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Os intelectuais formados em instituições de prestígio, como Harvard e Yale (foto), trabalham para desacreditar nosso passado e demolir nosso futuro.
Os intelectuais formados em instituições de prestígio, como Harvard e Yale (foto), trabalham para desacreditar nosso passado e demolir nosso futuro.| Foto: Pixabay

A classe intelectual em todo o Ocidente — incluindo universidades, imprensa e artes — trabalha para desmantelar os valores que impulsionaram seus ancentrais. A Europa, fonte da civilização Ocidental, hoje enfrenta uma campanha, na academia e na imprensa, para substituir suas tradições culturais e religiosas pelo que um autor descreve como “uma República multicultural e pós-racial” que apoia identidades distintas. “O ‘nós’ europeu não existe”, escreve o filósofo francês Pierre Manent, analisando os efeitos danosos. “A cultura europeia está oculta, desaparecendo, sem alma”.

Os valores cada vez mais “conscientes” da elite educada refletem, como previu o escritor Alvin Toffler há quase meio século, as consequências inevitáveis da riqueza das massas, a concentração empresarial e a mudança para uma economia baseada nos serviços. A nova elite, previu Toffler, abandonaria os valores burgueses tradicionais do trabalho e da família em troca de “objetivos mais estéticos, autorrealização e hedonismo explícito”. A riqueza, observava ele, “serve de base a partir da qual os homens começam a lutar por objetivos pós-econômicos”.

A força motivadora para essas mudanças é a intelectualidade ancestral que, repetindo o papel que a Igreja teve na Idade Média, se vê como uma classe destinada a direcionar a sociedade humana, uma versão moderna da “oligarquia de padres e monges cujo trabalho era abrir caminho para o Céu”, nas palavras do grande historiador francês da Idade Média, Marc Bloch. Os clérigos tradicionais continuaram fazendo parte dessa classe, mas a eles se juntaram outros – professores universitários, cientistas, intelectuais e presidentes de fundações de caridade. Essa parcela secular da sociedade hoje substituiu os clérigos, agindo como o que o sociólogo alemão Max Weber chamou de “novos legitimadores” da sociedade. Essa nova intelectualidade abrange uma porção cada vez maior da força de trabalho que geralmente age fora da economia de mercado — professores, consultores, advogados, funcionários públicos e profissionais de saúde. Enquanto isso, profissões comuns entre a classe média tradicional — pequenos empresários, trabalhadores da indústria básica e construção — foram reduzidas a uma parte ínfima do mercado de trabalho.

As classes ricas e educadas odeiam o Presidente Donald, que muitos que se sentem excluídos apoiam, e defendem sua candidata preferida, Elizabeth Warren, que vem da comunidade jurídica e universitária e dá voz à retórica progressista comum a essa classe. (O rival de esquerda menos inteligente de Warren, Bernie Sanders, se sai melhor entre trabalhadores jovens em dificuldades). Os apoiadores intelectuais de Warren representam o que o autor marxista francês Christophe Guilluy chama de “estrato privilegiado”, que age sob a suposição de superioridade moral que justifica seu direito a governar os demais. Eles são a apoteose da ideia de H. G. Wells de uma “classe emergente de homens capazes” que poderiam chamar para si a responsabilidade de “controlar e conter (...) as massas disfuncionais”. Essa nova elite, previu Wells, substituiria a democracia por um “organismo mais elevado” do que ele chamou de “a Nova República”.

Durante gerações, a imprensa adotou um ideal de imparcialidade e de validação de pontos de vista diversos. Hoje, como notou recentemente Andrew Sullivan, é quase impossível ver o noticiário como outra coisa que não um instrumento partidário. Nada exemplifica melhor isso do que o papel da imprensa na resistência a Trump; por pior que ele pareça, nenhum presidente, nem Richard Nixon, sofreu uma oposição tão grande da imprensa, com estimados 92% de cobertura negativa, mesmo antes de ter assumido o cargo.

