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Sem narração, documentário deixa para o espectador a tarefa de interpretar o luto coletivo pela morte de um dos mais sanguinários líderes do século XX.
Sem narração, documentário deixa para o espectador a tarefa de interpretar o luto coletivo pela morte de um dos mais sanguinários líderes do século XX.| Foto: Reprodução

Quem diria que, num intervalo de cinco anos, teríamos não um, mas dois filmes sobre um dos acontecimentos mais felizes da história: a morte de Joseph Stalin? Depois da comédia “A Morte de Stalin", de 2017, ao novo filme falta o lado cômico. Intitulado “State Funeral” [Funeral de Estado], é um documentário que parece ter saído da máquina de propaganda soviética.

E meio que foi mesmo. Quando o camarada Joe morreu, em 1953, considerado “gênio supremo” pelo New York Times, a gloriosa máquina de propaganda socialista entrou em ação, enviando equipes de documentaristas para acompanhar o embalsamento do corpo, então na Casa dos Sindicatos, em Moscou, antes de ser levado para seu túmulo temporário na Tumba de Lenin (onde permaneceu até 1961).

As equipes também registraram as exéquias de camaradas nas ruas, filmadas em todas as esquinas do Império do mal. As cenas de aberturas nos conduzem a tomadas longas e extremamente tediosas do luto exibido, ou encenado, por multidões de cidadãos que ouvem melancolicamente o anúncio da morte de Stalin em alto-falantes. Daí somos levados ao aeroporto, de onde vemos chegarem delegações da Hungria, Polônia, Tchecoslováquia e do Partido Comunista do Reino Unido. Durante cinco minutos vemos centenas de coroas de flores sendo depositadas em Moscou.

E assim o documentário continua por mais de duas horas. Não há narração, não há contexto histórico explicado por especialistas, não há interpretações dos relatos. Exceto pela música clássica que funciona como trilha, basicamente observamos apenas o que foi captado pelas câmeras e microfones nelas embutidos nos dias seguintes à morte de Stalin. “State Funeral” é o que os pretensiosos chamam de “cinema puro” e o que eu chamo de “cenas de arquivo”.

Todo esse material foi reunido para um documentário soviético intitulado “O Grande Adeus” e que nunca foi lançado. A equipe de restauração fez um grande trabalho e o filme parece novo. Filmado tanto em cores quanto em preto e branco, as imagens parecem ter sido feitas neste ano. Vale a pena, ao menos por alguns minutos, estudar as expressões na multidão enlutada. “Aquele cara está abrindo um risinho?”. Até que ponto as pessoas estão fingindo para as câmeras? Quem sabe? Por isso é útil ler diários ou as memórias que as pessoas compartilharam posteriormente.

Hoje em dia, contudo, Stalin atrai a admiração de muitos russos. Quando você vive num Estado totalitário baseado na desinformação, talvez você passe a admirar o homem ao redor do qual se criou todo um culto à personalidade. Por outro lado, se você não tivesse vocação para fazer o que o regime esperava de você em 1953, você estaria morto há muito tempo. O que quer que estivesse passando pela cabeça das pessoas, elas foram hábeis em esconder. O espectador de hoje não aprenderá muito assistindo a 15 minutos de cidadãos em pé, ouvindo à propaganda estatal nas praças.

O formato sem contexto do documentário é adorado por muitos críticos, mas não por mim. Não abro um livro de história esperando encontrar memorandos e documentos de determinado período. Espero que um documentarista (neste caso o diretor Sergei Loznitsa) faça o mesmo trabalho de qualquer diretor, isto é, que ele edite as imagens para construir uma narrativa, e não apenas descarregue um monte de imagens, dando de ombros e esperando que as interpretemos.

Apesar de o filme trazer imagens dos camaradas de Stalin, como Nikita Khrushchev, Georgy Malenkov, Vyacheslav Molotov e Lavrentiy Beria, ele sequer se dá ao trabalho de identificá-los para a plateia e muito menos discute quem foram. Um documentário tampouco deve abusar do tempo e da paciência da plateia, que passa cinco ou dez minutos diante de imagens repetitivas, como as de pessoas participando de um desfile fúnebre ou se enfileirando perto do caixão. Espero que as imagens usadas em “State Funeral” sejam reutilizadas para que se faça um filme de verdade, mas não acredito que isso vá acontecer.

Kyle Smith é membro do National Review Institute e crítico cultural da National Review.

© 2021 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
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