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Talvez a questão mais importante agora não seja tanto como vamos sair dessa crise, mas quais lições tiraremos dela.| Foto: AFP

Epidemias, guerras, fomes são flagelos que comumente nos pegam desprevenidos. Mesmo aqueles que bradam “uma tragédia anunciada” só o fazem depois que ela já aconteceu. A rotina tranquilizante com a qual carregamos indefinidamente nossos problemas rompe-se e somos obrigados a mudar todos nossos hábitos para se adequar a uma situação inesperada.

Ao se deparar com o perigo iminente (ou difuso), nossos medos, sobretudo o da morte, nos levam a tomar decisões irracionais e desproporcionais. A soma das decisões individuais gera aquilo que se chama pânico e que, se não for controlado, pode se transformar em caos.

Em linhas gerais é isso que está acontecendo desde que a epidemia de coronavírus tomou conta do noticiário e de nossas vidas.

Não são poucos os que procuram uma explicação, um conforto na religião. Mas a própria forma do contágio obrigou muitas denominações a suspenderem os cultos públicos, para evitar aglomerações.

Como as religiões estão orientando os fiéis nesse período? E, teologicamente, como elas estão enxergando essa crise mundial?

Catolicismo

No Concílio Vaticano I, que teve início em dezembro 1869 e terminou em 1870, a Igreja Católica esclareceu que sua doutrina postula que o ser humano possui duas luzes que orientam a inteligência: a luz natural da razão e a luz sobrenatural da fé, de tal forma que uma não pode contradizer a outra.

Muitos fiéis que questionam o fechamento dos cultos públicos, alegando que em outros períodos de “peste” a Igreja não agiu dessa maneira, ignoram que as formas de contágio eram bastante desconhecidas. A Igreja percebe que manter os cultos públicos poderia expor os grupos de risco (sobretudo os velhinhos) a um contágio desnecessário.

A isso soma-se um dos períodos mais fortes do calendário litúrgico que é a Quaresma, quando a busca pelos sacramentos são mais recorrentes. Por isso, a Igreja, apesar de não realizar celebrações publicamente, encontrou formas de não perder o contato com os fiéis.

As paróquias têm multiplicado as formas de difusão da Missa pela internet e os pedidos de orações pelo fim da epidemia tem sido constantes. Isso ficou claro pelo próprio exemplo do Papa Francisco, que rezou praticamente sozinho, na praça da Basílica de São Pedro, pelo fim da epidemia. O ato foi exibido amplamente pelas redes católicas de televisão. Ações como essas, sob as mais diversas formas, difundiram-se pela internet.

A Igreja Católica não deixou, contudo, de administrar os sacramentos, principalmente para aquelas pessoas que estão em risco de morte. Quanto às outras, os prelados pedem cautela, que intensifiquem a oração em família e aumentem a confiança em Deus. Segundo o pároco da Igreja Santa Isabel, em Curitiba: “os padres se mantêm disponíveis para atender à população de forma individual, mas tomamos cuidado porque, devido à nossa ação pastoral, também podemos transmitir a Covid-19 aos outros”.

Mesmo com mais de 2000 anos de existência, para a Igreja Católica esse período de pandemia, segundo o pároco José Carlos, é inédito.  “Nesse sentido, a Igreja olha com a ótica da fé, como na perseguição do Império Romano. Vê como forma de viver escondidamente sua vida como aconteceu no Japão e outros países que, mesmo sem padres, levaram a vida cristã adiante. É o momento da ação do Espírito que suscita no mundo um novo meio de seguir Jesus.”

Em contrapartida, certos setores da Igreja afirmam que, justamente por ser um período que as pessoas precisam mais de Deus e dos Sacramentos, o acesso a estes deve ser facilitado.

Não há uma opinião unânime, dentro da Igreja, sobre o que Deus quer mostrar aos fiéis com essa pandemia. Mas os próprios apelos do clero para que se ore em família apontam para a necessidade de reaproximar os lares de Deus de uma forma mais presente e concreta.

Igreja Luterana

A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil também adotou medidas de restrição social. E segundo o primeiro vice-presidente da instituição, o Pastor Odair Braun, “as restrições continuarão, mesmo que o presidente [Jair Bolsonaro] tenha decretado que as igrejas possam funcionar durante esse período. Enquanto a OMS não declarar que o pico da pandemia passou, sentimo-nos responsáveis pela vida das pessoas”.

Os cultos estão sendo transmitidos pela internet e as igrejas dispõem de sinos que soam às 9 horas da manhã dos domingos para que os fiéis possam celebrar ao mesmo tempo, em suas casas, um momento de louvor e oração.

Os pastores também estão se colocando à disposição para atender individualmente os fiéis necessitados, preferencialmente por telefone ou internet. “Cada pastor e pastora está orientado a acompanhar seus fiéis por meio de ligações telefônicas e contatos via Whatsapp. Atenção especial se dá às pessoas que integram os grupos de risco. Transmitimos esperança e fortalecimento para as pessoas. Recordamos a certeza da presença de Deus, apontamos para sua presença ao lado do seu povo ao longo da história”, aponta o pastor Braun.

