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Senhora recebe dose da Coronavac em abril de 2021 no Rio de Janeiro.
Senhora recebe dose da Coronavac em abril de 2021 no Rio de Janeiro.| Foto: EFE/Antonio Lacerda

Na próxima semana entra em vigor a portaria 913/2022 do Ministério da Saúde, que oficializa o fim do estado de emergência de saúde por conta da pandemia de Covid-19. Com a medida, vem também o prazo de um ano para que a vacina Coronavac, da farmacêutica chinesa Sinovac, produzida no Brasil com auxílio do Instituto Butantan, apresente os seus resultados da fase três de desenvolvimento. Essa fase é uma etapa derradeira da pesquisa que envolve o teste do produto em milhares de pessoas. Os fabricantes devem fornecer esses dados, que estariam em análise pela Sinovac, à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O Instituto Butantan declara que não é necessário que os dados finais da Coronavac estejam em um artigo revisto por pares, como é prática comum em publicações científicas envolvendo análise por outros pesquisadores não envolvidos na produção. De todas as vacinas utilizadas no Brasil para Covid, a Coronavac é a única que ainda não tem uma aprovação completa para além da autorização emergencial de uso. Como não haverá mais emergência oficial, a autorização agora tem prazo de validade.

Todas as vacinas funcionam ensinando o sistema imunológico do organismo humano a reconhecer o vírus invasor. Enquanto vacinas como a da Pfizer e da Moderna utilizam uma tecnologia que dá uma instrução molecular às células (o mRNA) para fabricar a parte do vírus a ser reconhecida, a Coronavac é baseada na tecnologia mais antiga de inativar com drogas o vírus e apresentá-lo por completo às defesas imunológicas. As vacinas da AstraZeneca e da Janssen utilizam a tecnologia do vetor viral, em que a instrução é veiculada por outro vírus que não é o que causa a Covid-19.

Exigências da Anvisa

A Anvisa informa em nota oficial de 14 de abril que a Coronavac não está aprovada para crianças de três a cinco anos por insuficiência de dados que justifiquem essa recomendação no contexto atual da pandemia. A nota é uma recusa condicional a um pedido do Instituto Butantan para inocular essa faixa etária. A agência pede especificamente que os fabricantes mostrem qual proteção essa vacina confere nessa faixa etária, especialmente em face à predominância da variante ômicron do vírus. Também exige, para todas as faixas etárias infantis, um estudo clínico da proteção conferida e da segurança da terceira dose.

O documento da Anvisa expressa pessimismo quanto à eficácia da Coronavac: “a baixa proteção inicial, de apenas 38,2%, demonstrada contra as formas gerais de Covid-19 é indicativa de que a vacina não fornecerá proteção contra a infecção e/ou disseminação (...) em crianças vacinadas com Coronavac em um cenário de predominância da variante Omicron”.

A Coronavac é sustentada por dois artigos pré-prelo (ainda sem revisão por pares). O mais antigo é de abril de 2021 e tem primeira autoria de Ricardo Palacios, ex-diretor de ensaios clínicos do Butantan. Com base em quase 10 mil participantes, ele mostra uma eficácia de 50,7% contra a Covid sintomática, e de até 100% contra casos severos, informação bastante alardeada na imprensa na época. O outro pré-prelo, de Otavio Ranzani (da Universidade Pompeu Fabra em Barcelona, Espanha) e colaboradores, já trabalhando no contexto da ômicron entre setembro de 2021 e março de 2022, é mais desanimador para a Coronavac: em vez de 100% para casos graves, a eficácia é de 57% após 180 dias desde a segunda dose e de apenas 14,8% três meses após a dose de reforço. Contra a Covid sintomática em geral, a eficácia foi de apenas 8%. A Anvisa comenta esses resultados na carta de rejeição do pedido do Butantan para aprovação da vacina para crianças de três a cinco anos.

Mais estudos

Ranzani também é primeiro autor de um artigo publicado no British Medical Journal envolvendo mais de 43 mil idosos paulistas que mostra menos de 25% de eficácia da Coronavac contra Covid sintomática nessa população, além de 55% contra hospitalização e 61,2% contra morte.

Além de complicar o uso da Coronavac, a variante ômicron, que carrega muitas mudanças na “chave” do mecanismo molecular de chave e fechadura que permite que o vírus entre nas células humanas, também driblou a proteção conferida pela vacina da Pfizer: em um grande estudo do estado de Nova York ainda não revisto por pares, a eficácia em crianças foi de apenas 12%. O estudo envolveu mais de 365 mil crianças. Os pesquisadores acreditam que parte desse resultado advém da diluição da dose para menores de 12 anos.

Junto a dois colaboradores em carta publicada no Journal of Medical Virology, o italiano Giuseppe Lippi, da Seção de Bioquímica Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de Verona, publicou conclusões a respeito da eficácia contra a ômicron das vacinas da Pfizer, AstraZeneca, Janssen e Coronavac. Lippi e colegas fizeram uma ampla busca de estudos publicados sobre a neutralização do vírus por anticorpos adquiridos após a inoculação e peneiraram 14 de 52 estudos que respeitaram seus critérios. Eles concluem que, comparada à neutralização de variantes anteriores do vírus, a neutralização da variante ômicron diminuiu em:

  • 15 a 127 vezes para a vacina da Pfizer;
  • 13 a 36 vezes para a AstraZeneca;
  • 2 a 4 vezes para a Coronavac, porém isso tem base em apenas um estudo. Em outro estudo incluído por Lippi, a Coronavac mostrou-se incapaz de produzir anticorpos neutralizantes contra a ômicron.

Nenhuma neutralização foi observada para a vacina da Janssen.

A Coronavac é usada em 56 países e tem 15 estudos de fase três registrados na base de ensaios clínicos do governo americano. Além do Brasil, pacientes do Chile, Indonésia, Filipinas e Turquia estiveram envolvidos nesses estudos. Milhões de doses encontram-se armazenadas no Brasil, um milhão delas no estado de São Paulo.

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