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Usina nuclear na Eslováquia
Usina nuclear na Eslováquia: demonizada pelos ativistas ecológicos, a energia nuclear é uma boa alternativa aos combustíveis fósseis| Foto: BigStock

E se a visão que a maioria das pessoas tem sobre as mudanças climáticas fosse uma análise tendenciosa de dados e informações, fornecidas por políticos e por uma mídia interessada em manchetes caça-cliques? Em seu novo livro, o cientista político e estatístico Bjørn Lomborg contesta o alarmismo que toma conta da discussão há décadas, e afirma: em vez de tentar frear o aquecimento global, o melhor a fazer seria buscar reduzir impactos e se adaptar à situação.

Em 'False Alarm: How Climate Change Panic Costs Us Trillions, Hurts the Poor, and Fails to Fix the Planet' ('Alarme Falso: Como o pânico causado pelas mudanças climáticas prejudica os pobres e falha em salvar o planeta', em tradução livre, sem edição em português), o autor dinamarquês não questiona a existência do problema, mas, sim, a forma que ele tem sido tratado ao longo dos anos por ativistas e políticos. Assim, dedica algumas páginas ao que ele avalia como “interpretações equivocadas de estudos científicos por parte da grande mídia”, que atribuem às mudanças climáticas uma prioridade de resolução maior do que a da fome e da pobreza em países subdesenvolvidos, por exemplo.

De forma didática, Lomborg compara o aquecimento global a diabetes. “Um problema que precisa de cuidados constantes, mas com o qual é possível conviver”, avalia ele. “E enquanto o gerenciamos, podemos viver nossas vidas e enfrentar os muitos outros desafios que, em última análise, serão muito mais importantes no futuro”.

Habituado a polêmicas, o autor moderniza em ‘False Alarm’ alguns argumentos que defende há décadas, rotineiramente desprezados por ativistas climáticos. Em 2001, lançou ‘O Ambientalista Cético’ (541 páginas, Editora Elsevier), obra que foi criticada por grupos como o Greenpeace, ao qual o próprio Lomborg já fez parte. Ali, ele já comprava uma briga polêmica ao afirmar que o aquecimento global não seria o maior problema mundial para o futuro.

Um fato curioso: em uma sessão de autógrafos para o livro, em Oxford, ele foi recebido com uma torta na cara pelo ativista e escritor britânico Mark Lynas, à época um crítico de Lomborg. 10 anos depois, o próprio Lynas se tornou um defensor de algumas das ideias do dinamarquês - como o investimento em tecnologias para reduzir a emissão de dióxido de carbono - e disse, em entrevista ao jornal The Guardian: “o trabalho que ele faz é genuíno e ninguém deve ter uma torta jogada na cara porque desafia o senso comum”.

Copo meio cheio

A solução para o problema das mudanças climáticas vem de forma pragmática no decorrer do livro. Trata-se, primeiramente, de uma mudança de paradigma na forma que a situação é interpretada: a Terra sempre esteve em mudança constante, assim como a vida nela. Portanto, a adaptação dos seres humanos à realidade que se desenha será muito mais efetiva que tentar controlá-la.

Logo, Lomborg refuta o Acordo de Paris. Para ele, o compromisso assinado em 2015 para reduzir a emissão de dióxido de carbono na atmosfera - e, consequentemente, o aquecimento do planeta - teria efeitos mínimos na questão. Mais que isso, seria um tiro no pé: a situação como um todo exigiria um sacrifício, em curto prazo, no PIB da maioria dos países. Principalmente os menos desenvolvidos, que dependem em maioria de combustíveis fósseis para o funcionamento de suas indústrias. Indiretamente, combater o aquecimento global significaria prolongar a desigualdade e atrasar o desenvolvimento de nações menos favorecidas que, diariamente, lutam contra a fome e doenças que matam milhões todos os anos.

A partir desse cenário, o autor estabelece uma outra solução essencial para o problema: ampliar o investimento nas “energias renováveis do amanhã”, como hidrogênio e energia nuclear, que podem ser pensadas em larga escala e são mais baratas atualmente que a energia solar, por exemplo. “Se essas inovações se tornarem acessíveis a preços abaixo dos combustíveis fósseis, todos irão aderir”, avalia.

