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Wang Lee, da província de Jiangsu,  arrumando sua mudança após ter sido despejada do pequeno apertamento de container onde vivia, em 5 de dezembro. | BRYAN DENTONNYT
Wang Lee, da província de Jiangsu,  arrumando sua mudança após ter sido despejada do pequeno apertamento de container onde vivia, em 5 de dezembro.| Foto: BRYAN DENTONNYT

Com habilidades de codificação, diploma estrangeiro, inglês fluente e um apartamento onde mal cabiam sua máquina de café expresso e dois gatos, Si Ruomu pensou que era o tipo de jovem trabalhador de tecnologia ambicioso que Pequim precisava para prosperar no século XXI. 

Isso foi antes de a polícia chegar a seu prédio e mandar que ele e outras centenas de moradores abandonassem o lugar em 48 horas. Como a maioria, Si veio do interior da China para encontrar trabalho na capital, que com frequência trata os migrantes virtualmente como cidadãos de segunda classe. 

"Uma hora você está tomando expressos e na outra está sendo despejado. Estou começando a questionar se pessoas como eu têm futuro em Pequim", disse Si, de 28 anos, programador que cresceu no norte da China e estudou Ciências da Computação na Nova Zelândia. 

Enquanto Pequim lança sua campanha mais agressiva para se livrar de migrantes indesejados, o peso da repressão caiu sobre as pessoas vindas do campo. Mas também prejudicou outro tipo de migrante: os trabalhadores de colarinho branco educados e ambiciosos atraídos pela nova economia das indústrias de tecnologia, finanças e hospitalidade da cidade.

Pequim é uma capital cultural, tecnológica e comercial, assim como política, e os cortiços dos arredores da cidade abrigam dezenas de milhares de jovens universitários esperançosos, que se mudaram para cá em busca de empregos e vidas melhores.

Esses candidatos a vagas são tratados como migrantes na capital de seu próprio país porque as maiores cidades da China, especialmente Pequim, são fortalezas dos privilégios oficiais. O governo dá aos moradores com permissão de residência permanente, chamada hukou, acesso mais generoso à moradia, escolas e cuidados com a saúde. Mas os migrantes precisam pagar mais por vários serviços, e muitos vivem nas margens de Pequim, onde os aluguéis são mais baratos. 

Agora, regiões inteiras desses bairros foram esvaziadas e, em vários casos, reduzidas a escombros, à medida que as autoridades condenam os prédios como inseguros ou ilegais e ordenam que os moradores saiam. 

Uma mulher tem que deixar a casa onde vive no  subúrbio de Pequim , em 3 de dezembro.BRYAN DENTONNYT

Os impactos no setor de tecnologia

Essa atitude tem causado debate sobre como Pequim pode funcionar sem os migrantes que trabalham como cozinheiros, limpadores e vendedores, mas também existe uma preocupação de que a campanha possa prejudicar o setor de tecnologia, que vem crescendo rapidamente na cidade e emprega exércitos de migrantes por salários relativamente baixos. 

"É possível encontrar essa nova classe de excluídos em quase todos os setores e negócios da cidade, incluindo fabricação de produtos e tecnologia da informação", afirma Wu Qiang, pesquisador de Pequim que escreveu sobre as expulsões. "O crescimento de uma força de trabalho marginalizada e desprotegida é um fenômeno global, mas na China ela é encontrada principalmente nas chamadas vilas das cidades onde os migrantes vivem."

Quando as autoridades chegam com as ordens de despejo, vários dos migrantes procuram casas novas e mais seguras, mesmo que sejam mais distantes do centro da cidade. Outros dizem que vão abandonar Pequim para procurar empregos em outros lugares. 

"Isso com certeza mudou minha impressão desta cidade. Eu realmente não quero ficar em Pequim", afirmou Zhang Mi, de 25 anos, desenvolvedor de aplicativos de internet de Hebei, a província que cerca a capital, enquanto colocava suas malas em uma van depois de ter sido despejado.

