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Com o lançamento da Libra, moeda própria do Facebook, criptomoedas como o Bitcoin ganham força e popularidade - e preocupam Estados e autoridades.
Com o lançamento da Libra, moeda própria do Facebook, criptomoedas como o Bitcoin ganham força e popularidade – e preocupam Estados e autoridades.| Foto: Pixabay

A mais recente valorização do Bitcoin e o anúncio da criação, pelo Facebook, de uma moeda virtual própria, a Libra, trouxe as criptomoedas novamente para os holofotes. Contudo, como toda tecnologia recente e apontada como revolucionária, as criptomoedas, entre as quais está o Bitcoin, geram uma desconfiança natural.

Atualmente, existem mais de 5 mil  criptomoedas. O Bitcoin responde por mais da metade deste mercado, enquanto vinte outras criptomoedas correspondem a cerca de um terço de todo o montante de valor do mercado de criptomoedas. As mais famosas são a Ethereum, o Bitcoin Cash, a Litecoin, a Ripple e a Dash. Cada uma dessas criptomoedas funciona de forma diferente e possui características próprias.

As criptomoedas estão reinventando a forma como se faz transações financeiras. Em linhas gerais, o Bitcoin é uma forma de “dinheiro” digital que não é emitida por nenhum governo e que não está submetida a nenhuma autoridade central. O valor da moeda é determinado pelas transações do mercado. Negociações envolvendo Bitcoin são online, rápidas, mais baratas e seguras. E é justamente pela falta de controle estatal sobre os criptoativos que as criptomoedas são apreciadas por grupos libertários.

O mundo acadêmico ainda debate se o Bitcoin é uma moeda, ativo ou commodity, uma vez que, juridicamente, ele não pode ser considerado uma moeda. Adeodato Netto, especialista em Mercado de Capitais e Estrategista-Chefe da Eleven Financial Research considera que “o aspecto transacional e de circulação [do Bitcoin] até agora não tem comportamento minimamente similar ao de uma moeda”. Ele a vê “mais como um serviço”. Além disso, a maioria dos ativos financeiros, como ações de empresas ou commodities, está correlacionada ao desempenho de outros mercados, o que não ocorre com o Bitcoin. Assim, ele possui características de commodities, mas traz como inovação a reprodução da escassez para o mundo digital, estando atrelado a um lastro matemático, como explico abaixo.

Vantagens do Bitcoin: seguro, barato e rápido

Como escreve Fernando Ulrich no livro Bitcoin, a Moeda na Era digital (LVM Editora), da mesma forma que o e-mail mudou a forma como nos comunicamos, o Bitcoin mudará a forma como lidamos com o dinheiro. Isto é, as duas tecnologias eliminam intermediários. Assim como e-mail diminuiu a necessidade do carteiro, o Bitcoin diminuirá a necessidade das instituições financeiras.

Hoje analista-chefe da XDEX, Ulrich defende que o Bitcoin simula diversas características desejáveis a qualquer moeda: é escassa, divisível, portátil e incorpórea. Dessa forma, ela possibilita transferência de propriedade independentemente de onde você estiver, a um custo virtualmente nulo e sem intermediários. Com taxas de transação muito mais baixas do que em outras modalidades financeiras, segurança e proteção contra fraude, além de celeridade e privacidade, o Bitcoin é um sistema de pagamentos global descentralizado com potencial ainda inexplorado.

O Bitcoin funciona com o uso de duas chaves que ficam de posse do usuário. Uma delas é privada - só o usuário tem acesso. A outra é pública, e precisa ser compartilhada com outro usuário para que se possa realizar transações, como se a chave pública fosse o número da conta para realizar um depósito. Cada transação realizada gera um código registrado e exposto no blockchain, uma tecnologia que visa dar segurança a partir da descentralização. Grosso modo, o blockchain funciona como um grande banco de dados público que contém o histórico de todas as transações já realizadas, o que permite que elas sejam submetidas a auditorias. A criptografia garante que todos os computadores da rede tenham um registro constantemente atualizado e que as transações da rede Bitcoin sejam verificadas, o que evita fraudes no sistema.

Para verificarem as transações e manterem a segurança da rede, alguns usuários são remunerados com bitcoins recém-criados. Eles são os chamados “mineradores”: os responsáveis pelo processo de validação do registro das transações, incentivando a segurança do sistema do Bitcoin. A mineração é feita mediante um processo matemático gradualmente mais complexo. Deste modo, o ritmo de mineração desses bitcoins tende a cair.

