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Índice de produtividade do brasileiro caiu de 69%, em 1996, para 48% em 2014.
Índice de produtividade do brasileiro caiu de 69%, em 1996, para 48% em 2014.| Foto: Pixabay

O mundo nunca trabalhou tão pouco. Um levantamento recente mostra que a quantidade de horas trabalhadas por uma pessoa ao longo do ano diminuiu nas últimas seis décadas – em alguns países os índices caíram quase pela metade. Para se ter uma ideia, no Brasil as pessoas trabalhavam em média 2145 horas por ano em 1970. Em 2014, este número caiu para 1711 horas trabalhadas no ano.

Um levantamento da Universidade de Groningen, na Holanda, analisou os níveis de produtividade de diversos países desde 1950. Nos Estados Unidos, em 1950, uma pessoa trabalhava 1983 horas por ano; em 2014, o volume foi de 1764 horas. No Reino Unido, o índice passou de 2185 horas em 1950 para 1675 horas em 2014. Uma das maiores mudanças é na Alemanha: em 1950, o total era de 2427 horas; em 2014, o número chegou a 1371 horas.

Nos Estados Unidos, as horas trabalhadas vêm caindo consistentemente a uma taxa de quase 0,5% ao ano, de acordo com o portal de análises políticas VoxEU. As mudanças tecnológicas aumentaram a produtividade e, como resultado, as pessoas passaram a trabalhar menos. Na França e na Alemanha, as horas caem a uma taxa anual média de cerca de 1%.

"Se tivermos a sorte de ver a produtividade continuar melhorando no futuro, novas reduções na carga horária no mercado de trabalho não são apenas esperadas, mas também são algo positivo", diz o economista Per Krusell, professor de economia na Universidade de Estocolmo e autor da análise da VoxEU.

Brasil na contramão

Por outro lado, hoje a produtividade do trabalhador brasileiro é pior do que em 1994: os indicadores se mantêm como em décadas passadas e o resultado é menos dinheiro para o trabalhador. A conclusão é de um estudo que analisou dados nacionais e internacionais sobre produtividade, realizado pelo Insper em parceria com a consultoria Oliver Wyman.

Entre 1996 e 2010, o índice que mede a produtividade, chamado de PTF (produtividade total dos fatores), caiu de forma acentuada em comparação com o resultado americano, saindo de 69%, em 1996, para 48% em 2014. Em 1970, os brasileiros trabalhavam em média 2145 horas por ano, em comparação com 1711 horas em 2014.

Já o relatório “Panorama Brasil” mostra que, no final dos anos 1990, essa queda foi acompanhada pelos países emergentes e da América Latina. A partir daí, no início dos anos 2000, os países emergentes e da América Latina seguiram uma trajetória ascendente, enquanto o Brasil continuou registrando níveis cada vez piores de produtividade - mesmo que o número de horas trabalhadas seja semelhante ao de países com melhores índices de produtividade. Em 2014, por exemplo, a média anual brasileira foi de 1711 horas anuais trabalhadas, segundo o Federal Reserve de  St. Louis. Já de acordo com a OCDE, a média brasileira foi de 1763 horas trabalhadas por ano - números próximos dos de países como Canadá (1703 horas), Itália (1719 horas) e EUA (1789 horas).

"Nossa capacidade de transformar trabalho em renda vem caindo há muito tempo. Não é um problema de um ou dois governos; é um problema do país há décadas. Desde 2011, esse problema vem se agravando. Ameaçamos uma recuperação da produtividade a partir de 2002 e 2003, mas depois de 2010 fizemos alguma coisa muito errada e nossa produtividade voltou a cair em relação ao resto do mundo", diz Marcos Lisboa, presidente do Insper.

Vários fatores estão por trás da baixa produtividade da economia brasileira. Entre eles, estão os baixos índices de inovação das empresas, as carências de infraestrutura e um ambiente de negócios marcado por muita burocracia e pouca segurança em relação às regras do jogo. Mas o maior desafio está na educação.

