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Há mais de seis anos o canal faz o público rir defendendo valores contrários aos dos progressistas. E pagam um preço por isso.
Há mais de seis anos o canal faz o público rir defendendo valores contrários aos dos progressistas. E pagam um preço por isso.| Foto: Reprodução/ YouTube

É possível fazer humor conservador? Criticar a defesa do aborto, a ideologia de gênero e os partidos de esquerda, e fazer as pessoas rirem? Há seis anos e meio, o Canal Hipócritas trabalha para responder que sim, com produções contundentes. Em seu vídeo mais recente, A Festa do Impeachment de Bolsonaro, o grupo apresenta a porta de uma boate e um cidadão comum tentando entrar.

O porteiro pergunta se ele está na lista, e começa então a descrever os convidados. “Anitta, Black Lives Matter (‘aquele grupo que espanca pessoas e destrói patrimônio público em nome da democracia’), Gilmar Mendes (‘aquele que solta bandido’), Gregório Duvivier (‘ele já chegou a trouxe maconha para todo mundo’), Guilherme Boulos (‘já tinha invadido antes de eu chegar’), Felipe Neto (‘ele botou o ministro Alexandre Morais numa banheira de Nutella e estão discutindo Paulo Freire’), feministas que matam criança no ventre da mãe, Partido Comunista Chinês, PT, PCC”. No final, o convidado acaba conseguindo entrar. Perde o celular. O porteiro recomenda: “Procura na mesa do Luís Inácio”.

O grupo é formado atualmente por Augusto Pacheco, Paulo Souza e Bismark Fugazza. Os três moram em Santa Catarina. Pacheco vive do canal, Souza é recepcionista de pronto socorro e Bismark, empresário. No Youtube, o canal de 950 mil inscritos. No vídeo em que apresenta seus objetivos, o grupo explica: “Nosso canal só tem um intuito: mostrar o homem pelado”.

E então prossegue o raciocínio: “Nosso homem pelado não tem criança pegando nele, não é arte moderna, não tem lei Rouanet. É o imperador de um conto chamado A Roupa Nova do Imperador”. Os três relembram a tradicional história, do rei que sofre um trote de um alfaiate e caminha nu acreditando que está usando uma roupa especial, que só pessoas muito inteligentes podem ver.

O grupo explica no vídeo: “O rei não podia admitir que não podia ver a roupa que só os intelectuais podiam ver. Nossa percepção sócio-cultural contemporânea é exatamente como o império do rei nu. Há uma pequena corte de privilegiados definindo o que é bonito, o que deve ser ouvido, o que deve ser visto, o que devemos apreciar. Caso contrário não somos intelectuais o bastante”.

Até que, prossegue a mensagem do grupo, “quando uma criança grita que o rei está nu, todo o império admite que está vendo um rei pelado. O Canal Hipócritas é essa criança que está lá para abrir os olhos do povo”.

Delegado politicamente correto

Fundado na época da Copa do Mundo do Brasil em 2014, o canal ficou parado por um ano, entre 2016 e 2017. Foi quando o grupo encontrou sua formação atual – o único integrante original é Paulo Souza. Em junho de 2017, o trio lançou o vídeo Bolsomito, uma paródia da música Despacito que ultrapassou 3 milhões de visualizações. Foi quando ficou nacionalmente conhecido.

E agora, como o Canal Hipócrita avalia hoje o desempenho do governo? “Sabemos que há erros e acertos. Mas acreditamos que a grande diferença entre este governo e os anteriores é que este erra realmente tentando acertar”, responde Pacheco. “Acreditamos que, assim como nosso canal, o governo Bolsonaro nada contra a maré de um sistema corrompido, constituído desta forma há décadas”.

A mídia e o establishment, prossegue Augusto Pacheco, “já estão atacando ferozmente o atual governo de tal forma como nunca se viu antes, nem mesmo quando outros presidentes comandavam organizações criminosas que desviavam bilhões em esquemas de corrupção”. No lado de lá, diz, “há partidos comunistas, jornalismo sujo, políticos já comprovadamente corruptos, organizações criminosas, e movimentos antidemocráticos ‘do bem’ atacando o atual governo. Nos parece justo equilibrar, nem que seja um pouco, essa balança”.