Satoshi Nakamoto é o pseudônimo utilizado pela pessoa ou grupo de pessoas que criaram o Bitcoin. Ele foi exposto em um fórum de discussões na internet e a identidade é desconhecida. Ele definiu arbitrariamente a quantia possível de 21 milhões de bitcoins para simular escassez e reproduzí-la no ambiente digital, simulando uma commodity escassa e que precisa ser minerada. Estima-se que o processo de mineração desses Bitcoins demore até 2140 para se esgotar. Após esse esgotamento, a remuneração será feita  por meio de taxas de serviços. O lastro matemático é uma característica que reproduz o comportamento de uma moeda deflacionária, isto é, que não será depreciada por um agente externo - como um Banco Central - ao longo do tempo. É por causa dessas características que Franco e Bazan afirmam que “as criptomoedas são capazes de resolver problemas atuais e tradicionais do dinheiro fiduciário (como o real ou o dólar), funcionando de forma mais eficiente e controlada”.

Qualquer nova transação é verificada por meio de blockchain para assegurar que o usuário não tente burlar o sistema. O valor da moeda não está atrelado a nenhuma commodity, tampouco está sujeito a decreto governamental ou instabilidade política. Tudo se baseia na confiança no uso e execução desta tecnologia.

A criação e desenvolvimento das criptomoedas só foram possíveis com o crescimento da Internet. Mas há três fatores principais apontados para impulsionar seu desenvolvimento: a instabilidade do sistema financeiro em meio a Crise do Subprime, em 2008, o elevado nível de intervenção estatal no sistema bancário e a crescente perda de privacidade financeira.

Recentemente, o Facebook lançou a Libra, sua própria criptomoeda, que já nasce com um potencial dos mais de dois bilhões de usuários que compõem atualmente a rede social. Ao contrário do Bitcoin, porém, a estrutura da Libra é centralizada. Para Richard Rytenband, fundador da Convex Research, a Libra “pode motivar o debate em relação à emissão de moedas privadas e o monopólio monetário estatal”.

Criptomoedas não devem ser vistas como um substituto das moedas

Muitos analistas do mercado financeiro têm ressalvas com as criptomoedas por elas ainda não terem aplicações e utilizações mais comuns no dia a dia. Elas ainda são muito utilizadas como reserva de valor, sem grande adoção em comércio e transações menores por conta disso. Porém, há novidades animadoras nesse sentido.

Adeodato considera que as exchanges (corretoras de criptomoedas) que operarem com transparência poderão cumprir um papel transformador neste setor, popularizando a utilização de criptomoedas.

Isso porque, para a utilização de cartões de crédito e débito, é necessário que comerciantes contratarem uma administradora de cartões e arquem com suas despesas. Eventualmente há problemas, como consumidores que pedem estorno fraudulento e sistemas que ficam fora do ar. Além disso, a principal desvantagem dos cartões é a cobrança de taxas que acabam sendo repassadas aos consumidores. Com bitcoins, os custos das transações são menores e há mais celeridade no pagamento a empreendedores, o que facilita o planejamento contábil e o fluxo de caixa das empresas.

Volatilidade do Bitcoin gera debate sobre bolhas financeiras

O Bitcoin é muito volátil, com grandes valorizações e desvalorizações em intervalos curtos de tempo. Em 2019, por exemplo, o Bitcoin teve uma valorização superior a 150%.

A volatilidade do Bitcoin, bem como a ideia de que é um ativo desprovido de lastro, segere que a criptomoeda seja uma mera bolha especulativa. Como há milhares de criptomoedas, todas independentes entre si e com características diferentes, é possível que muitas delas sejam mesmo especulação ou fraudes, com estruturas que possibilitem inclusive a formação de pirâmides financeiras.

Segundo levantamento da empresa de segurança cibernética CipherTrace, as perdas de criptomoedas por roubo e atividades relacionadas a fraudes em 2018 totalizaram US$ 1,7 bilhão.

Na avaliação de Dave Jevans, presidente-executivo da empresa, “o crime com criptomoedas aumentou porque as regulamentações ainda são pouco aplicadas. A Europa ainda não implementou suas regulamentações e a comunidade de criminosos cibernéticos continua a crescer".

Na avaliação de Ulrich, o lastro não é uma necessidade teórica de uma moeda, apenas “uma tecnicalidade empírica cuja principal função foi a de servir como restrição às práticas imprudentes de banqueiros e a eventuais investidas inflacionistas de Bancos Centrais no gerenciamento da moeda”.