Os impactos negativos na economia do Acordo de Paris também seriam mais sentidos, avalia Lomborg, que o sucesso em conter as mudanças climáticas. Para limitar o aquecimento global a 1,5°C, sem correr o risco de ultrapassar esse valor, seria necessário reduzir as emissões para 25 a 30 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e) anuais, em média, até 2030. Segundo os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o planeta está a caminho de emitir mais que o dobro desse valor até 2030 (52 a 58 GtCO2e).

Qual seria o preço do sacrifício dos países, caso o Acordo de Paris fosse cumprido? US$ 1 trilhão por ano a menos na economia mundial, estima Lomborg, e mesmo assim sem uma eficácia comprovada: em um cenário de 100% de adesão às medidas, ainda assim as temperaturas permaneceriam subindo acima de 1,5ºC por volta de 2030.

“Esse é um mau negócio para o mundo”, pondera ele, cuja afirmação é corroborada por estudos recentes da Heritage Foundation, que apontou que o Acordo de Paris teria custado às famílias norte-americanas uma perda de renda total média de mais de US$ 20 mil até 2035.

Desafios para o Brasil

Em entrevista à Gazeta do Povo, o autor aproxima a discussão do aquecimento global para o Brasil. “Há muitas metas valiosas que, não necessariamente, chegam às manchetes dos jornais”, afirma ele, que aponta a conservação dos recifes de corais na costa brasileira como uma das prioridades em curto prazo.

Nos últimos 50 anos, o Brasil perdeu 80% dos recifes de corais. Ecossistemas importantes, eles se distribuem por aproximadamente 3 mil km de costa, do Maranhão ao Sul da Bahia, e pela variedade de plantas e animais são considerados o mais diverso habitat marinho do mundo. Justamente por isso, possuem valor econômico fundamental: além de ser fonte de alimento e renda para essas regiões, uma em cada quatro espécies marinhas vive nos recifes, incluindo 65% dos peixes, segundo o Ministério do Meio Ambiente.

“Conter o avanço dessa degradação é um desafio, mas a perspectiva é de retorno sobre o investimento: desacelerar a perda de recife de corais em 50%, atualmente, traria um retorno de R$ 24 para cada real investido”, diz Lomborg. A avaliação é do instituto Copenhagen Consensus, coordenado pelo próprio autor.

O papel do Brasil e outros países do BRIC para os próximos anos, avalia, deve ser reduzir o estímulo ao consumo de combustíveis fósseis, mas de forma gradual. Paralelamente, Lomborg acredita que o investimento na pesquisa de energias renováveis é uma forma de manter o crescimento desses países em desenvolvimento, justamente pela dependência de formas de energia com maior emissão de dióxido de carbono.

“O mundo gasta mais de US$ 500 bilhões por ano com subsídios a combustíveis fósseis. É um valor que esgota orçamentos já sobrecarregados, que poderiam ser utilizados em serviços como saúde e educação, mas acabam incentivando mais emissões”, reflete.

Menos alarmismo e mais sensatez

Ao longo do livro, Lomborg faz uma constatação óbvia, mas perspicaz: a história da humanidade, ao longo dos séculos, foi feita de adaptações e populações que sobreviveram em locais cujo clima exigia uma mudança em suas vidas. Logo, qualquer projeção do impacto do aquecimento global sobre a sociedade deveria levar isso em conta para ser realista.

Com isso em mente, o autor afirma que, sim, as ondas de calor em países no Hemisfério Norte passarão a ocorrer com mais frequência nos próximos anos; os furacões podem adquirir potencial mais destrutivo com climas mais extremos; e o nível da água pode subir mais em regiões costeiras. Todas essas consequências, porém, podem ser menos negativas em um mundo que esteja preparado para isso, com os investimentos corretos em tecnologia e que pense, em médio prazo, formas de reduzir a emissão de CO2 sem colocar em xeque todo o desenvolvimento econômico mundial para os próximos anos. A mensagem final de ‘False Alarm’ faz jus ao título: Lomborg pede menos alarmismo e mais sensatez.

“Ninguém clica em um link escrito ‘A vida no futuro será muito parecida com a de agora, mas poderá ser mais desafiadora em alguns aspectos’”, ironiza o autor. “O que nós lemos é, nas palavras de uma manchete recente do New York Post: ‘Mudanças climáticas podem acabar com a raça humana até 2050: um relatório”.

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