Para os luteranos esse período de crise “é um momento de avaliar, de analisar a vida, nossa conduta, nossa vida diária. Quais são as prioridades? Como temos vivido e agido frente à vida que Deus nos concede?”. Períodos como esse nos colocam em reclusão, e portanto “nos ajudam a valorizar aquilo que significa vida em comunidade, na presença de irmãos e irmãs”, diz o pastor.

“Não vemos a pandemia como o cumprimento de uma profecia ou castigo de Deus. É tempo de parar e pensar como vou conduzir a minha vida quando a crise tiver passado? Cremos que é um momento especial de todos avaliarmos nossas posições de egoísmo e individualismo”, conclui.

Igreja Batista

A Primeira Igreja Batista de Curitiba também suspendeu os cultos públicos e transferiu as celebrações para o ambiente virtual. Segundo o pastor Victor França, “com programação maior até do que habitualmente, sem contar as iniciativas individuais de cada pastor através de suas redes sociais”.

Sobre a visão teológica do assunto, o pastor não fala em nome da congregação, mas dá sua opinião. “Deus não manda um castigo, ele permite que essas coisas aconteçam com algum propósito. Percebemos que o Brasil e as nações em geral precisavam de um momento de revisão de vida. É um momento de ‘quebrantamento de corações’, de deixar o orgulho e a arrogância de lado; de ver que o dinheiro não pode comprar tudo”, diz.

O período de confinamento tem servido para a conversão de muita gente, segundo o pastor. “As pessoas estão se voltando para o que é mais importante: para a família, para a preocupação com o próximo. Muitas pessoas podem conhecer a Cristo -- elas precisam de esperança”.

Por outro lado, os pastores não estão se eximindo da responsabilidade que têm com sua “ovelhas”. “Estamos na linha de frente dessa batalha. Precisamos cuidar do corpo, da mente e do espírito. Então, temos trabalhado nesse sentido, tomando as devidas precauções, mas quando é necessário a nossa presença, estamos lá. Continuamos a fazer velórios, visitar em hospitais, etc”.

O cuidado com o próximo e a orientação dos fiéis têm sido uma constante para as diversas igrejas cristãs no Brasil e no mundo. Mas outras religiões também têm orientado os fiéis sobre sua visão da pandemia.

Outras religiões

Jay Garfield, professor visitante de filosofia budista na Harvard Divinity School, escreveu um artigo em que ele aponta que uma das principais doutrinas do budismo é a onipresença do sofrimento. E que portanto “a atenção ao enorme sofrimento causado pela pandemia pode nos inspirar a manter essa percepção em nossos corações agora e depois que a pandemia tiver passado”, servindo para aumentarmos nossa compaixão pelo próximo.

Para os budistas existe uma interdependência e uma impermanência constantes no mundo. A epidemia revelou isso de maneira flagrante. Por isso, segundo Garfield, “devemos manter essas duas verdades no coração mesmo quando tudo isso passar”. Isso deve nos ensinar a termos paciência e “reduzirmos nossa tendência à raiva ou ao desespero, para que possamos responder efetivamente às necessidades que nos cercam”, conclui ele.

O novo reitor da Grande Mesquita de Paris, Chems Eddine Hafiz, afirma que os muçulmanos devem fazer suas orações em casa nesse período e pede que os fiéis “sejam cuidadosos e solidários, juntamente com seus concidadãos, para combater este vírus”.

Embora as autoridades civis e religiosas tenham adotado medidas variadas para conter o surto, a mensagem quase sempre foi a mesma: fique em casa, evite o contato e lave as mãos regularmente.

A própria Meca está fechada durante o período. Um fato bastante raro, pois a peregrinação ao lugar ao menos uma vez durante a vida do fiel é considerado um dos pilares do Islã. Contudo, o governo saudita não se pronunciou ainda sobre o Haj, a principal peregrinação anual muçulmana a Meca, que neste ano começa no fim de julho.

A maioria dos imãs vê esse vírus como um teste divino para que toda a Humanidade, incluindo os muçulmanos, retornem ao caminho da justiça.

Já a União das Congregações Hebraicas Ortodoxas orientou mulheres, crianças e "homens idosos e mais fracos com deficiências de saúde" a não irem às sinagogas. A orientação não foi estendida aos homens saudáveis. Mas em muitos lugares as sinagogas estão fechando temporariamente, transferindo suas operações principais -- serviços, aulas -- para as plataformas digitais.

O rabino Shlomo Zalman (Sam) Bregman, fundador da Jewish Executive Learning Network e um estudioso da Torá reconhecido internacionalmente, explicou como o judaísmo vê o surto do novo coronavírus. Segundo ele, “encontramos exemplos da Torá, do Talmude e do Midrash nos quais Deus às vezes faz uso de fenômenos naturais para chamar nossa atenção”.

Bregman afirma que “a tradição judaica ensina que o máximo que podemos fazer é usar esses momentos como oportunidades para refletir, mergulhar na introspecção e melhorar como seres humanos”. Para ele, “sempre há sentido na vida, mas é esperado que você encontre o caminho certo”.

O confronto com a morte decorrente da pandemia do novo coronavírus tem gerado as mais diversas respostas das religiões, mas todas apontam para que cada um olhe para sua vida e veja o que pode melhorar. Talvez a questão mais importante agora não seja tanto como vamos sair dessa crise, mas quais lições tiraremos dela.

Conteúdo editado por:Paulo Polzonoff Jr.
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