O impasse antitrumpista da imprensa reflete mudanças maiores no setor. Os repórteres raramente vêm, como vinham no passado, da classe trabalhadora, e sim das universidades de elite. Eles tendem majoritariamente ao progressismo. Em 2018, apenas 7% dos repórteres norte-americanos se identificavam como republicanos; algo em torno de 97% das doações políticas de jornalistas vão para os democratas. O fato de líderes da indústria de tecnologia estarem assumindo o controle da imprensa acelerou essa tendência. Quase dois terços dos leitores hoje se informam por meio do Facebook e do Google, plataformas que geralmente “escondem” ou eliminam opiniões de conservadores, de acordo com ex-funcionários. Não são apenas os conservadores que pensam assim: mais de 70% dos norte-americanos, de acordo com um estudo recente do Instituto Pew, acreditam que as redes sociais “censuram opiniões políticas”.

Um padrão semelhante pode ser visto em Hollywood, antes dividido entre conservadores e progressistas, mas hoje inclinado à esquerda. O colunista progressista Jonathan Chait, analisando as produções dos principais estúdios e redes, descreveu o que chamou de “um progressismo predominante, senão total”. Praticamente toda produção cultural de massa segue um roteiro progressista, da indústria musical ao teatro – e hoje também incluindo os esportes.

Talvez nada tenha dado mais poder à intelectualidade do que a ampliação das universidades. A porcentagem de pessoas com diploma universitário na força de trabalho aumentou de menos de 11% em 1970 para mais de 30% quatro décadas mais tarde. A quantidade de pessoas matriculadas na universidade nos Estados Unidos aumentou de 5 milhões em 1964 para algo em torno de 20 milhões hoje. As universidades, sobretudo as instituições de elite, aparecem como os principais influenciadores das classes mais altas. Uma pesquisa dos 250 principais tomadores de decisões do setor público norte-americano, realizada pelo National Journal, descobriu que 40% se formaram em instituições de elite. Apenas um quarto deles tem diplomas de universidades públicas.

A ortodoxia das opiniões na educação superior contemporânea é cada vez mais rígida. Em 1990, de acordo com uma pesquisa do Instituto de Pesquisas da Educação Superior da UCLA, 42% dos professores se identificavam como “progressistas” ou “esquerdistas”. Em 2014, esse número saltou para 60%. Outro estudo das 51 maiores universidades descobriu que a proporção entre progressistas e conservadores vai de 8 para 1 até 70 para 1. Nas escolas de artes como Wellesley, Swarthmore e Williams, a proporção alcança 120 para 1.

Essa tendência é ainda mais pronunciada em campos que afetam a opinião pública. Menos de 10% dos professores de importantes faculdades de direito, como Harvard, Yale, Stanford, Columbia e Berkeley — escolas que formam muitos dos líderes do país — se descrevem como conservadores. As principais faculdades de jornalismo, incluindo Columbia, deixaram de ensinar os fundamentos da reportagem e adotaram uma pauta explícita de justiça social.

Antes um fenômeno predominantemente universitário, a ideologia progressista hoje está sendo imposta sobre os alunos do ensino fundamental, algo que pode transformar para sempre a política. Como todos os líderes autoritários, de Stalin a Mao, passando por Hitler, sabiam, os jovens são mais suscetíveis à propaganda e são mais facilmente moldados pela visão de mundo de seus professores. Esse processo se revela no movimento ambientalista, que tem usado como aríete a figura improvável de Greta Thunberg, uma adolescente sueca aparentemente problemática. Com sua dura retórica milenialista sobre o fim do mundo, ela repete o papel exercido por jovens fanáticos religiosos durante a “cruzada das crianças” do século XIII ou, mais recentemente, das Brigadas Vermelhas usadas por Mao para silenciar seus críticos.

