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ivermectina
Caixa com ivermectina, um dos medicamentos usados no chamado “tratamento precoce” da Covid-19.| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

Médicos e cientistas com vasta experiência e formação acadêmica estão sendo perseguidos por defender a ideia de que é possível haver medicamentos para combater o Sars-CoV-2 nos estágios iniciais da doença, o que ficou conhecido como “tratamento precoce”.

Premissas que deveriam ser comuns à ciência — a de que consensos estabelecidos devem ser permanentemente confrontados com novas evidências e a de que remédios já conhecidos podem ter efeito sobre diferentes doenças — parecem estar em baixa desde que o uso de certos medicamentos foi politizado no debate público.

Desde então, qualquer defesa do uso da medicação (ainda que em pesquisas) passou a ser tachada como “negacionista”, e profissionais de saúde destacados por sua atuação na linha de frente do combate ao vírus passaram a ser responsabilizados pelas mais de 560 mil mortes pela doença no Brasil — mesmo que não haja resposta definitiva sobre a eficácia destes medicamentos e que os estudos que se debruçam sobre o assunto apresentem resultados distintos, alguns envolvendo denúncias de fraude e manipulação de resultados.

Além da acusação frequente de “curandeirismo”, estes profissionais são atacados por seus pares na academia (muitas vezes, por antigos parceiros de pesquisa), nos conselhos de classe e na imprensa, além de sofrerem censura nas redes sociais.

Um cientista perseguido

Cientistas de renome que se posicionaram a favor do tratamento precoce têm sido perseguidos em vários países e, no Brasil, a ofensiva cresceu com a quebra de sigilo telefônico e bancário destes profissionais na CPI da Covid no Senado. Neste quesito, o microbiologista Paolo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), é um dos mais perseguidos.

Especialista em virologia, epidemiologia molecular e evolução viral, Zanotto é acusado de integrar um suposto “gabinete paralelo” que teria a intenção de aconselhar o presidente Jair Bolsonaro contra a vacinação para Covid-19 e a adoção de medicamentos para o tratamento profilático e ambulatorial.

Ocorre que o biólogo é referência internacional por suas pesquisas sobre vírus, como HIV, zika, chikungunya, febre amarela, dengue, entre outras doenças infecciosas, com ampla participação em encontros internacionais da área, e esteve em evidência no início da pandemia ao alertar, em artigos à Folha de S. Paulo, para o grande risco da Covid — segundo ele, tenebroso e sem precedentes caso as autoridades não tomassem medidas de distanciamento social.

Algum tempo depois, o cientista passou a tecer duras críticas à atuação incoerente e inconsistente da OMS, além de demonstrar apoio ao tratamento precoce que, até então, era uma esperança desvinculada do discurso político e com bons resultados sendo obtidos em Detroit, Nova York, Honduras, Costa Rica, Senegal, China, além da Prevent Sênior, em São Paulo.

Ciência e tratamento precoce

É preciso recordar que a busca por medicamentos já conhecidos que possam ser utilizados no tratamento de enfermidades recém-descobertas é um atalho usual à ciência, principalmente diante de doenças com potencial para causar milhões de mortes em curto tempo, como se mostrou a Covid-19 desde os primeiros registros divulgados de Wuhan.

Nestes cenários, portanto, o uso de uma droga de forma diferente do que é apresentado em bula (também conhecido como “off label”) é comum e é praticado no Brasil há muito tempo, amparado pela Declaração de Helsinque. O documento, assinado em 1964, informa que na falta de intervenções comprovadas, o médico, com consentimento informado de um paciente ou representante legal, pode lançar mão de outras drogas.

Muitos medicamentos hoje consagrados no tratamento de enfermidades comuns surgiram com finalidades diferentes, e sua eficácia contra doenças diferentes foi observada durante a prática clínica. É o caso do viagra, criado para combater a hipertensão pulmonar e depois prescrito para tratar disfunção erétil.

Diante da crise do novo coronavírus, parte da comunidade científica — inclusive Paolo Zanotto — passou a defender que o tratamento para nova doença deveria ocorrer o mais cedo possível, realizando a profilaxia medicamentosa com base em observação clínica — daí o apelido de “tratamento precoce”. A prática seguiria o rumo natural da ciência, com pesquisas em larga escala a serem debatidas entre especialistas do ramo, ao largo de bandeiras ideológicas, se não fosse o anúncio do ex-presidente americano Donald Trump de que a hidroxicloroquina “poderia ser a chave para o fim da pandemia”, e a propaganda incondicional de Jair Bolsonaro.

