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Depois de promover concurso de miss infantil, Silvio Santos aparece, em vídeo de 2016, perguntando se menina prefere “sexo, poder ou dinheiro”.
Depois de promover concurso de miss infantil, Silvio Santos aparece, em vídeo de 2016, perguntando se menina prefere “sexo, poder ou dinheiro”.| Foto: SBT/ Fotos Públicas

Silvio Santos aprontou de novo. No dia 22 de setembro, o apresentador de 88 anos exibiu em seu programa um concurso de beleza infantil com meninas de no máximo 10 anos usando trajes de banho. O quadro, que copia os tenebrosos concursos de beleza infantil americanos e que em outra época e contexto seria considerado mais “um golpe de mestre do gênio da comunicação”, gerou revolta. O Instituto de Psiquiatria da USP divulgou nota de repúdio. A Promotoria de Justiça de Osasco, onde fica a sede do SBT, instaurou inquérito civil.

Nos últimos anos, o comunicador dono do SBT tem acumulado episódios controversos, sob o aplauso de uns e vaia de muitos. O mais recente deles é a divulgação de um vídeo de 2016 em que o apresentador pergunta a uma menina, em troca de mil reais, o que ela acha melhor: sexo, poder ou dinheiro.

Como se de repente percebesse a gafe monumental, ele ri a sua risada característica e a câmera procura a plateia, que aplaude a sandice.

Uso político do mau gosto

Mas não se engane: boa parte da indignação diante do inegável mau gosto de Silvio Santos não tem nada de virtuoso. Não à toa, as vozes mais escandalizadas são todas de esquerda radical. O ator Pedro Cardoso, por exemplo, publicou no Instagram um longo desabafo que começa com um péssimo trocadilho: “Faz tempo que venho querendo falar sobre Silvio, que de santo não tem nada”.

Usando o concurso de beleza como desculpa, Cardoso segue dizendo que “Silvio participa de longa data do projeto fascista brasileiro. Agora é o garoto propaganda declarado dele”. Adiante, diz que várias concessões públicas de rádio e TV querem “minar as bases da nossa democracia” e termina seu desabafo com “rádios e TVs, (sic) devem ser lugar de seriedade. Viva a TV Cultura”.

Igualmente escandalizada, a jornalista Bárbara Gancia usou o vídeo de três anos atrás, no qual Silvio Santos aparece perguntando a uma menina se ela prefere “sexo, poder ou dinheiro”, para pedir nada menos do que a prisão de Silvio Santos, a quem ela chama de “tarado decrépito”. “Ele deveria mesmo é ser condenado e preso pelos crimes contra a economia popular que passou a vida inteira cometendo”, escreveu ela.

O YouTuber Felipe Neto, o mais novo queridinho da esquerda brasileira, também deu seu pitaco sobre o caso. Aliás, foi ele, que não gosta que usem antigos vídeos controversos de sua autoria, feitos quando ele ainda não era “socialmente consciente”, quem desenterrou o vídeo de Silvio Santos fazendo a abominável pergunta à menina. “Adivinha quem não falou absolutamente nada?”, pergunta ele, para imediatamente responder com uma série de nomes que ele considera representantes do conservadorismo brasileiro, incluindo “psicóloga que falou que sou má influência”.

Repare que o que motiva a indignação de Felipe Neto não é a pergunta de Silvio Santos em si, e sim o silêncio daqueles que ele considera conservadores.

Outros que se manifestaram foram a autoexilada escritora Marcia Tiburi, o deputado federal Paulo Pimenta, do PT, a cantora Zélia Duncan, que tentou atrair a ministra Damares Alves para a polêmica, e a ex-deputada Manuela D´Ávila, a mesma que há algum tempo pedia votos para a funkeira Mc Carol.

O limite entre o politicamente incorreto e a ofensa pura e simples

A fim de se contrapor à indignação seletiva da esquerda, a mesma que se expressa por meio de um golden shower público ou que exalta a libertação sexual do funk, sempre aparece alguém para “passar pano” para Silvio Santos, reclamando do puritanismo hipócrita do nosso tempo, apontando a “genialidade incontestável” do apresentador ou simplesmente exaltando o lado irreverente, questionador e politicamente incorreto de um homem que não se submete a nenhuma patrulha.

