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Intervindo no mercado com base só em boas intenções e sem levar em conta as consequências, o Procon muitas vezes prejudica os consumidores que quer proteger
Intervindo no mercado com base só em boas intenções e sem levar em conta as consequências, o Procon muitas vezes prejudica os consumidores que quer proteger.| Foto: Reprodução

O Procon-SP notificou a rede Cinemark por vender um combo de pipoca por um preço supostamente abusivo. Aproveitando o lançamento de Star Wars: A Ascensão Skywalker, a rede de cinemas lançou uma promoção para os fãs da franquia: uma réplica do robô RD-D2 como balde da pipoca, no valor total de R$471. Mesmo sendo um produto voltado para colecionadores, o órgão de defesa do consumidor decidiu autuar a prática.

Casos assim não são raros. Afinal, há mais de 900 Procons espalhados pelo país, cada qual com sua autonomia, influências ideológicas e políticas. Em 2016, por exemplo, o Procon-BA utilizou seus recursos para fazer uma operação voltada a coibir a venda de pizzas de dois sabores pelo valor da mais cara. Ambas as ações se basearam em interpretações criativas e heterodoxas de normas do Código de Defesa do Consumidor em relação a preços abusivos.

O que fundamenta uma regulamentação protetiva em relação ao consumidor é a defesa de direitos difusos, isto é, quando determinado fato atinge um grupo de pessoas ou a coletividade. Outra justificativa para proteção dos consumidores é corrigir as chamadas “falhas de mercado”, como assimetrias de informação. Afinal, consumidores nem sempre têm à disposição todas as referências necessárias sobre um produto ou seus fornecedores. Outra fundamentação comum é a necessidade de evitar fraudes e riscos à integridade do consumidor.

Porém, com a sanha regulatória e intervencionista brasileira, em vez de corrigir falhas de mercado a legislação e atuação de órgãos consumeristas muitas vezes prejudicam os consumidores.

O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, parte da premissa de que qualquer favorecimento ao consumidor é desejável, independente do quanto isso venha a custar ao empresariado. Essas normas aumentam os custos de produção, que são repassados para consumidores. O problema é que quem tem maior renda pode arcar com eles, mas a população mais pobre pode ficar sem acesso ao bem ou serviço.

É o que concluiu um estudo que analisou que as principais técnicas adotadas para proteger o consumidor falham em atingir os objetivos propostos. Ele foi publicado na Economic Analysis of Law Review — principal revista de direito econômico do país. O resultado, segundo o pesquisador Bruno Bodart, é a concentração de mercado, a exclusão de consumidores de menor poder aquisitivo e outras consequências não intencionais.

“O Direito do Consumidor, especialmente no Brasil, é um ambiente farto em regras disfuncionais, o que se deve, em grande parte, ao fato de ser dominado pela retórica sem análise empírica ou raciocínio econômico, no que diz respeito a parte substancial dos seus intérpretes e aplicadores”.

Isto é, regras foram adotadas sem levar em consideração se estão sendo bem-sucedidas em seus propósitos. As normas são aplicadas sem acompanhamento e análise de resultados de seus impactos.

Uma revolução

A Secretaria Nacional do Consumidor, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, está promovendo uma verdadeira revolução para mudar esse quadro e melhorar efetivamente a proteção ao consumidor.

Foi ela que, por exemplo, identificou que 9 em cada 10 brasileiros recebiam ligações indesejadas para a venda de produtos. Diante desse dado, a secretaria criou, em julho deste ano, a plataforma naomeperturbe.com.br, permitindo aos brasileiros bloquearem ligações de empresas de telefonia.

Mas as mudanças não param por aí. A Senacon passou a atuar com base no que há de mais avançado em economia comportamental. Assim, ela está buscando alterar incentivos tanto para empresas quanto para consumidores a fim de garantir marcos regulatórios melhores e garantir, de fato, a proteção dos consumidores.

Procon e OCDE

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz que medidas protetivas para o consumidor devem considerar a racionalidade econômica. Assim, qualquer política pública deve ser pensada previamente.

Uma forma de fazer isso é por meio da chamada Análise de Impacto Regulatório (AIR). Essa ferramenta busca aprimorar a qualidade da regulamentação, baseando a implementação de regras em evidências científicas. Além de buscar analisar os prováveis impactos antes de uma regra entrar em vigor, a ferramenta verifica as outras alternativas regulatórias disponíveis. Tudo buscando atingir os objetivos pretendidos.

A Senacon já está utilizando essa ferramenta no desenho das políticas públicas em sua área.

Outra medida que busca uma atuação melhor dos Procons foi a criação do Colégio Nacional de Ouvidores do  Nacional de Defesa do Consumidor. A ideia é garantir participação popular na administração pública, com cidadãos também podendo pedir informações, reclamarem ou elogiarem serviços públicos e privados.

