• Carregando...
O problema é que as pessoas que têm raiva do nosso ceticismo têm de aceitar que estão confiando em especialistas que não têm todos os dados.
O problema é que as pessoas que têm raiva do nosso ceticismo têm de aceitar que estão confiando em especialistas que não têm todos os dados.| Foto: Pixabay

Sou só eu, me pergunta um amigo politicamente moderado, ou os conservadores são os mais céticos quanto aos perigos envolvidos e às precauções necessárias para se conter a ameaça do vírus de Wuhan? E por quê?

Como ele provavelmente pensa em mim quando fala nos conservadores, gostaria de responder que ele tem razão. Embora haja alguns conservadores pensando que estamos mesmo diante de uma crise de saúde sem igual e alguns progressistas pensando o contrário, realmente os conservadores têm mais chance de se mostrarem céticos quanto aos cenários catastróficos que estão sendo apresentados como certezas absolutas, a não ser que o país todo fique fechado durante meses.

Muitos têm demonstrado desprezo por esse ceticismo, chamando-nos de “negacionistas” ou simplesmente nos acusando de darmos mais valor ao dinheiro ou nosso conforto do que à vida humana. Mas esse ceticismo tem vários motivos diferentes. Ainda que eu ache que esse ceticismo, como qualquer ceticismo, pode ir longe demais quando não se tem outras virtudes, também acho que ele é bastante razoável no cenário atual e que se provará verdadeiro no longo prazo.

Dúvidas quanto ao Apocalipse

Pode parecer estranho dizer que os conservadores são céticos quanto a cenários apocalípticos. Muitos de nós nos ocupamos de falar do fim da Civilização Ocidental ou do fim da civilização como um todo. Uma amiga me disse há alguns anos que seu medo diante do colapso da civilização só diminuiu depois que ela percebeu que a civilização já entrou em colapso.

Mas também somos céticos diante daqueles que dizem que um evento futuro específico será o fim de tudo. Cresci com a ameaça da guerra nuclear, chuva ácida, Tylenol adulterado, colesterol e toda uma vasta fauna de cavalheiros do Apocalipse. Ao longo dos anos, os cenários evocados pelos que acreditam no fim do mundo aumentou. Só uma pequena lista das situações apocalípticas que surgiram nos últimos vinte anos dava um texto. Bug do Milênio, antraz, radiação dos telefones celulares, gripe suína, gripe aviária, Sars, tratamentos hormonais, gorduras trans e até a neutralidade da Internet já foram citados como instrumentos através dos quais milhões de pessoas em breve morrerão. Na verdade, toda vez que neva o fenômeno é anunciado como um Armagedon de gelo. Juntamente com esses cavalheirxs do Apocalipse (para se adequar à nossa época sem gênero), contamos com a Morte do efeito estufa empunhando a foice das mudanças climáticas para nos amedrontar sempre que falta algo de novo para nos ameaçar, como o fim da neve ou o fim do mundo daqui a doze anos.

Nós, conservadores, sabemos muito bem que há incêndios no horizonte. Mas as caixinhas de fósforo que nos são apresentadas não nos impressionam. O coronavírus tirará a vida de muitos, com certeza, mas o fato de a imprensa e os órgãos do governo terem ateado fogo aos próprios cabelos não inspira confiança em sua capacidade de previsão.

Motivações políticas

Esse apocalipse em específico está em volto em política, do começo ao fim. Ele é visto como a continuação dos últimos três anos de uma cobertura que tem sido menos sobre a verdade e mais sobre o Homem Laranja. Tínhamos acabado de sair de três anos de mentiras sobre a “Conspiração Russa” e outros supostos males quando o vírus surgiu nas manchetes. Dizer que a cobertura parecia mais sobre Trump e menos sobre a doença é pouca. Ainda que muitos veículos, como o Washington Post e o Vox, realmente começaram a cobrir o assunto dizendo que o vírus não era tão nocivo e que a proibição de voos vindos da China era “racismo”, eles logo entraram no modo “pânico total”, ou no mínimo fingiram isso, depois que Trump assumiu uma postura mais otimista em relação à doença.

A nova posição não foi muito convincente, uma vez que geralmente transmitia uma espécie de alegria diante da possibilidade de o vírus vir a ser “o Katrina do Trump” (como vários jornalistas disseram) e, portanto, o fim da presidência dele. Eles chegaram a fingir indignação quando o presidente chamou o vírus de “vírus chinês”, embora eles próprios tenham usado o termo.

