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Cena do filme “The China Hustle”
Cena do filme “The China Hustle”| Foto: Divulgação/ Magnolia Filmes

Um ex-general que concorreu à presidência dos Estados Unidos organiza uma conferência de investimentos. Haverá palestras de gente como o ex-presidente Bill Clinton ou o ex-secretário de estado Henry Kissinger. O assunto em pauta: empresas chinesas que dão retornos incríveis, acima dos 70% ou até mais. Para melhorar, estas empresas estão registradas na Bolsa de Valores de Nova York, um claro sinal de que o negócio todo é legítimo. Ou não?

Toda essa história está no documentário “The China Hustle” (que em português significa algo como “A Trapaça Chinesa”), disponível na Netflix. Tudo tem início logo após a crise financeira de 2008, quando investidores partiram atrás de bons negócios para reverter as perdas gigantescas sofridas nas bolsas. É a partir daí que passamos a acompanhar a saga de Dan David, presidente da GeoInvesting, que também sofreu durante a crise. Como investidor, Dan é um dos primeiros a perceber que há algo bastante errado com a dinheirama fácil. E como um short seller, ele aproveita para lucrar com isso, ao mesmo tempo em que leva a questão para o congresso americano, onde suas tentativas de ser ouvido sempre dão com os burros n’água.

Antes é preciso explicar o que é um short seller, o que o documentário faz de maneira magistral. Vou usar a mesma explicação aqui. O short seller aposta contra o preço de alguma ação que está sobrevalorizada. Vamos supor que você considere o preço do açúcar muito alto e acha que ele vai custar a metade daqui a seis meses. Você vai até sua vizinha e empresta um quilo de açúcar que no momento custa 1 real, por exemplo, e promete devolver seis meses depois, com o acréscimo de juros. Vende o produto ao preço atual - sobrevalorizado - e devolve seis meses depois, quando o preço voltou ao normal, uns 50 centavos. Mesmo pagando juros, o lucro é alto.

Dan fez o mesmo no mercado de ações, principalmente depois que outra empresa entrou na jogada. A Muddy Waters (que em português significa águas barrentas) foi fundada por Carson Block, que já tinha conhecimento prévio de como funcionava o mercado na China. O nome veio de um provérbio chinês que diz: “Em águas barrentas é mais fácil pegar peixes”. O ditado popular cai como uma luva com o que está acontecendo no mercado de ações.

Empresas chinesas de fundo de quintal, que valiam pouca coisa ou praticamente nada, começaram a ser negociadas nas Bolsas de Valores americanas. Não é fácil fazer isso, mas elas conseguiram por meio de empresas de investimento americanas - como a citada no primeiro parágrafo, a Rodman & Renshaw, que convidou até Bill Clinton e tinha um ex-general como “chairman” para emprestar uma fachada de respeitabilidade ao negócio - especialistas em uma maracutaia chamada de “fusão reversa”. Funciona assim: empresas americanas há muito tempo sem operação, como mineradoras no meio do deserto, são absorvidas por companhias chinesas, que passam a emitir ações na Bolsa americana.

O problema é que essas companhias chinesas são completas fraudes. Uma empresa de papel visitada por Carson Block no interior da China, cotada em milhões de dólares na Bolsa americana, mais parecia um depósito de papel velho, desses que a gente vê na beira das estradas. Outra companhia, de produtos alimentícios, que supostamente tinha contratos até com a Nestlé e estava avaliada em 100 milhões de dólares, era quase uma empresa-fantasma. Os analistas da Muddy Waters alugaram um imóvel na frente da sede da empresa e instalaram câmeras para monitorar o movimento de pessoas e caminhões. Descobriram que apenas umas cinco pessoas trabalhavam ali, e que os caminhões raramente apareciam, algo incompatível com uma companhia daquele valor e tamanho na bolsa.

Então Dan David começou a apostar contra essas empresas no mercado de ações, tendo como base os relatórios da Muddy Waters. A partir do momento que começou a apostar contra, e elas passaram a ser escrutinadas em público, o preço das companhias chinesas despencou para o que elas realmente valiam: basicamente nada. Ações antes negociadas a nove dólares foram resgatadas por míseros 12 centavos. Fundos de investimento que haviam apostado nessas ações e pessoas que caíram na lábia das corretoras “respeitáveis” perderam toda sua aposentadoria. Depois disso, o senador republicano Marco Rubio conseguiu, com apoio de colegas democratas, aprovar uma lei aumentando a vigilância sobre as empresas chinesas listadas nas bolsas de valores dos EUA.

Diante de picaretagem e da reação americana, seria lícito esperar algum tipo de providência do governo chinês contra essas empresas e seus diretores. Das 40 empresas envolvidas neste esquema fraudulento que lesou acionistas em centenas de milhões de dólares, apenas uma teve o diretor-executivo preso. Pior: um dos informantes chineses da Muddy Waters ficou dois anos detido em uma infecta prisão, sem que sua família sequer soubesse de seu paradeiro. O governo chinês não fez nada para impedir que as fraudes continuassem.

Uma história que mostra como é perigoso fazer negócios com uma ditadura. Quando te ferram, para quem você vai reclamar?

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