• Carregando...
O general Augusto Pinochet, do lado de fora de sua casa em Santiago, nesta foto de arquivo de 23 de agosto de 1997. Pinochet, que governou o Chile de 1973 a 1990 e passou a velhice lutando contra acusações de violação de direitos humanos, fraude e corrupção, morreu em 10 de dezembro de 2006, uma semana depois de sofrer um ataque cardíaco
O general Augusto Pinochet, do lado de fora de sua casa em Santiago, nesta foto de arquivo de 23 de agosto de 1997. Pinochet, que governou o Chile de 1973 a 1990 e passou a velhice lutando contra acusações de violação de direitos humanos, fraude e corrupção, morreu em 10 de dezembro de 2006, uma semana depois de sofrer um ataque cardíaco| Foto: Claudia Daut / Arquivos (CHILE)

Quase 13 anos após sua morte, Augusto Pinochet voltou à pauta na última semana, depois que se revelou a tentativa de realizar uma homenagem ao ex-ditador chileno na Assembleia Legislativa de São Paulo. Embora derrubada, a iniciativa pela sessão solene voltou a fortalecer as vozes em defesa do general que mandou no Chile entre 1973 e 1990. Em tempos de homenagens, convém lembrar que, para além das sistemáticas violações de direitos humanos, Pinochet é um personagem cujo caráter vem sendo questionado, há décadas, por várias outras razões.

1-Era corrupto

Pelas informações conhecidas atualmente, Augusto Pinochet foi o presidente que mais verbas públicas desviou na história do Chile. Em 2018, a Suprema Corte do país condenou quatro militares por colaborar com o ditador – morto em 2006 – para enviar US$ 17 milhões (R$ 71 milhões) para uma conta privada mantida pelo general, sob nome falso, em um banco norte-americano.

O “Caso Riggs”, nome do banco onde Pinochet escondia o dinheiro, veio à tona em 2004, pouco antes da morte do general, como parte de uma ampla investigação do Senado dos Estados Unidos relacionada ao financiamento do terrorismo internacional – a polícia secreta de Pinochet esteve envolvida em um atentado a bomba de grande repercussão ocorrido em plena capital dos EUA, em 1976, que causou a morte de Orlando Letelier, um importante opositor do regime, e sua assistente que era cidadã americana.

Os desvios milionários não foram o único episódio de corrupção envolvendo Pinochet. Outro caso conhecido é o escândalo dos “Pinocheques”, uma série de cheques do final dos anos 1980 que totalizaram US$ 3 milhões de dólares pagos pelo Exército – sob comando direto do ditador – a Augusto Pinochet Hiriart, filho mais velho do ditador.

2- Ameaçou a democracia para não ser investigado

Pinochet deixou a presidência em 1990, mas seguiu no comando do Exército Chileno por mais oito anos depois disso. Essa situação permitiu que o general continuasse tutelando e ameaçando os primeiros governos da época da transição democrática – muitas vezes, em benefício próprio.

Em 1993, quando a Justiça chilena cogitou reabrir o caso “Pinocheques” para investigar a extensão do envolvimento do general no pagamento milionário ao próprio filho, Pinochet imediatamente colocou soldados nas ruas: o episódio ficou conhecido como Boinazo, e é lembrado como a maior ameaça de um novo golpe militar após o fim da ditadura. Em 28 de maio de 1993, soldados com uniformes de batalha, os rostos pintados e boinas pretas (daí o nome do episódio) tomaram as ruas ao lado do palácio presidencial, em uma demonstração de força.

O medo de uma nova quebra da democracia foi mais forte porque, na ocasião, o então presidente Patricio Aylwin estava em viagem oficial à Europa e não pôde reagir à crise de imediato. Temendo que Pinochet fosse adiante com as ameaças, o governo tratou de abafar o caso e não levou em frente as investigações na época.

3- Era racista

Na fase final da ditadura, quando as pressões internacionais fizeram Pinochet aceitar um plebiscito pela continuidade de seu governo (que ele acabou perdendo), o ditador buscou fortalecer uma imagem popularesca, frequentando eventos e visitando comunidades indígenas.

Em privado, porém, o ditador transparecia seus preconceitos. É o que revelam documentos da CIA desclassificados desde os anos 1990, e reunidos em The Pinochet File, livro organizado por Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação do Chile no National Security Archive dos EUA. Em uma reunião de 1976 com o secretário de estado norte-americano, Henry Kissinger, Pinochet compara o Chile ao Peru: “somos um povo de energia. Não temos índios”.

Relatos de prisioneiros detidos no início da ditadura também destacam que a repressão pinochetista se dedicou a prender o máximo possível de imigrantes negros, acusados de serem terroristas estrangeiros vindos de Cuba ou do Brasil.

4- Protegeu um pedófilo nazista

Um dos mais infames aliados de Pinochet, o médico alemão Paul Schäfer, havia fugido de seu país natal após o nazismo cair em desgraça. Na Segunda Guerra, ele havia atuado junto às tropas de Hitler e, após a derrota, jamais se afastou da ideologia. Ele chegou ao sul do Chile em 1961, onde fundou uma seita próxima a Parral, uma cidade a 350 km ao sul de Santiago.

Lá, no que chamou “Colônia Dignidade”, estimulava o culto à própria personalidade e mantinha seus seguidores em um regime análogo à escravidão, trabalhando até 16 horas diárias e sem dia de descanso. Também proibiu casamentos, matou recém-nascidos e forçou as mulheres da seita a abortar – tudo deveria girar em torno dele. Mas a atrocidade pela qual se tornou mais conhecido foi mesmo a pedofilia: Paul Schäfer abusava sexualmente dos menores de idade que viviam na “colônia”.