Como cada órgão tem autonomia, a adesão e participação dos Procons a esse colégio, em que há o direito a voto nas decisões, é voluntária.

A Senacon também lançou programa de reestruturação e melhoria no aparelhamento desses órgãos, inicialmente com verbas federais. Porém, a próxima etapa do projeto será realizar parcerias com entidades empresariais.

Incentivos à conciliação

Apesar de ser o segundo Poder Judiciário mais caro do Ocidente, a Justiça brasileira é ineficiente em relação ao tempo de tramitação dos processos. Grande parte disso se dá em virtude da quantidade de casos. São cerca de 80 milhões, segundo o relatório Justiça em Números de 2018.

Boa parte dessas ações são de consumidores contra empresas e fornecedores. Assim, com o objetivo de permitir a solução de conflitos com celeridade e sem o uso do Judiciário, a Senacon potencializou o uso da plataforma do Consumidor.gov.br, usando convênios com agências reguladoras e com o Judiciário. Nela, é possível que consumidores insatisfeitos entrem em contato diretamente com a empresa, explicando suas insatisfações e buscando acordos extrajudiciais.

Para enriquecer o governo, consumidor paga mais caro

Segundo um levantamento realizado por Gregory Mankiw , economista e professor da Universidade de Harvard , 93% dos economistas concordam que tarifas e cotas de importação geralmente reduzem o bem-estar econômico geral. E o protecionismo brasileiro é um dos maiores do mundo.

A alíquota alfandegária brasileira, por exemplo, é a maior entre os países emergentes e desenvolvidos. Segundo um levantamento da Inter B Consultoria, com base em dados do Banco Mundial, a média de participação do comércio exterior em relação ao PIB, entre 2009 e 2015, foi de 24%. O Brasil está atrás somente de Myanmar, com 22%. Já a média global é superior ao dobro: 51,3%.

O resultado de inibir a competição estrangeira é que o governo obriga os consumidores brasileiros a pagarem mais caro por produtos de menor qualidade. De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o custo anual disso para os consumidores foi de R$ 130 bilhões em 2015.

Como dizia o prêmio Nobel de Economia Milton Friedman, “muitos querem que o governo proteja o consumidor, mas um problema muito mais urgente é proteger o consumidor do governo”.

O diretor de operações da organização Centro de Escolha do Consumidor, André Freo, acredita que a redução dos impostos deveria ser uma agenda de defesa do consumidor.

“Proteger a indústria nacional acaba, na prática, sufocando o poder do consumidor. Essa proteção restringe a opção dele de comprar um produto de fora do país, se quiser. Além disso, ela sufoca o consumidor de baixa renda porque aumenta os preços dentro do próprio país”, afirma. Para ele, quanto mais concorrência e serviços à disposição do consumidor, mais bem protegido ele estará.

Nesse sentido, em agosto deste ano a secretaria de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia deu um “desconto” para os consumidores brasileiros: zerou as alíquotas do Imposto de Importação sobre 261 bens de capital e 20 bens de informática. A medida valerá até o final do governo Bolsonaro.

As aberrações da Comissão do Consumidor no Congresso

O parlamentar Gilson Marques (NOVO-SC) integra a Comissão de Defesa do Consumidor e se destacou ao longo do primeiro ano da legislatura por recomendar a rejeição dos projetos em que relatou, além de seus votos contrários e obstruções.

Para ele, grande parte dos projetos que tramitam na comissão são ruins e não atingem seus propósitos. “Infelizmente, a mentalidade que reina no Congresso e, principalmente, na Comissão de Defesa do Consumidor, é a de que as intenções importam mais do que os resultados”, diz. O parlamentar acredita que a maioria dos projetos de lei aprovados na comissão são “extremamente prejudiciais aos consumidores”.

Marques afirma que há um desprezo pelos custos que as normas impõem às empresas. “Obviamente, tudo será repassado nos preços dos produtos ou serviços. Isso traz alguns efeitos colaterais negativos: consumidores que não valorizam essas imposições são obrigados a pagar por elas, o que fere sua liberdade de escolha. Além disso, muitas dessas obrigações interferem no ambiente de livre concorrência, criando restrições aos novos entrantes e prejudicando os pequenos empreendedores que não possuem equipe e capital para cumprir todas as exigências”, critica.

Entre os exemplos de projetos de leis absurdos, ele cita o PL 3.080/2019, que obrigaria os restaurantes a informarem o peso de todos os alimentos no cardápio. Outro projeto que na opinião do deputado federal seria danoso foi o PL 2.691/2011: se aprovado, ele obrigaria o fornecedor a manter a oferta de componentes e peças de reposição por seis vezes o período da garantia do produto. “O resultado provável seria aumentar os custos de manter em linha produtos obsoletos ou fazer o período de garantia proposto pelo fabricante cair. Uma montadora que hoje oferta 5 anos de garantia iria diminuir esse período para não ser obrigada a manter peças em fabricação por 30 anos”, explica.

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