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Pelicanos invadem jardim zoológico e botânico de Wilhelma, em Stuttgart,  em 20 de maio de 2020, em meio à pandemia de coronavírus Covid-19.
Pelicanos invadem jardim zoológico e botânico de Wilhelma, em Stuttgart, em 20 de maio de 2020, em meio à pandemia de coronavírus Covid-19.| Foto: THOMAS KIENZLE / AFP

O lockdown está terminando na Itália e em outros países. No dia 11, a França reabriu as escolas e a maioria das atividades que estiveram paralisadas. Mas há quem queira o contrário. Não apenas por uma prudência compreensível (por medo de que a retomada da vida social possa reiniciar o contágio), mas sobretudo porque, ideologicamente, um modelo de vida ideal está sendo experimentado com o lockdown.

Essa é a intenção de um "manifesto contra o retorno ao normal", lançado pela atriz Juliette Binoche e pelo astrofísico Aurelién Barrau, publicada pelo Le Monde e assinado por 200 VIPs, incluindo artistas internacionais (como a cantora Madonna, o ator Robert De Niro, o diretor Paolo Sorrentino, a modelo e atriz Monica Bellucci) e também muitos cientistas.

Por que não devemos voltar nunca à nossa vida social normal, como a que vivíamos antes de fevereiro de 2020? “Para o bem da Terra”, dizem os signatários VIPs. Porque agora, como escreveu Gunter Pauli (consultor do governo de Giuseppe Conte), na ausência de atividades humanas, o planeta está respirando novamente. E, como o padre jesuíta Benedict Mayaki reiterou, o coronavírus é “o aliado involuntário da Terra”. A lógica do manifesto do Le Monde não é diferente: “Parece inimaginável voltar ao normal”, a pandemia é uma “tragédia”, mas “a crise tem a vantagem de nos convidar a enfrentar questões essenciais”.

Os peticionários acreditam que “o problema é sistêmico”, ou seja: “A catástrofe ecológica em andamento faz parte de uma metacrise [...] o consumismo nos levou a negar a própria vida: a das plantas, dos animais e a de um grande número de seres humanos [...] A poluição, o aquecimento [global] e a destruição de espaços naturais levam o mundo a um ponto de ruptura”. O manifesto pede aos governos que “saiam da lógica insustentável que ainda prevalece, para trabalhar em uma profunda reconstrução de objetivos, valores e economias”.

O leitor provavelmente se perguntará o que tem a ver a Covid-19, que é a mais recente de uma série muito longa de pandemias que caracterizaram toda a história da humanidade, com os problemas contemporâneos listados pelos signatários VIPs. A resposta é a mais simples de todas: nada. O vírus, em sua gênese e disseminação, não difere daqueles que se espalharam pelo mundo na era pré-industrial, quando o aquecimento global antropogênico nem sequer era teoricamente concebível.

O alarme lançado no Le Monde poderia ter sido escrito em 2019, no auge da campanha “Sexta-feira para o futuro” de Greta Thunberg. O coronavírus é apenas uma maneira de atrair a atenção de um povo assustado e dizer “a propósito, lembre-se do aquecimento global”? Não somente. É uma tentativa explícita de recuperar uma antiga batalha que o vírus relegou ao segundo plano.

A ecologia estava no centro da pauta europeia do presidente francês Emmanuel Macron e caracterizou a agenda política de Ursula von der Leyen, a nova presidente da Comissão Europeia. Agora, avançando nessa direção, está sobretudo a Aliança Europeia para uma Recuperação Verde, composta por 180 VIPs europeus (entre eles: 79 deputados de 17 países, 37 diretores gerais de multinacionais, 28 associações empresariais e 7 ONGs, além de grupos de especialistas). Seu objetivo é relançar o Green New Deal anunciado por Ursula von der Leyen, mas temporariamente arquivado devido à pandemia, que estabeleceu outras prioridades.

A intenção é promover “uma saída verde” para a crise econômica: os enormes investimentos necessários para a reconstrução terão de priorizar critérios ecológicos, ou seja, as atividades alinhadas à luta contra o aquecimento global. Um projeto que de econômico tem muito pouco: basta pensar na bolha de energias renováveis ​​que dependem de subsídios estatais porque não produzem energia ou lucro suficientes.

A “Força-Tarefa de Recuperação da Covid-19 dos Prefeitos Globais” do network C40, que reúne os prefeitos das metrópoles do mundo, está avançando na mesma direção. Este ano, é presidida pelo prefeito de Milão, Giuseppe Sala. Sua intenção é abertamente ecológica: “Estabelecida com o objetivo de alcançar uma recuperação que, ao mesmo tempo, melhore a saúde pública, reduza a desigualdade e faça frente à crise climática, através do compartilhamento de conhecimentos, habilidades e experiências”. O relançamento ecossustentável de Milão foi divulgado por Greta Thunberg, que em um tuíte do final de abril definiu a cidade do norte da Itália como um “laboratório”.

De que tipo? Nada mais de carros, apenas transporte público (quando os passageiros deveriam necessariamente ser reduzidos à metade por causa do distanciamento social) e incentivos para scooters e bicicletas. No verão pode até funcionar, a menos que chova.

Sob todo esse verde, basta cavar um pouco para encontrar de novo o vermelho do comunismo. Além de promover uma visão em defesa da ecologia, o manifesto do Le Monde visa um novo igualitarismo social. As desigualdades sociais e o aquecimento global são fundidos em um único problema, por essas estranhas alquimias ideológicas.

Na esperança de uma nova virada comunista, após a derrota histórica de 1989, alguns filósofos ainda são ouvidos, como o esloveno Slavoj Zizek: “O coronavírus nos forçará a reinventar um comunismo baseado na confiança nas pessoas e na ciência”. Não será centrado em uma nova União Soviética, mas em “algum tipo de organização global que pode controlar e regular a economia, além de limitar a soberania dos Estados nacionais”.

Como ato prático, em uma variação mais moderada desse novo comunismo, quinhentos acadêmicos e políticos da esquerda escreveram uma carta aberta publicada no jornal britânico The Independent, na qual pedem um salário mínimo universal. Até Beppe Grillo, co-fundador do Movimento 5 Estrelas, retoma esse apelo e relança uma de suas idéias que o tornaram famoso: “A emergência que estamos enfrentando poderia favorecer uma virada épica e revolucionária, que para muitos, de modo superficial, sempre foi considerada insana, e isso pode mudar nosso futuro para melhor.”

Benoit Hamon, líder da extrema-esquerda francesa, escreve sobre o salário universal: “o salário universal para a existência é uma ferramenta incomparável de emancipação. […] Ao libertar todos de uma dependência exclusiva do salário ganho no trabalho, os salários universais dão a cada indivíduo a capacidade de negociar e escolher. [...] A emancipação social passa por essa prática individual de liberdade. [...] A crise dará à luz um mundo novo”. Segundo uma pesquisa publicada pelo próprio The Independent, o salário mínimo universal conta atualmente com o apoio de 71% dos cidadãos europeus. Seria o fim do trabalho produtivo como o conhecemos até agora.

Stefano Magni, jornalista e ensaísta, é bacharel em Ciências Políticas, autor de “Contro gli statosauri, per il federalismo” e professor associado no curso de Geografia Econômica da faculdade de Jurisprudência da Università degli Studi di Milano.

© 2020 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano.
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