Eles tentaram todas as pegadinhas possíveis e depois usaram o manual do governo chinês contra o governo. Recentemente, personalidades que há cinco minutos estavam furiosas porque o presidente Trump não dava coletivas de imprensa o bastante e não respondia a todas as perguntas (geralmente em tom acusatório) dos repórteres, hoje exigem que essas mesmas coletivas não sejam televisionadas. Isso talvez tenha a ver com a ascensão de Trump nas pesquisas, e não com o direito do público em ter acesso à informação.

Na verdade, a reação política à doença ficou bem clara no projeto de lei que, enquanto escrevo, está sendo votado na Câmara. Os democratas pareciam acreditar que essa era uma oportunidade de enxertar todo tipo de medidas progressistas no projeto de lei que buscava dar alívio a trabalhadores e empresários por causa da quarentena, incluindo bobagens como a obrigatoriedade de diversidade nos conselhos administrativos e do uso de energia solar e eólica. Como teria dito o deputado pela Carolina do Sul James Clyburn a seus colegas: “Esta é uma tremenda oportunidade para reestruturar as coisas de acordo com a nossa visão de mundo”. Enquanto escrevo este texto, o Senado aprovou uma versão do projeto de lei por 96 a 0. Mas a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, ainda está hesitante e prometendo contornar as coisas mais tarde. Se os republicanos estivem no comando da Câmara, eles imediatamente estariam sendo acusados de pôr a política acima das vidas.

Se o Apocalipse serve apenas para equilibrar as futuras eleições e fazer com que o Legislativo aprove coisas que não seriam aprovadas em outra situação — e os progressistas estão dispostos a adiar as medidas de emergência por causa disso — os conservadores não o levarão mesmo a sério.

Um problema de conhecimento

Claro que a maioria dos conservadores que conheço percebeu o sensacionalismo e a politização do vírus bem rápido. Isto é, eles realmente acreditam que o vírus de Wuhan é um problema de verdade e uma ameaça. Uns poucos ainda estão apegados à ideia de que isso é uma ação interna para se livrar do presidente Trump. Acho que isso não faz sentido diante das matérias internacionais, de países amigos do nosso país e presidente e de países que não são nossos amigos. A questão, contudo, não é o fato de o vírus ser um problema, e sim qual o tamanho do problema e quais as medidas mais adequadas para contê-lo.

Quanto à primeira pergunta, sabemos que esse vírus específico parece ser letal para uma pequena parcela da população que o contrai. Boa parte do que dizem os amigos desesperados vem de um estudo do Imperial College que previa que até 1,2 milhão de norte-americanos morreriam mesmo com medidas drásticas de mitigação, sobretudo porque essa pequena parcela da população para a qual o vírus é perigoso precisariam de ventiladores e leitos de UTI escassos em muitos lugares. Os cientistas supunham que uma grande parcela da população seria infectada pelo vírus, daí o objetivo de “achatar a curva” a fim de não sobrecarregar o sistema hospitalar. Houve quem analisasse o estudo e concluísse que teríamos 2 milhões de mortos.

Um dos argumentos dos que se apegam a esse cenário era o de que a doença cresceria exponencialmente, e não aritmeticamente. Muito se falou sobre as pessoas serem incapazes de entender o crescimento exponencial. Mas claro que a maioria das pessoas entende o conceito. Afinal, ele é a base dos planos de enriquecimento rápido.

A dificuldade é que este crescimento exponencial se baseia na suposição de que sempre haverá mais pessoas a serem infectadas (ou para compor a base das pirâmides financeiras). Mas, em determinado momento, tal crescimento exponencial é interrompido. Primeiro porque não são muitas as pessoas que entram em contato com novas pessoas regularmente. Elas veem as mesmas pessoas no trabalho e quando saem para fazer compras. Depois, uma porção da população já contraiu o vírus e agora é imune a ele. Em terceiro lugar, por causa dos alertas precoces, boa parte da população já modificou seu comportamento em termos de contato pessoal, higiene e práticas empresariais.

Quando ao segundo ponto, não sabemos ao certo quem já contraiu o vírus e saiu ileso porque não examinamos pessoas o suficiente. Meus sogros, que vivem no condado de Snohomish, em Washington, onde houve um surto da doença numa casa para idosos, suspeitam que uma doença que eles tiveram em janeiro e fevereiro, com sintomas parecidos com os do coronavírus, era de fato Covid-19. Eles não têm certeza absoluta porque os sintomas que tiveram foram amenos.