Bolha financeira é a valoração de ativos sem justificativa fundamental. A recente valorização de 40% do Bitcoin em poucos dias quer dizer que ele seja uma bolha, embora possa indicar que não há razões que justifiquem uma alta tão grande. Na visão de Rytenband, por exemplo, não há como determinar precisamente uma causa para a alta. “Em sistemas complexos, como é o caso das criptomoedas, não temos como determinar com precisão as relações de causa e efeito”, diz.

No mercado de ações, as bolhas são identificadas por meio da análise de indicadores da empresa, projeção do fluxo de caixas futuros e  se o preço das ações está em descompasso com o que seria esperado naquele determinado segmento de mercado. Um exemplo foi na Bolha da Internet, nos anos 1990. O caso mais emblemático foi o das ações do mecanismo de busca Yahoo, que, um ano antes de a bolha estourar, valia US$ 96 bilhões, com um lucro de apenas US$ 61 milhões.

Mas a análise de bolhas de criptomoedas é dificultada por suas próprias peculiaridades. Ao longo de sua história, o Bitcoin apresentou diversos picos de preço e ajustes, isto é, houve várias bolhas seguidas por ajustes. E a falta de liquidez é natural para uma tecnologia nova, que o mundo ainda está aprendendo a usar.

Atividades ilícitas com uso do Bitcoin

São comuns histórias de uso de critpomoedas, em especial o Bitcoin, para finalidades ilícitas, como tráfico, financiamento de organizações criminosas e lavagem de dinheiro. Segundo Ulrich, os temores têm fundamento porque, assim como o dinheiro em espécie e as moedas tradicionais, as criptomoedas “podem ser usadas tanto para o bem quanto para o mal”.

No caso específico do Bitcoin, o sistema fornece um registro público de todas as transações. O blockchain faz com que os registros de transações fiquem públicos e acessíveis a autoridades, anos depois de as transações terem sido realizadas. Assim, a rede pode se tornar menos atrativa para criminosos, na avaliação do economista.

Na visão de Carlos Henrique Barbosa, mestre em Corrupção e Governança pela Universidade de Sussex, como as criptomoedas são novidade, é difícil para um doleiro movimentar o volume financeiro necessário para que a atividade seja rentável sem ser percebido. À medida que que o uso de criptomoedas se tornar  algo mais recorrente, os riscos de se lavar dinheiro  por meio dela também aumentam: “A lógica da lavagem de dinheiro é sempre parecer o mais comum possível”, afirma.

Regulação de criptomoedas

Desde 2015 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei do deputado federal Aureo Ribeiro (SD-RJ) para regulamentar as moedas eletrônicas. O mesmo deputado apresentou, em abril deste ano, novo projeto sobre o assunto, o PL 2060/2019.

A proposta tem como finalidade criar um ambiente “em que os elementos positivos da tecnologia do blockchain sirvam a fomentar a higidez e a transparência do Sistema Financeiro Nacional e ao mesmo tempo às necessidades da economia e aos anseios da população”.

Na avaliação de Rodrigo Borges, advogado, coordenador do curso de blockchain do Insper e autor de Criptomoedas no Cenário Internacional: Qual a Posição de Bancos Centrais, Governos e Autoridades?”, as discussões sobre a regulação do mercado de criptoativos têm ocorrido em diversos países do mundo, sobretudo a partir de 2017. “Entendo que uma regulação deva ser precedida por um amplo debate, a fim de evitar que eventuais novas regras possam dificultar o desenvolvimento [das criptomoedas]. Da mesma forma, penso que não devemos regular a tecnologia em si, mas apenas o seu entorno, o mercado, a fim de proteger investidores, consumidores e empreendedores”, diz.

Em relação ao PL 2060/19, ele avalia que há uma evolução em relação ao PL 2303/15 apresentado anteriormente. “Isso mostra que os parlamentares estão acompanhando as evoluções e desenvolvimento do mercado. Mas entendo que alguns pontos ainda podem ser aprimorados, como as definições de criptoativos e exchanges, além de outras questões pontuais”.

Para o analista de relações governamentais da Atlas Quantum Matheus Héctor, o grande desafio para a regulamentação dos criptoativos é encontrar um marco legal que garanta a segurança jurídica ao setor, mas não asfixie a inovação. "Atualmente, fundos de investimentos só podem investir em criptoativos no exterior, preterindo empresas brasileiras", explica. Apesar disso, ele manifesta otimismo em relação à regulamentação. "Na audiência pública realizada recentemente no Senado, o parlamentar Arolde Oliveira (PSD-RJ) afirmou positivamente que o BlockChain apresenta avanços irreversíveis", diz.

Nas próximas semanas deve ser instalada uma Comissão Especial no Congresso para debater o projeto e dar os encaminhamentos possíveis.

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