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O cientista chinês He Jiankui apresenta seu trabalho na II Cúpula Internacional sobre Edição do Genoma Humano na Universidade de Hong Kong (China), no dia 28 de novembro de 2018.
O cientista chinês He Jiankui apresenta seu trabalho na II Cúpula Internacional sobre Edição do Genoma Humano na Universidade de Hong Kong (China), no dia 28 de novembro de 2018.| Foto: EFE/ Alex Hofford

Em novembro de 2018 eclodiu a notícia de que o biofísico chinês He Jiankui teria feito edição genética em embriões humanos com a técnica CRISPR (pronuncia-se “crísper”). A técnica é baseada em um sistema molecular de defesa de algumas bactérias contra invasão de vírus que permite cortar e colar com uma precisão sem precedentes qualquer tipo de DNA, incluindo o humano. O cientista havia implantado dois embriões humanos geneticamente modificados no útero de uma gestante, e um terceiro em outra gestante. Duas meninas gêmeas já estavam nascidas. No ano seguinte, a terceira criança nasceu, e uma corte chinesa condenou He Jiankui a três anos de prisão. Ele foi libertado este mês.

As ações do cientista atraíram condenação internacional. O tribunal que o condenou disse que ele “violou deliberadamente” as normas médicas da China e que “aplicou inescrupulosamente tecnologia de edição genética na medicina de reprodução humana assistida”. Segundo a revista MIT Technology Review, que revelou o projeto dos bebês CRISPR, He Jiankui atendeu o telefone no começo do mês, mas declarou que “não é conveniente conversar a respeito no momento”. O cientista é descrito por conhecidos como “idealista, ingênuo e ambicioso”. Ele estudou nas universidades americanas de Rice e Stanford. Após o furo do site do MIT em novembro de 2018, He correu ao YouTube para anunciar o nascimento nas gêmeas “Nana e Lulu” em inglês.

Editando gente

Os experimentos em embriões humanos que levaram às três crianças geneticamente modificadas foram feitos na Universidade Austral de Ciência e Tecnologia na cidade de Shenzhen. A intenção era introduzir nos embriões uma mutação no gene CCR5, que codifica uma proteína da superfície de células de defesa que o HIV usa em sua infecção. O pai das gêmeas é soropositivo. Cerca de 10% de europeus do norte carregam no gene uma mutação natural chamada delta-32, que confere resistência a algumas cepas do HIV em homozigotos (com cópias da mutação nos dois cromossomos), e mais latência no avanço do quadro de AIDS em heterozigotos (com uma só cópia da mutação).

He pode não ter conseguido reproduzir a delta-32 perfeitamente, causando acidentalmente possíveis mutações com outros efeitos funcionais desconhecidos. Ele também pode não ter conseguido mudar todas as cópias do CCR5 nas meninas, que por isso são mosaicos genéticos para a mutação artificial (ou seja, a carregam em alguns tecidos do corpo, mas não em outros) ou heterozigotas para ela. As informações sobre as três crianças, no entanto, ainda são escassas.

Para o geneticista Fyodor Urnov, que estuda edição de genomas com CRISPR na Universidade da Califórnia em Berkeley, não há circunstâncias que justifiquem modificação genética de embriões humanos, mas ele apoia a edição após o nascimento para amenizar algumas doenças genéticas raras. Urnov não é o único que pensa que é aceitável usar a engenharia genética para livrar crianças de doenças genéticas congênitas.

Uma pesquisa do Pew Research Center mostrou que a maioria da população em 20 países apoiam este uso específico da tecnologia: 70% concordam globalmente, com um máximo de 88% na Espanha e uma maioria menos expressiva de 57% no Japão. No Brasil, 73% aprovam este uso. Porém, quando a pergunta foi se a edição genética seria aceitável para tornar o bebê mais inteligente, uma maioria de aprovação foi obtida somente na Índia (64%). 82% dos entrevistados globalmente reprovam esse uso, entre eles 68% dos brasileiros. Entre os três países das Américas incluídos, no entanto (EUA, Canadá e Brasil), os 27% de brasileiros que aprovam aumentar a inteligência pela engenharia genética são o grupo mais expressivo com essa opinião. A pesquisa é de dezembro de 2020.

Atalhos éticos

Além de possivelmente ter falhado em seus objetivos ao editar os embriões, He Jiankui também tomou atalhos nos procedimentos éticos. Não justificou a necessidade dessa edição genética nos embriões dessas meninas. Elas têm um pai HIV positivo, mas estão fora de risco de contrair HIV dele. Hoje as drogas antirretrovirais permitem uma vida praticamente normal aos soropositivos. Os que possuem carga viral indetectável têm menos chances de transmitir o vírus do que pessoas que não sabem o seu status de infecção por falta de rotina de testes. Portanto, do ponto de vista moral e médico, a intervenção foi desnecessária.

O formulário de consentimento para os pais assinarem foi criado pelo próprio He Jiankui e não segue os padrões exigidos. Além disso, mais parece um contrato de negócios, no qual há maior preocupação com os lucros dos direitos de imagem das crianças do que com a saúde delas.

Publicou, concomitantemente ao experimento e junto com um profissional de relações públicas, um artigo de bioética sobre edição genética. No artigo, He dá conselhos que ele próprio violou com esse experimento.

Problemas com a técnica

Propostas para regular globalmente pesquisas em humanos como a de He encontram-se paradas, especialmente após a pandemia, que tirou as atenções da questão. A própria origem do novo coronavírus também levanta questionamentos sobre a eficácia da regulação da pesquisa médica.

Enquanto ele estava preso, descobriu-se que a técnica CRISPR pode remover cromossomos inteiros dos embriões com ela tratados, algo muito preocupante e que pode resultar em deficiências severas. Outras equipes que trabalham em edição genômica humana ao redor do mundo acreditam que a tecnologia ainda não avançou a ponto de se iniciar aplicações clínicas neste momento.

Além disso, a tesoura CRISPR não parece tão afiada quando se pensava, pode cortar o DNA no lugar errado e introduzir mutações. Um estudo publicado na revista PNAS indicou que 16% dos embriões humanos tratados com a técnica tinham esse problema. A nova tecnologia continua sendo uma esperança para males genéticos como fibrose cística, doenças de Tay-Sachs e de Huntington (que levam à neurodegeneração em crianças e adultos, respectivamente, causando morte prematura), entre outras.

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