Muitas pessoas ao redor do país pensam o mesmo sobre suas doenças. Sem dúvida nem todos estão certos, mas simplesmente não temos como atestar. Conheço uma família na qual outro ou cinco pessoas estão sendo tratadas como se tivessem a doença, mas ninguém fez exame porque não são considerados do grupo de risco. Um amigo que trabalha numa Universidade próxima me diz que sabe de ao menos dez outros casos semelhantes. Pode haver muitos, muitos mais. Se isso for verdade, a porcentagem da população que teve o vírus e não morreu será muito maior do que as estatísticas atuais mostram (e a população disponível para novas infecções diminuiu). Assim, até mesmo o crescimento exponencial talvez não gere a mesma taxa de mortalidade, uma vez que o vírus não é tão letal quanto se acreditava e as pessoas mitigaram sua disseminação de várias formas.

Na verdade, há vários céticos quanto a esses cenários apocalípticos. O dr. John Ioannidas, professor de epidemiologia, bioestatística e codiretor do Meta-Research Innovation Center at Stanford (METRICS) da Universidade de Stanford, escreveu vários textos alertando para as medidas drásticas que estão sendo tomadas com base em informações ruins. Os doutores Eran Bendavid e Jay Bhattacharya, colegas de Stanford, escreveram no Wall Street Journal sobre como os modelos matemáticos usados pelas pessoas que estão tomando as decisões podem ter errado no cálculo das pessoas que já pegaram o vírus. Um estudo feito por uma equipe da Universidade de Oxford também conclui que um modelo matemático indicando que o Reino Unido está num ponto diferente da curva da pandemia tem muitos méritos. Não se sabe ao certo, mas, novamente, o modelo matemático do Imperial College também não.

O problema é que as pessoas que têm raiva do nosso ceticismo têm de aceitar que estão confiando em especialistas que não têm todos os dados. E os especialistas nem sempre concordam uns com os outros.

Não só há essa questão do conhecimento em jogo como as empresas norte-americanas estão trabalhando duro em vários projetos para aumentar nossa capacidade de atendimento e tratar a doença. A GM e a Ford estão convertendo linhas de produção para produzirem mais ventiladores. Pesquisadores da Universidade de Minnesota estão trabalhando duro num projeto para produzir ventiladores a um custo de cerca de US$500 por unidade. Vários testes clínicos de vacinas já começaram nos Estados Unidos e no exterior. Se um deles der certo, pode estar disponível em menos de um ano. Houve sucesso no tratamento de paciências usando vários medicamentos já disponíveis, como os prescritos para malária.

A dificuldade com a multidão que grita “o crescimento é exponencial, estúpido!” é que ela supõe não só que as mortes aumentarão exponencialmente como também que elas permanecerão nesse patamar. Para os que dizer que morrerão 2 milhões de norte-americanos nos próximos 18 meses, eles têm de presumir quase 3.700 mortes por dia ao longo de um ano e meio. Até o número mais baixo, de 1,2 milhão de mortes, exigiria que 2.200 pessoas morressem por dia. Estou disposto a acreditar que o vírus possa acabar matando ou contribuindo para a morte de muito mais pessoas do que uma gripe comum. Mas as previsões lhe parecem razoáveis levando em conta tudo o que está sendo feito não só para mudar nosso comportamento, mas também para resolver o problema?

Conhecimento impreciso x fatos comprovados

Acho que não. Até mesmo Neil Ferguson, o autor do estudo da Imperial College, recentemente revisou seus cálculos a respeito das 500 mil mortes no Reino Unido para 20 mil ou menos. Eu me pergunto o que ele diz sobre os Estados Unidos agora. Mas ainda são cálculos como esses que estão levando a quarentenas e ao fechamento de serviços “não-essenciais” em muitos estados.

O governador do meu estado, Minnesota, anunciou um decreto obrigando as pessoas a ficarem em casa que valerá até o dia 10 de abril. Quando o governador Walz anunciou isso, havia exatamente uma morte no nosso estado, e 287 casos confirmados. (No dia seguinte foi confirmada mais uma morte).

Ainda assim, os cálculos que servem como justificativa para o fechamento de tantas empresas dão conta de que mais de 2,5 milhões de moradores da Minnesota contrairão o vírus, resultando em 60 mil pacientes nos hospitais simplesmente por causa do coronavírus. Um amigo que considera a decisão do governador razoável a defende dizendo que, como o conhecimento é impreciso, é melhor se planejar para o pior. Eu me sentiria tentado a concordar com isso, não fossem todas as outras coisas já mencionadas.

