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Polícia usou gás lacrimogênio nos protestos de 2019 em Hong Kong.
Polícia usou gás lacrimogênio nos protestos de 2019 em Hong Kong.| Foto: Mohd Rasfan/AFP

Como era previsível, assim que os protestos de Hong Kong saíram dos holofotes, Pequim começou a eliminar qualquer autonomia residual da ex-colônia britânica e a prender os principais oponentes.

A atenção, também na China continental, está claramente direcionada à epidemia de coronavírus. E pelo mesmo motivo - para obedecer ao distanciamento social - as manifestações de rua em Hong Kong tornaram-se impossíveis nos últimos três meses. Após uma série de manifestações envolvendo milhões de pessoas, de junho a dezembro, Hong Kong protestou contra a nova lei de extradição, que teria exposto os dissidentes anticomunistas (até então livres e seguros dentro das fronteiras do enclave autônomo) ao judiciário comunista em Pequim.

Em seguida, a pauta passou a incluir cinco questões-chave, incluindo a eleição direta e o sufrágio universal do governador: cargo formalmente eleito pelo legislativo, mas na verdade nomeado por Pequim. Quando o perigo do vírus, que Hong Kong combateu com muita eficácia, chegou, foi criado o manto de silêncio interno e a distração internacional de que o regime comunista precisava para lançar sua investida.

As medidas tomadas pelo regime chinês para anexar definitivamente o restante da cidade-estado são uma sucessão de declarações com valor legal, ameaças e prisões. Em 14 de abril, o Hong Kong Liaison Office, órgão que administra as relações com Pequim, juntamente com o Escritório de Assuntos de Hong Kong e Macau, condenou publicamente os parlamentares da oposição democrática de Hong Kong, acusando-os de "obstruir " a política do governo. Foi a primeira interferência explícita do governo de Pequim nos assuntos internos da cidade autônoma.

Segundo relatos anônimos de magistrados para a agência de notícias Reuters, membros do Partido Comunista Chinês ordenaram que os juízes respeitassem os padrões comunistas do partido único: "O Estado de Direito deve ser um instrumento para preservar o regime de partido único". Portanto, os juízes não devem se permitir absolver oponentes democráticos em julgamento. E com isso também podemos dizer adeus ao julgamento justo e ao judiciário independente, elementos de liberdade que até agora haviam sobrevivido.

A escalada havia acabado de começar: em 15 de abril, de fato, o chefe do Liaison Office, Luo Huining, "sugeriu" ao governo de Hong Kong a emissão de uma nova lei de segurança nacional, teoricamente contra infiltrações estrangeiras, porque "forças estrangeiras interferiram profundamente" na política de Hong Kong. Observe que todas as manifestações de dissidência são acusadas de serem uma emanação de "forças estrangeiras", mesmo que não haja evidência de interferência. Em 17 de abril, Luo declarou então, interpretando à sua maneira a Basic Law [Lei Básica] (herdeira da lei britânica), que o artigo 22, que estabelece a não interferência do governo central de Pequim no governo de Hong Kong, não se aplica ao próprio Liaison Office. Porque, teoricamente, não faz parte do governo central (mesmo que seja um órgão ministerial em todos os aspectos e tenha nascido no contexto do artigo 22).

Finalmente, em 18 de abril, 15 membros importantes da oposição democrática foram presos, incluindo o sindicalista e líder democrático Lee Cheuk-yan, Martin Lee, de 81 anos (conhecido como o pai da democracia em Hong Kong), o magnata da mídia Jimmy Lai e Margaret Ng, do Partido Cívico. Para Lee Cheuk-yan, Jimmy Lai e outros presos, essa é a segunda prisão em dois meses. Embora quase todos tenham sido libertados sob fiança no mesmo dia, essa é uma clara intimidação.

O motivo dessa perseguição é o apoio às manifestações de 2019, muitas das quais são consideradas ilegais. Em fevereiro, eles foram presos por organizar a marcha em 31 de agosto, desta vez, por outros três eventos em 18 de agosto e 1º e 20 de outubro. Embora em Hong Kong, a liberdade de reunião e manifestação sempre tenha sido legal, como em todos os países livres.

Para Chris Patten, o último dos governadores britânicos de Hong Kong, o regime de Pequim deu "mais um passo para enterrar o princípio de ‘um país, dois sistemas’", estabelecido em 1997 após o retorno da antiga colônia do Reino Unido à China, para garantir sua autonomia e a preservação do Estado de Direito.

"Este ataque às liberdades de Hong Kong", disse Patten à imprensa de Hong Kong, referindo-se à prisão de políticos democráticos, "chega ao final de uma série de tentativas ridículas feitas nos últimos dias pelas autoridades de Pequim para afirmar que o Escritório de Macau e Hong Kong e o Liaison Office não fazem parte do governo de Pequim e, portanto, podem interferir nos assuntos de Hong Kong sem violar a Declaração Conjunta de Lei Básica. (...) Esse é um argumento imprudente que mostra como Xi Jinping está determinado a abandonar a política seguida por seus antecessores, mesmo ao custo de destruir o estilo de vida de Hong Kong".

*Stefano Magni, jornalista e ensaísta, é bacharel em Ciências Políticas, autor de “Contro gli statosauri, per il federalismo” e professor associado no curso de Geografia Econômica da faculdade de Jurisprudência da Università degli Studi di Milano.

© 2020 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano.
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