A politização da educação básica, sobretudo quanto à história norte-americana, é perceptível em todo o país, mas concentrada em regiões como Nova York  e Minneapolis. Na Califórnia, as escolas estão trocando coisas como as provas por políticas mais ideologicamente corretas. Antes líder em inovação e desempenho, a Califórnia hoje ocupa as últimas colocações, estando em 40º lugar no levantamento da Education Week. Esses resultados não significam muita coisa para os progressistas de lugares como o Distrito Educacional Unificado de Los Angeles, que aboliu suspensões e expulsões por “desobediência” em nome da igualdade racial. Um projeto de lei que pode fazer o mesmo em todo o estado está em tramitação, juntamente com uma campanha para enfraquecer as escolas públicas de gestão privada. Nada exemplifica melhor a pauta esquerdista e racialista da educação — marcada por uma boa dose de doutrinação anticapitalista — do que o projeto de lei de um currículo de “estudos étnicos” para as escolas estatais. O programa enfrenta forte oposição e dificilmente será adotado da forma que foi apresentado, mas os ativistas certamente continuarão tentando.

Aos programas de estudos étnicos voltados para alunos do ensino superior geralmente falta o mais básico conhecimento da história norte-americana. Incapazes de alcançarem os padrões nacionais de inglês básico, artes e matemática, muitos desses estudantes aprendem apenas o jargão acadêmico, como misoginia, cisheteropatriarcado e histórie — que defensores dos estudos étnicos como R. Tolteka Cuauhtin, membro do comitê consultivo que elaborou o projeto de lei, usam em nome da legitimação da disciplina. “A química avançada, por exemplo, tem termos acadêmicos bastante complexos, difíceis de pronunciar, mas isso é esperado, porque se trata de química avançada”, explica Cuauhtin.

A intelectualidade está agindo para minar a democracia liberal. Nos próximos anos, a tecnologia ajudará a moldar o comportamento associado a tudo, desde o meio ambiente até a existência de um “viés inconsciente” contra minorias raciais e sexuais. Os esforços da China para controlar e monitorar o pensamento, às vezes com a ajuda de empresas norte-americanas de tecnologia, são um sinal das coisas que estão a caminho da Europa, Austrália e América do Norte. Já estamos vendo a ascensão de uma nova geração política que não vê muita utilidade na tradição política ocidental ou nos valores culturais que a moldaram. Os millennials norte-americanos — a despeito ou justamente por causa de seus diplomas de curso superior — acreditam cada vez mais que os Estados Unidos são irremediavelmente racistas e opressores. A visão de mundo deles incluir impor restrições à liberdade de expressão. Cerca de 40% dos millennials, de acordo com o Instituto Pew, defendem limites a discursos considerados ofensivos a minorias — bem acima dos já deprimentes 27% entre os membros da Geração X e 24% entre baby boomers. Entre os mais velhos —que provavelmente se lembram dos regimes fascistas e comunistas — apenas 12% apoiam tais restrições. Os millennials europeus também exibem menos fé na democracia e têm menos objeções aos controles autocráticos do que os norte-americanos ou as gerações mais velhas. Os jovens europeus têm três vezes mais chance do que os mais velhos de dizerem que a democracia é um fracasso e muitos deles que vivem países como Suécia, Hungria, Espanha, Polônia e Escoláquia se aproxima da extrema-direita, enquanto outros, sobretudo no Reino Unido e França, defendem a extrema-esquerda.

Com níveis menores de alfabetização cultural e um interesse também menor na história, a nova geração pode repetir a deterioração intelectual da Idade Média, quando, de acordo com o historiador belga Henri Pirenne, “a própria mentalidade humana passou por uma deterioração”. Assim como os senhores feudais desprezavam a cultura clássica, a intelectualidade atual busca destruir a cultura liberal e a tradição política ocidental; quase 40% dos jovens norte-americanos, por exemplo, acham que o país “não tem uma história da qual se orgulhar”. Menos ainda são os que valorizam a família, a religião e o patriotismo.

Quando não se conhece o complexo legado subjacente à democracia, incluindo a defesa da liberdade individual e do debate aberto, é improvável que se reconheça quando este mesmo legado corre perigo. Se pretendemos salvar nossa civilização livre, temos de conter os esforços da intelectualidade de desacreditar nosso passado e destruir nosso futuro.

Joel Kotkin é coordenador de estudos urbanos na Chapman University e diretor-executivo do Center for Opportunity Urbanism.

© 2019 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês
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