"Para produzir mais e com mais qualidade lá na frente, o jovem que hoje está na escola precisará inovar. Mas ele não conseguirá fazer isso sem uma educação consistente", diz Wilson Risolia, líder da Falconi Educação, braço da consultoria de produtividade Falconi. "Se não desarmar essa armadilha, o país nunca conseguirá crescer de forma sustentada. Em algum momento, sempre vai esbarrar nesse gargalo de mão de obra, nessa baixa capacidade de inovação".

Evolução e regressão

Após a Segunda Guerra Mundial, a produtividade do trabalho quase quadruplicou, assim como a produção e o consumo. As melhorias são um fator-chave: quanto menos horas de trabalho, maior a produtividade. A tendência também está correlacionada a salários mais altos: trabalhando menos pelo mesmo salário, o ganho por hora trabalhada é maior. Produtividade alta, portanto, é um sinal de bem-estar.

Maior produtividade também significa maior PIB (Produto Interno Produto) per capita por hora. A Alemanha, que tem o menor número de horas por trabalhador por ano (1356 horas, segundo dados da OCDE), produz US$ 60,40 do PIB por trabalhador-hora. O Reino Unido, com 1681 horas anuais por trabalhador, produz US$ 48,30. Considerando esta média, um trabalhador alemão poderia voltar para casa durante uma tarde de quinta-feira e ainda produzir tanto quanto um britânico que continuou trabalhando até sexta-feira.

Enquanto isso, o Brasil pouco avançou em sua produção por trabalhador nas últimas duas décadas: passou de US$25 mil, em 1994, para US$30 mil em 2016, registrando um crescimento de apenas 19% em mais de 20 anos. Relativamente à produção por trabalhador dos Estados Unidos, estamos em um patamar pior do que estávamos na década de 1990, já que o crescimento do PIB por trabalhador americano registrou crescimento de 48% no período estudado.

"Analisando os itens que compõem a produtividade, nos momentos bons que tivemos fomos um pouco melhores do que outros países, mas nos momentos ruins fomos muito piores. E por isso precisamos olhar para os problemas e tentar resolvê-los. Vamos pensar os problemas brasileiros, encarando-os de frente, para mudar essa situação que nos caracterizou nos últimos anos", disse a coordenadora do relatório "Panorama Brasil", Ana Carla Abrão, da consultoria Oliver Wyman.

Processo histórico

A carga horária de trabalho como conhecemos hoje foi implementada em 1914, quando Henry Ford, após dois anos de pesquisas em produtividade, dobrou os salários dos operários e reduziu os turnos nas fábricas da Ford para oito horas por dia - até então, as jornadas de trabalho duravam até 16 horas.

Inicialmente, a Ford foi criticada pela mudança, mas nos cinco anos seguintes a produção disparou e os concorrentes passaram a adotar o mesmo modelo. Ao diminuir as horas, as empresas viram também uma redução nas baixas dos operários, menos erros de produção, menos equipamentos danificados e menos ações judiciais.

Carga horária em xeque

Hoje, a jornada de trabalho está cada vez mais flexível e ressurge a crença de que mais horas de trabalho levam uma vida profissional mais produtiva - o bilionário Elon Musk, por exemplo, diz trabalhar até 120 horas por semana. Mas um estudo da Universidade de Stanford desmascara essa crença.

Uma pesquisa conduzida pelo professor de economia John Pencavel mostra que a produtividade por hora diminui drasticamente quando uma pessoa trabalha mais de 50 horas por semana. Após 55 horas, a produtividade cai tanto que acrescentar mais horas não faria diferença para o volume produzido. Além disso, quem trabalha até 70 horas por semana produz a mesma quantidade de trabalho que aqueles que trabalham 55 horas.

"Houve várias experiências no século XIX, com um número diferente de horas de jornada de trabalho, e depois os efeitos foram examinados", diz Pencavel. "Houve um exemplo famoso na década de 1890, quando o dono de uma fundição em Manchester e o sindicato local fizeram um acordo para reduzir a jornada de 54 horas para 48 horas por semana. O efeito na produção foi pouco e, depois de tentar durante um ano, os dois lados concordaram que a mudança deveria ser permanente", conta o pesquisador.

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