A maioria dos migrantes de Pequim são trabalhadores manuais, mas um número cada vez maior deles possui diploma universitário – quase 30%, segundo um estudo de 2015. Outra pesquisa descobriu que os setores de software e tecnologia da cidade empregam cerca de 246 mil migrantes. 

"Para jovens trabalhadores de tecnologia como eu, realmente não há opção. Apenas as cidades maiores, como Pequim, possuem mais oportunidades", explica Hu Xianyu, de 22 anos, estagiário do Baidu, o gigante de buscas da internet, que se mudou da província de Shanxi, ao norte, para Pequim e foi despejado de seu apartamento no mês passado.

"Trabalhadores de tecnologia das empresas maiores podem conseguir ajuda de seus empregadores. Mas para aqueles empregados em companhias pequenas ou startups, os despejos podem ser desastrosos", diz ele. 

Trabalhadores migrantes em geral reagem às ordens de despejo com uma resignação raivosa. Mas surgiram alguns pequenos confrontos, e o maior e mais organizado protesto aconteceu em 10 de dezembro quando centenas de pessoas de um bairro agendado para a limpeza no noroeste de Pequim se reuniram e gritaram "despejos violentos violam os direitos humanos".

Os efeitos da repressão são evidentes no crescente setor de comércio eletrônico de Pequim, que conta com uma legião de entregadores – quase todos migrantes – para fazer a entrega dos pacotes e das refeições usando bicicletas elétricas. 

Em novembro, cinco empresas de entrega avisaram que poderia haver atrasos por causa das expulsões. 

Gan Wei, secretária geral da Aliança da Logística da Indústria do Comércio Eletrônico da China, diz que as empresas representadas por seu grupo teriam que aumentar os preços de entrega em Pequim em cerca de 20%. 

"Por que a comida para viagem é tão barata em Pequim? Por causa de todos os trabalhadores baratos vindos do campo", afirma Kia Dayong, de 43 anos, entregador da província de Shaanxi, no noroeste, despejado da Vila de Banjieta, um bairro de migrantes ao norte de Pequim.

"Ninguém liga se temos um lugar para morar", afirma ele. 

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Contexto

A cidade começou a campanha de despejos no final de novembro, citando preocupações com moradias lotadas e de baixa qualidade, depois que um incêndio em um apartamento matou 19 pessoas, todas, menos duas, migrantes. 

O governo diz que a população de 21,7 milhões de moradores, 8,1 deles migrantes, colocou muita pressão na cidade. Incentivada pelo presidente Xi Jinping, Pequim quer manter sua população em 23 milhões até 2020 e limpar bairros periféricos que não se encaixam em suas aspirações de se tornar uma capital nova com monumentos, shoppings e estradas amplas. 

"Se continuarmos limpando desse modo, Pequim vai sofrer com uma falta de trabalhadores no ano que vem", afirma Wang Lee, de 29 anos, gerente de hotel vinda da província de Jiangsu, ao leste. 

Ela foi uma das 100 inquilinas – a maior parte trabalhando em finanças, tecnologia e hospitalidade – que moravam em containers de aço convertidos em pequenos apartamentos e pintados de cores brilhantes. Eles estavam sendo destruídos por ordem do governo. 

Em uma tentativa de diminuir o fluxo de pessoas procurando emprego, Pequim cortou o número de graduados na universidade vindos de outras partes da China que recebem as permissões hukou, que conferem status privilegiado e benefícios. Mas eles continuam chegando. 

Sem residência permanente, são forçados a viver de maneira precária. Tentando economizar, vários encontram apartamentos baratos nos mesmos bairros degradados que os migrantes que trabalham nas tarefas mais simples. 

"Mesmo que a indústria na qual eu trabalho seja de alto-nível, no que diz respeito ao governo, sou um camponês, um trabalhador migrante", explica Zhang Xingwang, de 24 anos, que estudou Automação na faculdade e veio da província de Hebei para Pequim em busca de emprego como programador de software. 

Ele precisou encontrar outra moradia depois que seu velho apartamento, que ficava perto de onde houve o incêndio em novembro, foi demolido. "Achei que Pequim seria relativamente justa e tolerante, e que o governo se comportaria melhor. Mas depois do que aconteceu..."

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