Os conservadores que duvidam da inteligência dessas medidas que estão atreladas à destruição econômica costumam ser acusados de valorizarem mais o dinheiro do que a vida. Mas temos números das pessoas desempregadas. Na semana do dia 21 de março, 3,2 milhões de pessoas pediram seguro-desemprego nos Estados Unidos. Ainda que alguns desses empregos sejam retomados quando as empresas puderem reabrir, muitas pequenas empresas fecharão para sempre. A destruição econômica resultante afetará a saúde de muitos, seja adiando tratamentos ou impulsionando comportamentos desesperados como o uso de drogas e o suicídio. Além disso, quanto mais a quarentena durar, mais procuraremos por pessoas que a estejam violando — sobretudo se a quantidade de mortes não chegar perto das previsões catastróficas. Isso é uma ameaça à ordem pública.

Os conservadores não duvidam que o isolamento talvez seja uma medida necessária em alguns lugares. Setenta por cento das mortes até agora vem de seis estados costeiros com grandes populações urbanas e muito trânsito de viajantes: Nova York (cujas mortes correspondem a 1/3 de todo os Estados Unidos), Washington, Califórnia, Nova Jersey, Geórgia e Louisiana. Os incidentes nesses lugares farão aqueles que querem que todos vivam em locais densamente povoados e que usem sacolas reutilizáveis pararem para pensar. Mas a insistência interminável no argumento de que lugares onde as mortes por gripe comum e acidentes de carro são maiores do que as mortes por coronavírus devem continuar paralisando a economia será vista com uma irritação cada vez maior.

Percebo que muitas das pessoas que insistem que os riscos são altos demais para se manter empresas “não-essenciais” abertas ou permitir que as pessoas saiam de casa geralmente têm salário garantido no fim do mês e funções que podem ser exercidas de casa. Sim, as consequências econômicas dessas quarentenas afetarão o investimento delas, mas elas não deixarão de receber salário imediatamente. Com base na segurança dessas pessoas, contudo, muitos trabalhadores pobres cujas vidas não são apenas uma questão de fazer ajuste na carteira de investimentos ou se certificar de que o wi-fi em suas casas permita que eles continuem prestando consultoria terão dificuldades para sobreviver. Aqueles que costumavam dizer que os pobres não tinham reservas para mais de uma semana estão estranhamente calados agora.

O ceticismo conservador sobre a inteligência dessa abordagem não é uma “teoria da conspiração” nem um desprezo pela vida, e sim a inteligência de tomar decisões com base em riscos e nas incertezas. Não sabemos se teremos muitas mortes. Provavelmente precisaremos manter o distanciamento social no futuro próximo. Vamos ter de mudar a forma como administramos muitos negócios. Infelizmente, teremos de abdicar não só de eventos com multidões de pessoas saudáveis, mas possivelmente assintomáticas, como também de visitas a pessoas que correm mais riscos. Os mais velhos e aqueles com comorbidades que os tornam vulneráveis terão de lidar com uma solidão e um isolamento maiores. Esse é um dos aspectos mais tristes dessa crise.

Mas é melhor mantermos parte da população isolada e socialmente distante até que haja mais conhecimento sobre o vírus do que manter todo o país paralisado e isolado, causando danos econômicos inéditos que terão repercussões de saúde sérias. Temos a opção de manter os negócios funcionando com algumas regulações para garantir a segurança de trabalhadores e clientes. O Tennessee inteligentemente decidiu ir por esse caminho.

Podemos continuar proibindo aglomerações por um tempo. Não podemos é continuar a tomar decisões drásticas que afetam a vida de milhões de pessoas com base em cenários catastróficos que não levam em conta nem nossa falta de conhecimento sobre nosso lugar na curva nem a mitigação já provocada pelas mudanças de hábito ou estilos de vida diferentes em lugares diferentes ou medidas tomadas pelos estados, pelas autoridades médicas e empresas para aliviarem a crise se a quantidade de doentes realmente disparar.

O ceticismo conservador tem seus limites, mas nessa pandemia esses limites ainda não foram alcançados.

David Deavel é colaborador do The Imaginative Conservative, editor do Logos: A Journal of Catholic Thought and Culture e professor da Universidade de St. Thomas (Minnesota).

© 2020 The Imaginative Conservative. Publicado com permissão. Original em inglês
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]