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Um povo sem identificação com a sua comunidade imediata é um povo sujeito aos mandos e desmandos de líderes distantes.
Um povo sem identificação com a sua comunidade imediata é um povo sujeito aos mandos e desmandos de líderes distantes.| Foto: Pixabay

A retórica da cidadania global, seja usada descritiva ou prescritivamente, está agora completamente estabelecida como parte da linguagem comum do debate público e do ensino superior. As referências à cidadania global quase nunca são pejorativas e, mesmo que não tenham qualidades benéficas associadas a elas, a ideia é, no mínimo, apresentada como algo benigno ou inofensivo.

A tendência crescente de encorajar americanos e, em particular, as crianças em idade escolar, a se verem como cidadãos globais, entretanto, não está isenta de riscos para nossa república constitucional.

Além do fato de a cidadania global não fazer sentido, uma vez que cidadania tem a ver com pertencer a uma sociedade civil ou ordem cívica (civitas), a substituição da atenção dispensada à cidadania nacional pela atenção dispensada à cidadania global é um convite para que os norte-americanos se tornem indiferentes ao bem-estar da única comunidade cívica da qual realmente fazem parte.

Embora a cidadania norte-americana responsável, instituição soberana em nossa república democrática, deva dar atenção aos assuntos globais, substituir a identidade nacional por uma identidade global é outra coisa. As consequências de enfraquecer nossa identidade nacional e ligações nacionais não são nada boas.

A retórica da cidadania global brinca com o impulso humano natural de viver uma vida livre de tragédias, estejam elas associadas à degradação ambiental ou ao conflito internacional, ou a alguma outra ameaça declarada à segurança e à felicidade. Essa retórica se sustenta na ciência moderna, que favorece uma abordagem abrangente ("globalista") para a resolução de problemas, e também na ideia de que o apego à identidade local e nacional é responsável ​​por muitos de nossos maiores problemas - ou, pelo menos, dificultam a resolução deles.

Ao contrário dos Pais Fundadores, cujas reflexões sobre a existência humana se baseavam nos fenômenos que os cercavam (ou seja, como os seres humanos e as comunidades políticas realmente se comportam), os defensores da cidadania global subscrevem uma visão idealizada de como imaginam que a existência humana deveria ser e como os seres humanos deveriam se comportar. Desta forma, eles imitam Karl Marx e mimetizam uma concepção da existência humana que deu origem ao totalitarismo.

Levar a sério os impulsos humanos reais fez com que os fundadores dos Estados Unidos criassem um sistema federalista que confiava o cuidado dos cidadãos aos governos estaduais e locais. Eles concluíram que é mais provável que as pessoas adquirissem o conhecimento e as habilidades necessárias para um autogoverno responsável - protegendo as liberdades fundamentais para a verdadeira prosperidade humana - se lhes for confiado o poder real de administrar assuntos cívicos importantes em suas comunidades.

O autogoverno local ensina os cidadãos a negociar e formar coalizões; ensina-lhes que o autogoverno é complicado e até difícil; ensina as pessoas a aceitar a derrota e a celebrar as vitórias com civilidade; e nutre hábitos essenciais à produção e ao comércio, bem como à caridade e ao serviço. Uma interação comunitária extensa significa que os cidadãos ficam cara a cara com a felicidade de seus vizinhos e com as tragédias que são uma parte inevitável da existência humana.

A retórica da cidadania global tem um viés centralizador que diminui, em vez de elevar, as pessoas, pelo menos quando comparada com o "modo de vida" associado à cidadania na república federativa americana, onde as pessoas são incentivadas a se esforçar ao máximo e se tornarem importantes, "peixes grandes", se quiserem, em uma multidão de "pequenos lagos".

A prosperidade dentro das milhares de comunidades que compõem a república federativa norte-americana é parte fundamental da cidadania, da própria "essência" da “americanidade”. Essa essência não está na cidadania global ou na identificação a uma comunidade fictícia cujos membros estão tão remotamente ligados que qualquer incentivo para fazer sacrifícios é atenuado a ponto de exercer pouca influência no dia-a-dia de cada pessoa.

Significativamente, as pessoas que ficam sem qualquer base em uma ordem cívica concreta ou comunidade política provavelmente ficarão indefesas contra reivindicações levantadas em nome do controle generalizado de suas vidas por gestores que estão muito além de seu alcance.

O problema com a retórica da cidadania global não é o incentivo que ela dá aos americanos para que eles prestem atenção aos assuntos mundiais, mas o risco de que a visão de mundo implícita nesta retórica enfraqueça o respeito que os norte-americanos têm por uma república constitucional que fez um trabalho notável de garantir liberdades fundamentais essenciais para a segurança e felicidade deles. Quando o respeito pela república é enfraquecido, junto com um apego ao que é mais imediatamente nosso, então a disposição de "ir mais longe" para proteger os interesses locais e nacionais também é enfraquecida. Vista sob esta ótica, a retórica da cidadania global deve ser acompanhada por um aviso severo: “Comprador, tenha cuidado”.

David Marion é professor do Wilson Center for Leadership in the Public Interest na Hampden-Sydney College.  

© 2021 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
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