de base em evidências como a ozonioterapia, e o alarde em alguns pontos, por exemplo, a respeito de efeitos adversos — sempre há efeitos adversos, a questão é se eles são pouco preocupantes, como uma dor passageira no local da injeção que se observou na Coronavac, ou se são dignos de atenção mais detida, como a miocardite.

Mencionam, por exemplo, a ausência de mortes por Covid-19 na amostra de crianças da Pfizer — mas, como dito acima, mortalidade infantil por Covid-19 não foi zero, e no Brasil mais crianças parecem ter morrido de Covid-19 que nos EUA, como indicam os dados do SUS. Para o Brasil, não é verdade que morrem menos crianças de Covid-19 que por atropelamento ou câncer, por exemplo, mas as incidências das três fatalidades têm magnitudes similares.

O grupo aponta também para omissões suspeitas nos estudos da farmacêutica, que certamente são dignas de atenção, já que foi essa a natureza de alguns delitos anteriores de farmacêuticas quando elas faltaram com o protocolo de pesquisa e a honestidade em testes de medicamentos nas últimas décadas. Mas nem sempre fica claro, na nota, que a literatura médica tem sugerido que o risco da Covid-19 para o coração é maior que o risco da vacina.

Em seu site, o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos relata que a Comirnaty é composta de ingredientes na maior parte presentes em alimentos e que todos eles são seguros. A dose dada às crianças difere pelo volume e pelos componentes estabilizantes das nanopartículas com RNA mensageiro.

Voz destoante

Em setembro, o Comitê Misto da Vacinação e Imunização do Reino Unido (JCVI) chamou a atenção por destoar de agências de saúde de outros países desenvolvidos ao não recomendar vacina da Covid-19 para crianças e adolescentes entre 12 e 15 anos, exceto para aqueles com problemas de saúde agravantes para o quadro da Covid-19. A entidade promete atualizar sua recomendação a respeito das crianças menores antes do Natal, e está sob intensa pressão especialmente após a emergência da variante ômicron.

O JCVI recomendou a vacina para mulheres grávidas: o diretor do comitê, Wei Shen Lim, relata que “não há evidência para sugerir que as vacinas da Covid-19 aumentam o risco de aborto espontâneo, natimortos ou malformações” e que a doença representa um risco maior à gestante e ao bebê. A decisão veio após emergirem novos dados sugerindo que a Covid-19 tem se tornado mais ameaçadora para grávidas.

A tendência no Brasil, que se refletiu na decisão do STF a respeito de barrar a entrada de pessoas no país sem prova de inoculação, tem sido uma ênfase na distinção entre vacinados e não-vacinados, e uma falta de prioridade à distinção entre imunizados e não-imunizados, que levaria em conta a imunidade natural.

Outros países, como a Dinamarca, incluem a imunidade natural entre as formas de proteção adquirida contra o vírus incluídas em seu novo passaporte da Covid-19. Saber mais a respeito da diferença entre a imunidade natural e a imunidade conferida pelas vacinas (bem como a diferença de proteção delas contra novas variantes) é salutar para saber se há uma necessidade de vacinar as crianças: comparar as forças das imunidades é tão importante quanto comparar riscos.

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