A ditadura de Pinochet, em vez de investigar ou punir Schäfer pelos crimes que já se suspeitavam nos anos 1970, decidiu colaborar com ele: aproveitou os contatos do alemão para comprar armas traficadas e, valendo-se do isolamento da Colônia Dignidade, transformou-a em um dos centros de tortura mais temidos do regime. Pelo menos 38 prisioneiros políticos morreram ali, vítimas dos horrores infligidos por Schäfer e agentes militares, tudo sob a bênção do general.

O pedófilo nazista só teve sua tranquilidade ameaçada após o retorno à democracia. Em 1997, fugiu para a Argentina, onde viveu clandestinamente até ser preso oito anos mais tarde. Julgado e condenado por pedofilia, Schäfer foi extraditado ao Chile e morreu em uma prisão do país em 2010.

5- Traiu seus aliados

Logo após o golpe de 11 de setembro de 1973, Pinochet buscou estruturar a repressão através da criação de uma polícia secreta para investigar e perseguir opositores – além de organizar atentados no exterior, como no caso Letelier. A Direção de Inteligência Nacional (DINA) só foi fundada oficialmente em junho de 1974, mas, na prática, já operava desde o final do ano anterior. Nela, Pinochet reuniu alguns dos seus oficiais de confiança, que conduziriam as prisões, torturas e execuções em seu nome, enquanto blindavam o general.

O homem forte da DINA era o então coronel Manuel Contreras, que se tornou a face da repressão. Quando o cerco começou a se fechar, porém, Pinochet não hesitou em jogá-lo aos leões: primeiro, conforme a pressão internacional pelas violações de direitos humanos começou a ameaçar seu governo, o ditador rapidamente deu um fim à DINA em agosto de 1977, substituindo-a por outra organização e tirando todos os poderes de Contreras. Depois, uma nova traição ao velho braço-direito: nos anos 90, enquanto os primeiros governos democráticos tentavam punir os mandantes da repressão, Pinochet não fez grande esforço para defender Contreras, desde que mantivesse a própria liberdade.

Preso e condenado, Manuel Contreras foi para a cadeia pela primeira vez em 1995, e os processos judiciais continuaram se acumulando contra ele. Quando morreu, em 2015, Contreras já acumulava penas que somavam mais de 549 anos de prisão.

6- Foi acusado de traficar drogas

Manuel Contreras não deixou barato a traição de Pinochet: em julho de 2006, ele começou a revelar o envolvimento do general em uma série de esquemas de enriquecimento ilícito, e acusou o ex-ditador de se beneficiar do narcotráfico. Segundo a versão de Contreras, o Exército Chileno usava um complexo químico em Talagante, cidade próxima de Santiago, para processar – a mando de Pinochet – a chamada “cocaína negra”, mais difícil de identificar pelos métodos tradicionais utilizados pelas polícias.

As denúncias de Contreras corroboravam antigas suspeitas que vinham desde o início da ditadura, mas as investigações que confirmariam o envolvimento de Pinochet no tráfico não foram adiante: o general morreu apenas quatro meses depois de o escândalo vir à tona e o caso segue adormecido desde então. Em 2016, jornalistas chilenos solicitaram ao Departamento de Justiça dos EUA documentação que pudesse implicar Pinochet no narcotráfico, através da Lei de Transparência norte-americana (FOIA, na sigla em inglês). A resposta: havia quase 3 mil páginas de investigações da DEA, órgão que controla as drogas nos EUA, relacionadas a Pinochet. Todas, porém, seguem censuradas.

7- Inventou doenças para fugir da Justiça

Em 1998, durante uma visita a Londres, Pinochet foi detido pela Interpol a pedido da Justiça espanhola. O entendimento era que o ditador havia cometido crimes contra a humanidade e terrorismo internacional, o que tornaria aplicável o conceito da jurisdição universal – segundo o qual determinados crimes podem ser alvo de investigação independentemente do local onde tenham ocorrido, ou da cidadania do acusado. Pinochet permaneceu 503 dias detido na Inglaterra e foi liberado, ironicamente, sob argumentos humanitários: devido à idade avançada, já não estaria em condições de responder a um processo.

Ele retornou ao Chile, mas a repercussão do caso tornou impossível que a Justiça local seguisse ignorando os crimes dos quais o ex-ditador era acusado. Cada vez que uma nova demanda judicial surgia, porém, Pinochet e seus advogados saíam-se com novas desculpas: argumentavam que o general estava senil, com Alzheimer cada vez mais avançado, e à Justiça ele respondia de forma desconexa ou com vários esquecimentos. No entanto, as suspeitas cresciam quando, fora dos tribunais, Pinochet mostrava ainda estar lúcido, conversando abertamente com a imprensa internacional, como em um famoso perfil publicado pela revista New Yorker ainda em 1998 ou em uma entrevista dada a um canal de TV de Miami, em 2003, que derrubou a tese de seus advogados de que não poderia responder judicialmente.

A tentativa desesperada de se apresentar como demente para fugir da Justiça transformou Augusto Pinochet em chacota internacional. Em 2006, um artigo satírico publicado no conceituado British Medical Journal propunha a criação de critérios para diagnosticar uma nova doença: a “Síndrome de Pinochet”, quando a saúde debilitada é citada convenientemente como uma razão para interromper investigações judiciais sobre crimes contra a humanidade cometidos por um ex-presidente.

Conteúdo editado por:Jones Rossi
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]