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O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli (Imagem: Mauro Pimentel / AFP)
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli (Imagem: Mauro Pimentel / AFP)| Foto:

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes censurou, na segunda-feira (15), a revista Crusoé e o site O Antagonista. Moraes determinou que ambos os veículos de comunicação retirassem do ar reportagem que abordava a citação do presidente da Corte, Dias Toffoli, na delação premiada do empreiteiro Marcelo Odebrecht à Operação Lava Jato.

Contudo, após a censura, a repercussão do caso envolvendo o presidente do Tribunal foi superior à inicial: veículos que nem sequer haviam noticiado a denúncia da Crusoé estamparam a decisão na capa. Pessoas que não tinham conhecimento sobre a reportagem receberam em grupos de WhatsApp o texto censurada, na íntegra. Hashtags relacionadas ao caso, como #DitaToga e #STFNaoVaiNosCalar estiveram entre os assuntos mais comentados nas redes sociais durante a semana.

O também Ministro do Supremo Marco Aurélio Mello criticou a decisão na terça-feira (16), afirmando que “houve censura e retrocesso em termos democráticos" na decisão.

Diversas organizações se manifestaram repudiando o ato, ajudando a divulgar ainda mais o ocorrido, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Transparência Internacional. Veículos internacionais também repercutiram o caso: o New York Times, para quem a Suprema Corte brasileira “abriu fogo” contra seus críticos nesta semana, e o Breitbart.

Tudo resultou em um aumento de divulgação sobre o caso que o STF censurou a fim de, justamente, evitar que o ocorrido se tornasse mais popular. Segundo o Google Trends, ferramenta que contabiliza a quantidade de pesquisas do site de buscas, o termo “Dias Toffoli” nas 10 primeiras horas após a tentativa de censura do STF foi 21% mais buscado que no momento em que foi divulgada a capa e matéria da Revista Crusoé, no dia 12 de abril. Isto é, além de ressuscitar uma temática cuja repercussão já havia diminuído ao longo do fim de semana, deu-se o caráter “quente” à matéria novamente. Em tempos de internet, censurar um conteúdo é tarefa hercúlea.

Por que isso ocorre?

O chamado efeito Streisand é um fenômeno pelo qual uma tentativa de ocultar, remover ou censurar uma informação tem a consequência não intencional de divulgar a informação de forma mais ampla. Tudo isso, claro, é facilitado pela internet.

A mera tentativa do censor desperta curiosidade do público, fazendo com que o conteúdo viralize, pois cria-se um senso de responsabilidade de que determinada informação apenas será mantida pública caso as pessoas se esforcem para ajudar a difundí-la.

O termo foi cunhado por Mike Masnick em 2005 ao ironizar as tentativas de censura online:

“Quanto tempo levará para que os advogados percebam que o simples ato de tentar reprimir algo que eles não gostam na internet, provavelmente, fará com que algo que a maioria das pessoas jamais veria seja visto por muitas mais pessoas?”

Ele remeteu ao episódio ocorrido com a premiada atriz e cantora Barbra Streisand em 2003. Ela processou um fotógrafo por violação de privacidade, pedindo que ele removesse uma fotografia aérea de uma mansão da celebridade em Malibu. A atriz argumentava que a exposição de sua residência poderia ferir sua segurança. As fotos compunham, no entanto, uma coleção de mais de 12 mil fotografias do litoral da Califórnia. O objetivo do projeto, liderado pelo fotógrafo Kenneth Adelman, era documentar a erosão costeira, buscando influenciar em políticas públicas a respeito.

O resultado foi que a fotografia do imóvel de Barbra se tornou viral. Antes do processo, a foto tinha sido baixada apenas seis vezes. Após a contenda judicial, aumentou exponencialmente: mais de 420 mil no mês seguinte.

Há diversos exemplos do Efeito Streisand. Um caso famoso no Brasil ocorreu em 2007, com o aumento da repercussão de um vídeo com imagens da modelo Daniela Cicarelli tendo relações íntimas em uma praia na Espanha — logo após uma liminar que deferiu o pedido de seu namorado e bloqueou o YouTube no Brasil.

O mesmo fenômeno é observado na política. Também em 2007, o bloqueio ao Youtube após a divulgação de uma matéria que descrevia prisioneiros políticos da Tunísia gerou comoção. Uma história discreta sobre direitos humanos tornou-se uma campanha global contrária à repressão daquele país.

Outro exemplo marcante ocorreu em 2017 quando o governo da África do Sul determinou a proibição do livro "The President's Keepers", que mostrava a corrupção do governo Jacob Zuma. No entanto, após a divulgação da censura, as vendas do livro aumentaram drasticamente, tornando-se um best-seller nacional, esgotando o livro antes mesmo da proibição conseguir impor-se.

Até mesmo a quantidade de dislikes em vídeos da plataforma Youtube contribuem para o vídeo ganhar maior repercussão. Nesse caso, algoritmos entendem que aquele conteúdo é relevante e, portanto, deve ser visto por mais pessoas. Ao se deparar com um conteúdo que não se gosta na internet, a melhor forma de evitar que ele ganhe engajamento é, paradoxalmente, nada.

Liberdade no Brasil preocupa

O Brasil é o segundo país que mais ordena ao Google apagar conteúdo da internet, perdendo apenas para a Rússia. Entre 2009 e 2017, foram 5.261 solicitações de órgãos governamentais, quase 70% assinadas pelo Judiciário, envolvendo 54 mil itens na internet. As informações são da própria empresa, e constam em uma petição em julgamento do Supremo Tribunal Federal que analisa o chamado "direito ao esquecimento". Segundo a empresa, “o problema brasileiro é o excesso de cerceamento judicial das liberdades de expressão, informação e imprensa”.

Preocupação semelhante é emitida no ranking de liberdade de imprensa, divulgado pelos Repórteres Sem Fronteiras. No levantamento, o Brasil aparece apenas na 102º posição.
Já relatório da organização não governamental Artigo 19 afirma que a liberdade de expressão no Brasil é ameaçada a partir da criminalização da calúnia, difamação e injúria, pois elas fomentam ativismos judiciais para censurar declarações. As preocupações são endossadas pelo Freedom House, elaborado pela revista britânica The Economist. O estudo avalia a qualidade das instituições de cada país sob o ponto de vista democrático.

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