A represália

Quase um ano depois de acender o alerta e defender práticas já chanceladas na história da medicina clínica, Zanotto passou a ser associado a ideias anti-científicas, como o movimento antivacina, mesmo tendo sido ele próprio colaborador na produção de quatro plataformas vacinais ao longo de sua carreira. Acabou sendo expulso do Instituto Pasteur, no qual atuou como membro da Rede de Diversidade Genética Viral entre 2000 a 2006, e da Rede Zika, em 2016.

O cientista também foi desligado da comissão de ética, que integrou por 20 anos, por supostamente não ter comparecido a três reuniões online, depois de ter criticado uma decisão da comissão que, segundo ele, violou norma da resolução 466 do Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), segundo a qual subalternos hierárquicos não podem ser sujeitos em pesquisa com seres humanos.

Nos corredores da universidade, grupos passaram a impedir que os alunos assistissem suas aulas, assediando-os constantemente. No âmbito administrativo, está sendo alvo de sindicâncias pelas quais frequentemente não pode questionar ou arrolar testemunhos. Em uma destas sindicâncias, realizada pela Comissão de Ética, foi chamado de curandeiro e negacionista pelo professor que coordenava.

A situação piorou em junho deste ano com a publicação de uma reportagem na qual Zanotto foi acusado de integrar um “gabinete paralelo” que teria objetivo de aconselhar o Ministério da Saúde. A matéria trazia um vídeo gravado durante um encontro realizado em Brasília, em setembro do ano passado, que contou com a presença do movimento Médicos pela Vida (MPV), do ex-ministro e deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) e do presidente Jair Bolsonaro. Convidado pelo MPV, Zanotto sugeriu durante sua palestra a criação de um “shadow cabinet" — termo em inglês que significa um comitê independente e tem o propósito de acompanhar, não de opor.

O vídeo, publicado nas redes sociais do presidente, foi considerado um vazamento de um encontro às escondidas, e o cientista passou a ser atacado nas redes sociais. O presidente da CPI, Omar Aziz, comentou que o vídeo era a prova da existência do “gabinete paralelo”, o que ele chamou de “gabinete da morte”. Para ele, o Ministério da Saúde estava atuando com base nas determinações deste gabinete. Entretanto, Zanotto conta que esta foi a única vez que viu Bolsonaro e que nada do que ele recomendou foi seguido pelo governo.

Na carta citada no áudio enviada ao governo, Zanotto sugeriu a formação de um grupo incluindo os melhores vacinologistas e imunologistas do Brasil para, de forma anônima e independente acompanhar e espelhar (como uma sombra, daí o termo “shadow”) o processo de escolha e avaliação de vacinas, para evitar pressões dos fornecedores e garantir lisura e excelência no processo.

“Essa narrativa de que o presidente apoiou tratamento precoce é balela. O que ele fez foi ficar correndo atrás de ema com caixa de cloroquina e deixou os médicos serem fritos a partir do dia 3 de outubro de 2020”, diz Zanotto, à Gazeta do Povo.

“É curioso pensarem que a alegação de genocídio dele foi por causa da vacina, quando o que ele apoiou foi os programas de vacinação. A prova é que o Brasil começou a vacinar menos de um mês após as primeiras nações. O problema, é que vacina e remédio têm que trabalhar juntos, não é uma coisa ou outra, e isto está sendo agora proposto pela Pfizer, por exemplo”.

“Infelizmente o nosso governo falhou em implementar o que está sendo feito no México e Índia, por exemplo, onde a letalidade tem tido uma redução significativa. Isto iria ter reduzido o número de mortes significativamente e teria garantido uma maior eficácia de programas de mitigação e vacinação”, acrescenta o cientista.

Zanotto também foi acusado de tentar fugir do país, após a universidade ter aprovado um pedido seu de licença remunerada para realização de pesquisas no British Columbia Institute of Technology (BCIT), no Canadá. Integrantes de coletivos de estudantes de graduação e pós-graduação da USP escreveram cartas chamando Zanotto de genocida e acusando-o de ser responsável pelas mais de 500 mil mortes por Covid no país, exigindo que sua licença fosse indeferida.

No entanto, documentos mostram que as tratativas para a pesquisa já estavam sendo feitas meses antes, desde o começo de 2021, inclusive com reuniões realizadas entre o BCIT e o MCTIC em fevereiro. Em 9 de junho, o Conselho Técnico-Administrativo (CTA) do ICB aprovou o pedido de afastamento do professor explicando que o afastamento solicitado veio acompanhado de toda documentação necessária, incluindo carta convite da instituição BCIT para desenvolver atividades por dois anos, e aprovação prévia, por unanimidade, pelo Conselho do Departamento de Microbiologia.

