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O ator suiço Bruno Ganz (E) no papel do ditador alemão Adolf Hitler e Heino Ferch como arquiteto de Hitler, Albert Speer, em uma cena do filme "A Queda". | Divulgação-
O ator suiço Bruno Ganz (E) no papel do ditador alemão Adolf Hitler e Heino Ferch como arquiteto de Hitler, Albert Speer, em uma cena do filme "A Queda".| Foto: Divulgação-

Durante mais de mil anos, as tribos da Europa olharam para o cinzento Canal da Mancha e pensaram em conquista. "Temos que nos vingar de seis séculos de insultos", disse Napoleão. Eu estive lá, na mesma semana entre o fim de maio e o início de junho em que os exércitos francês e britânico foram encurralados, e seriam destruídos, pela máquina de guerra nazista, há 77 anos.

Talvez muitas pessoas não saibam, assim como Donald Trump comenta sobre coisas óbvias que acabou de descobrir, que o milagre da evacuação de Dunquerque continua a ser um dos grandes "e se" da história de todos os tempos. 

A história alternativa está na moda agora. Uma série de televisão imagina os Estados Unidos sob o domínio alemão e japonês ("The Man in the High Castle"); outra, sendo produzida pela HBO, vai nos fazer imaginar um novo mundo igualmente horrível, com a Confederação escravagista existindo até hoje. 

Ambos os cenários são absurdos, mas a questão da suástica sobre o Tâmisa é muito mais do que ficção de Hollywood. 

Graças ao filme "Dunkirk" – um olhar mais íntimo, senão improvável, para o que Winston Churchill chamou de "desastre militar colossal" –, os mais revoltados com as atuais políticas insensíveis dos Estados Unidos podem se voltar para os dias em que grandes mentes guiavam as democracias ocidentais. Mesmo deixando os franceses meio de lado, o filme é uma dose de energia com fundo especulativo. 

Entre 26 de maio e 4 de junho de 1940, os britânicos foram capazes de evacuar mais de 330 mil tropas aliadas de uma praia francesa em Dunquerque, auxiliados por uma flotilha de barcos de pesca, recreativos e outras pequenas embarcações. As tropas haviam se retirado desordenadamente; quem lá permaneceu era alvo fácil para um golpe fatal. O lar parecia muito próximo para os soldados que se amontoavam na areia, ameaçados pelos nazistas. 

Leia também: Dunkirk: tudo o que você precisa saber sobre a história real que originou o filme

No final de agosto de 1940, a maioria da Europa Ocidental estava sob o controle da Alemanha ou de Estados fantoches. Será que a Inglaterra ia cair também e facilitar a criação de um império nazista, com seu terrível genocídio judeu, que poderia ter durado muito além do fim da guerra, em 1945? 

A primeira grande questão é: por que os alemães não dizimaram todos que estavam na praia? Surpreendentemente, um dia antes da evacuação, a Blitzkrieg fez uma pausa. Os historiadores dizem que as tropas alemãs precisavam de descanso e queriam se fortalecer para um ataque final dos aliados no mar. Além disso, havia a probabilidade de os tanques terem problemas de acesso, e o clima não era o ideal para um ataque aéreo. 

De fiasco a triunfo

Os franceses, ainda ridicularizados por deixar Paris cair em aproximadamente um mês, heroicamente detiveram os alemães por alguns dias no perímetro de Dunquerque. Eles podem ter salvado mais de cem mil vidas com sua ação na retaguarda

Mais tarde, um comandante alemão considerou a ordem de parada um dos maiores erros da guerra. A maioria dos soldados resgatados ia viver para continuar lutando, muitos desembarcaram na Normandia, quando os aliados voltaram para reconquistar o continente, quatro anos mais tarde. 

O fiasco em Dunquerque se tornou um triunfo moral na Inglaterra, mas isso levanta a segunda grande questão: no auge de seu poder, por que os alemães não cruzaram o canal e marcharam em direção a Londres? 

"Hitler sabe que terá que nos vencer nesta ilha ou perder a guerra, mas se caírmos, então todo o mundo, incluindo os Estados Unidos, incluindo tudo o que temos e com que nos importamos, vai afundar no abismo de uma nova Idade das Trevas, ainda mais sinistra e talvez mais duradoura pelo uso de uma ciência pervertida", disse Churchill a seus compatriotas, em 18 de junho de 1940.

E havia também o temor de que os nazistas pudessem conseguir a bomba atômica. Imagine os alemães controlando a Europa até os Urais, dando ao mais maligno dos homens tempo suficiente para desenvolver a arma letal. 

Como Churchill disse, não se tratava apenas da Grã-Bretanha, mas das terras sob controle do império, incluindo os campos de petróleo do Oriente Médio. Os Estados Unidos, que tinham seu próprio movimento de apaziguamento em desacordo com Franklin Roosevelt, trilhou um longo caminho até entrar na guerra. 

Os generais de Hitler elaboraram planos para uma invasão da Grã-Bretanha, a Operação Leão Marinho, mas antes que ela ocorresse, a Luftwaffe teria que destruir a Força Aérea Real (RAF). 

A Inglaterra resistiu – e conquistou sua "melhor hora", na famosa frase de Churchill – porque a RAF derrotou a força aérea de Hitler na Batalha da Grã-Bretanha, que durou cerca de um mês. 

Mesmo que a Inglaterra fosse ocupada, é justo acreditar que um vigoroso movimento de resistência forçaria a Alemanha a manter um enorme contingente para garantir a posse da ilha. E Hitler, é claro, tinha outras coisas em mente: a invasão da União Soviética

Andando pela areia à beira do Canal da Mancha, não dá para evitar ver aqueles rapazes tremendo em Dunquerque, parte da geração da Segunda Guerra Mundial que logo nos deixará por completo. Antes que desapareçam nas engrenagens da história, devemos-lhes outro profundo agradecimento pelo fato de a especulação não passar disso: ser apenas especulação.

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