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No Rio de Janeiro, lei obriga condomínios com academia a contratarem professor de educação física - o que levou alguns edfícios a fechar as instalações
No Rio de Janeiro, lei obriga condomínios com academia a contratarem professor de educação física – o que levou alguns edfícios a fechar as instalações| Foto: Pixabay

As academias de ginástica de alguns condomínios cariocas estão sendo fechadas por causa de uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Aprovada em agosto de 2018, a Lei Estadual 8.070/2018 obriga condomínios com academias a se registrarem no Conselho Regional de Educação Física e a manterem um profissional de educação física no local. Sem a presença de um professor, ninguém no condomínio pode usar o espaço e se exercitar.

Em caso de descumprimento da medida, os condomínios são multados em pelo menos R$3.400 pelo Conselho Regional de Educação Física. O Conselho Federal de Educação Física afirma que desconhece outras legislações similares no país.

Os autores da lei foram os deputados Comte Bittencourt (PPS), Tio Carlos (Solidariedade) e Chiquinho da Mangueira (PSC). Eles alegam que a legislação serve para garantir a segurança e proteção dos usuários, pois “a falta de orientação nos exercícios pode gerar lesões e até ter risco de morte”.

O vice-presidente do Conselho Regional de Educação Física, André Fernandes, sustenta que o intuito da legislação é proteger a sociedade e assegurar a segurança daqueles que buscam a prática do exercício. “É importante que os condomínios se organizem, pois nos últimos 20 anos vimos um crescimento do número de estabelecimentos e praticantes proporcionando ambientes mais seguros e organizados, com atendimentos diferenciados”, afirma.

Ele vê a legislação como positiva porque os moradores de condomínios poderão realizar exercícios “com maior segurança e qualidade, podendo, assim, desfrutar de ambientes melhores com orientação profissional”.

Fernandes afirma ainda que a presença do profissional de Educação Física nos ambientes em que há a prática do exercício físico já é exigida pela Lei Federal 9.696/98, que regulamenta a atividade. Assim, a nova legislação apenas determina que esses espaços se registrem no CREF1 e nomeiem um responsável técnico para proporcionar maior segurança aos condôminos que ofereçam a prática de atividades físicas.

A legislação, porém, encarece o funcionamento dos condomínios. O piso salarial da categoria dos profissionais de educação física no Rio de Janeiro é de R$3.158,96. Com os encargos trabalhistas, a despesa do condomínio é de cerca de R$5 mil mensais. O Secovi-RJ (Sindicato da Habitação e Condomínios) estima que o custo da legislação pode representar um aumento de até 16% nas taxas de condomínio.

O doutor em economia e professor do Insper Thomas Conti afirma que era previsível que esse custo inviabilizaria o funcionamento de diversas academias em condomínios no Rio de Janeiro. “As academias dos condomínios são pensadas como algo permanente. Gasta-se muito para comprar os equipamentos, mas depois disso o gasto de manutenção é pequeno e se espera que os equipamentos durem anos. Quando a regulação intervém, forçando os condomínios a manterem profissionais de educação física nesses espaços, ela altera drasticamente a estrutura de custos desses espaços”, diz.

Apesar disso, o vice-presidente do Conselho Regional de Educação Física disse que apenas cumpre a legislação e busca orientar e proteger os praticantes de atividade física.

Constitucionalidade questionável

O deputado estadual Alexandre Freitas (Novo) ajuizou ação de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça, elencando quatro argumentos de inconstitucionalidade da medida. A legislação estadual trata os condomínios como empresas e legisla a relação dos condôminos com a propriedade privada, algo de competência da União. Além disso, a competência para regular conselhos de classe, como o CREF, também seria do governo federal, não estadual. Dessa forma, a ALERJ não poderia legislar sobre esse assunto.

Outra questão abordada na ação de inconstitucionalidade é o dispositivo que permitiu ao conselho autuar e multar condomínios. Ao obrigar a contratação de serviços privados para uma atividade que não é considerada de alto risco, a medida afronta o direito de propriedade garantido pela Constituição.

Um projeto de lei foi apresentado para flexibilizar a obrigatoriedade da presença dos instrutores no local, mas a ALERJ acabou não aprovando a flexibilização. O resultado foi a criação de uma demanda artificial para contratação de profissionais da educação física no Rio de Janeiro.

Incentivos políticos explicam aprovação de leis corporativistas

Freitas afirma que o fato de a lei não ser aplicada às academias em locais públicos é uma incoerência. “ Isso reflete uma interferência indevida do Estado na propriedade privada, ignorando o fato que o próprio Estado não exige a presença de professores nas suas academias públicas. É o famoso 'pimenta no dos outros é refresco'", diz.

Já o vice-presidente do CREF1 sustenta que a prática de exercícios sem orientação de um profissional de educação física coloca em risco a saúde do praticante.

Para Conti, que estuda a influência de grupos de interesses em decisões governamentais, a estratégia dos lobbies têm mais chance de sucesso do que a resistência a eles. “Os benefícios concentrados de uma lei péssima como essa agradam muito a um pequeno grupo (os profissionais de educação física). Como o benefício é grande, há incentivo para esse grupo se organizar e defender a lei que prejudica os demais”, explica.

Enquanto isso, os prejuízos com a legislação são divididos em grupos maiores. “Isso dificulta a organização política para que as outras pessoas lutem contra uma legislação lobista que traz prejuízo para a sociedade”, diz.

André Fernandes diz que o CREF1 apenas cumpre aquilo que é exigido por lei, buscando proteger a sociedade. “O nosso objetivo é organizar e dar segurança aos condôminos que querem praticar atividade física”, diz. Mas o deputado Alexandre Freitas afirma que o conselho fez intenso lobby para a aprovação da legislação. “É o costume quando há quem se beneficie economicamente da reserva de mercado criada por lei, como no caso das entidades de classes. Não raros são os exemplos no Brasil de leis que impõe uma obrigação ao particular e criam uma necessidade onde o cidadão comum não a enxerga, sem entender o essencial, apenas para beneficiar algumas categorias profissionais”, conclui.

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