Mas não há nada de virtuoso no fato de um apresentador octogenário mostrar meninas em trajes de banho para terem seus corpos avaliados por adultos. Não há nada de politicamente incorreto em perguntar se uma menina prefere “sexo, poder ou dinheiro”. Não há nada de genial em dizer que uma menina não vai ser famosa porque tem cabelos cacheados. Não há nada de divertido ou contestador ou corajoso em dizer a uma mulher que ela é bonita “apesar de ser negra”.

O que há, neste e em tantos quadros e celeumas protagonizadas por Silvio Santos, e o que é preciso ser combatido assim como se combate a vulgaridade e a sexualização do funk, por exemplo, é uma exaltação do mau gosto a fim de criar uma relação de diabólica empatia com as parcelas menos instruídas da população – justamente aquelas que consomem o divertimento oferecido por Silvio Santos. Há, em todos os exemplos citados acima, um quê de barbárie, daquele mundo cão que Silvio Santos tão bem sabe explorar.

A objetificação das mulheres não é um valor conservador, assim como a exploração de meninas ou as falas que sugerem aquele “racismo brando” tão típico dos brasileiros. O ganho econômico por meio de jogos e de títulos de capitalização tampouco são valores que se possa atrelar à direita, seja ela liberal ou conservadora.

Menos louvável, do ponto de vista econômico, político ou moral, é a proximidade com os poderosos a fim de conseguir favores, prática que hoje recebe o nome bonito de rent seeking, mas que não passa de parasitismo mesmo. Vale lembrar que o mesmo Silvio Santos que aparece ao lado do presidente Jair Bolsonaro no desfile de 7 de setembro é aquele que pediu (e recebeu) favores dos generais Geisel e Figueiredo.

A responsabilidade dos pais

Nos casos objetivos em questão, há que se pensar ainda até que ponto os pais daquelas meninas são responsáveis por expô-las ao degradante papel de terem seus corpos avaliados e de responderem à absurda pergunta de Silvio Santos em troca de dinheiro, de cartelas da Tele-Sena ou de qualquer outro prêmio que estivesse sendo oferecido.

O uso de crianças para se conquistar audiência é um recurso fácil e estética e moralmente indefensável desde, sei lá, o estrondoso e custoso sucesso dos Jackson 5. Mas é um recurso do qual a televisão brasileira tradicionalmente abusa, com o consentimento explícito dos pais.

Não que seja necessária nem muito menos desejável uma ordem de um Siro Darlan qualquer proibindo toda e qualquer criança de exibir seus minitalentos na TV. Mas a decisão de expor o filho ou filha ao escrutínio público de qualquer tipo (inclusive nos muito elogiados e comentados concursos de calouros) precisa levar em conta as consequências muitas vezes nocivas da fama precoce.

A desculpa da idade

Silvio Santos tem 88 anos. E a idade dele é sempre mencionada para se justificar seu comportamento questionável. Não é raro encontrar quem admire a vitalidade do apresentador e que o veja como um vovozinho querido falando deliciosas bobagens nas tardes de domingo, sem ter de prestar contas a ninguém.

O problema é que, por força da idade ou por um cálculo nada senil, Silvio Santos põe em risco até mesmo sua inegável história como ícone cultural da TV brasileira. Porque você e eu podemos não gostar da estética extremamente kitsch do SBT, com uma plateia que se digladia para pegar aviõezinhos de dinheiro no ar e que expõe dramas familiares em troca de um exame de DNA. Mas não dá para dizer que, justamente por essa estética kitsch, por seus bordões e pela simples presença longeva na casa de muitos brasileiros, Silvio Santos é um ícone merecedor de um extenso verbete na história da televisão brasileira.

Talvez seja hora de Silvio Santos parar. Ou de ser parado. De dar um passo para o lado e permitir, com aquela humildade característica não dos homens mais bem-sucedidos, e sim dos homens sábios, que uma nova geração, de preferência com valores mais nobres, assuma o espetáculo. É isso ou continuar se submetendo ao implacável policiamento hipócrita da esquerda, ao incontornável peso do tempo e à decadência natural das faculdades cognitivas, convertendo cada vez mais antigos fãs em novos detratores, até que Silvio Santos se veja reduzido a uma figura repulsiva que certamente não combina com a risada contagiante que, um dia, alegrou de verdade nossas tardes de domingo.

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