Perseguição a apoiadores

“Me acusaram de ser um radical de direita, mas eu não me vejo como um cara de direita, nem de esquerda. Tenho ojeriza a autoritários, que hoje são a norma. Na minha infância a minha casa era refúgio de pessoas perseguidas pelo Regime Militar. Ironicamente, agora quem é perseguido sou eu. Colegas dos caras que se escondiam são hoje os que querem me cancelar”, diz o professor.

Em apoio ao cientista, um abaixo-assinado, que chegou a somar quase 30 mil assinaturas, foi criado na plataforma Change.org pelo cineasta e aviador Filipe Rafaeli. Entretanto, este foi retirado do ar mais de uma vez. A plataforma chegou a restituí-lo uma vez alegando erro, mas agora o link se encontra novamente indisponível. A plataforma justificou que a publicação violava as diretrizes da comunidade. “Um abaixo assinado contra a censura foi censurado. Não é irônico? ”, disse Rafaeli.

Para Rafaeli, hoje, por causa desta censura, vivemos o período mais sombrio da ciência desde o tempo das Inquisições, quando Galileu Galilei foi condenado por afirmar que a Terra não era o centro do universo. Ele acrescenta que não conhece nenhum outro momento na história em que a censura tenha sido benéfica para a sociedade.

“Passaram a me chamar de fascista e bolsonarista por sair em defesa do médico e do tratamento. Só afirma isso quem olha para o próprio umbigo e acredita nos imbecis que repetem que isso é discussão ‘só no Brasil’, para tentar desqualificar, sem olhar como anda a discussão no mundo. Cloroquina está nos protocolos de Cuba e da China. Eu continuo de esquerda, o povo aí que virou repetidor de press-release de grandes corporações”, disse.

Além do abaixo assinado, Rafaeli conta que diversas cartas de cientistas ao redor do mundo foram enviadas à USP. “Enquanto tentam fazer uma fogueira com o Zanotto, ele recebeu apoio de diversos cientistas de alto nível, como o professor Peter McCullough, um dos maiores nomes da cardiologia e nefrologia do mundo, e do professor Harvey Risch, de Yale”, disse.

Outro a sair em apoio a Zanotto foi o geneticista Eli Vieira, para quem esse é apenas mais um episódio do “absurdo conforto que a ortodoxia acadêmica dominante tem ao defender a censura e ser intolerante com a diversidade de hipóteses e ideias enquanto alega ser a favor da diversidade”. Vieira é o autor de um artigo mostrando que existem cada vez mais indícios da eficácia do tratamento precoce, principalmente a ivermectina e a proxalutamida.

O outro lado

Em resposta à reportagem, o CFM informou que desde o início da pandemia, “tem incentivado e apoiado ações que visam a proteção da sociedade contra a Covid-19”. Entre elas, o distanciamento seguro entre as pessoas, o uso de máscaras e o reforço à higienização, assim como a vacinação em massa dos brasileiros, no menor espaço de tempo possível.

Sobre as medicações “off label”, o CFM informou que, após criteriosa análise técnica e científica, observando que até o momento não há estudos científicos, com metodologia inconteste, que comprovem o efeito de medicamentos na fase inicial da Covid-19, antes da manifestação de sintomas graves da doença, emitiu parecer entendendo que o médico na ponta e o paciente, mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tem autonomia, de forma conjunta, para decidirem qual a melhor opção terapêutica para tratar os casos diagnosticados. Ou seja, o médico pode ou não prescrever medicamentos que considerar necessários e, por sua vez, o paciente pode acatar ou não o que foi prescrito.

“Reitere-se que o Conselho Federal de Medicina é uma autarquia pública, com longo histórico de contribuições em prol da profissão e da saúde do País, que pauta suas ações de forma autônoma, transparente, responsável e isenta de vinculações com interesses específicos, e sempre com o intuito de promover o exercício ético da profissão, com benefícios para os médicos, a medicina e a população”, disse a nota.

A reportagem entrou em contato com o professor Luis Carlos de Souza Ferreira, então diretor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP no período em que houve sindicância contra Paolo Zanotto, mas ele disse que não pode responder mais nenhuma questão institucional.

“Não sou mais o diretor do ICB. Todas as questões envolvem, direta ou indiretamente, o ICB, e não posso, e nem devo me colocar como pessoa em questões institucionais visto que não mais represento a instituição”.

O ICB não retornou o contato.

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