Ainda assim, são muitos vídeos defendendo a agenda da atual gestão. Algum risco de sofrer comparações com Dilma Bolada, o perfil humorístico a favor da presidente Dilma Rousseff cujo autor, em 2015, foi acusado de receber salário de uma agência de publicidade ligada ao PT? “É um risco que corremos”, responde Pacheco. “O que nos deixa com a consciência muito tranquila é que nunca haverá como provar qualquer patrocínio por parte do governo. Porque de fato nunca houve. E aí está uma grande diferença entre direita e esquerda, a luta deles por um ideal é movida por dinheiro. A nossa é movida por esperança”.

À parte discussões sobre o papel do governo, o canal busca defender o conservadorismo, atacando quem ataca os adeptos dessa linha política e de pensamento. E o faz, por exemplo, mantendo uma série de esquetes com um delegado politicamente correto.

Em um dos vídeos, que simula uma entrevista coletiva, o policial diz: “O suspeito, que provavelmente é um oprimido social, chegou em frente da escola chegou com um objeto na mão. A Polícia Militar que estava à paisana imediatamente sacou um livro de poesias e começou a disparar o Soneto da Fidelidade [de Vinicius de Moraes]. Nessa altura a polícia levou três tiros. Uma policial está morta, uma mãe que estava grávida foi atingida. O suspeito fugiu são e salvo, graças a Deus".

Quatro dos vídeos dessa série não podem mais ser assistidos: a Polícia Civil de São Paulo moveu uma ação solicitando a retirada, alegando que a logomarca da instituição foi utilizada. “No YouTube, já tivemos vários vídeos desmonetizados”, diz Pacheco. “Há um vídeo em especial, chamado ‘Suprema Felicidade’, em que tecemos uma crítica ao STF, que estranhamente também ficou indisponível no YouTube por um logo tempo sob justificativas, digamos, duvidosas. Atualmente já voltou ao ar”.

O integrante do grupo afirma que, entre as redes sociais, a maior censura partiu do Facebook. “Alguns vídeos foram simplesmente retirados do ar por ‘violarem os padrões da comunidade’. Padrões estes com critérios extremamente nebulosos e subjetivos”.

Referência inicial

Há quem chame o grupo de “Porta dos Fundos conservador”. Augusto Pacheco diz que a comparação incomodou no início. “Nunca foi nossa intenção antagonizar com o Porta, até porque no início eles foram uma das principais referências para a criação do Hipócritas. As divergências surgiram naturalmente devido aos valores, que acreditamos serem bem diferentes dos deles, o que nos levou posteriormente até a fazer críticas ao seu conteúdo”.

Com o tempo, diz ele, o grupo se acostumou com o apelido. “Percebemos que o público conservador precisava de uma referência como essa do lado de cá do espectro político. Havia uma demanda por parte desse público, de um canal no mesmo segmento que fizesse um contraponto político e moral ao conteúdo deles, e nós nos encaixamos sem pretensão”.

Por outro lado, diz ele, “somos realistas quanto ao nosso tamanho e alcance comparados a eles. Não há uma disputa ou competição, seria uma grande pretensão nossa. Talvez eles nem saibam que existimos, ou se sabem, talvez seja irrelevante para eles. Vamos fazendo o que cremos, com as ferramentas que temos, pra tentar alcançar o máximo de pessoas possível”.

Mas o grupo discorda do termo “humor conservador”. “Não apreciamos esse rótulo. Não vemos ninguém se dirigir ao Porta dos Fundos por exemplo como ‘humor progressista’, apesar de vários vídeos deles terem esse viés. A verdade é que só somos identificados como ‘humor conservador’ porque representamos um pequeno contraponto ao mar de ‘humor progressista’ que há por aí, mas que diferentemente de nós, não recebe esse rótulo”.

Mas Pacheco concorda que a abordagem do Canal Hipócritas é diferente. “Acreditamos que o humor é uma ferramenta nas nossas mãos, não que somos uma ferramenta nas mãos do ‘humor’, como alguns humoristas defendem. Por isso obviamente direcionamos nossas críticas e sátiras baseados nos objetivos que temos”, explica. “Na verdade todo humorista ou influenciador faz isso. Talvez nós apenas não sejamos tão bons em esconder esse direcionamento. Mais do que isso: acreditamos que a situação em que nos encontramos como nação é tão delicada que não há tempo ou ocasião de sermos discretos”.

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