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Dr. Ernesto Ruiz-Tiben, ao centro, fala com crianças sobre o verme-da-guiné em Tarakoh, Chade, em abril de 2018. | JANE HAHNNYT
Dr. Ernesto Ruiz-Tiben, ao centro, fala com crianças sobre o verme-da-guiné em Tarakoh, Chade, em abril de 2018.| Foto: JANE HAHNNYT

Os dias do dr. Ernesto Ruiz-Tiben na linha de frente da guerra contra o verme-da-guiné terminam com um jantar geralmente chamado de "poulet bicyclette" – frango tão magro e musculoso que poderia disputar a Volta da França de ciclismo. 

Só que antes de alguém da equipe comer, uma tradição deve ser observada. Ruiz-Tiben levanta um copo de cerveja: "À morte do verme!" 

"À morte do verme!", gritam todos os presentes, brindando. 

É um ritual seguido há décadas, desde que se tornou o estrategista-chefe da batalha contra o verme-da-guiné, levada a cabo pelo Centro Carter, a entidade de filantropia para a saúde global criada em Atlanta por Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos. 

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Aos 78 anos, Ruiz-Tiben ainda faz até seis viagens de campo por ano, geralmente ao que ele chama de "lugares no fim da estrada". Chegar a esses pontos significa rodar dias sob um calor de 43º C em estradas de terra esburacadas e dormir em pensões rústicas, onde a frequente falta de luz gera noites abafadas em quartos cheios de insetos. 

Ir para onde está a ação

Questionado por que faz isso, Ruiz-Tiben dá de ombros. "Porque é lá que está a ação – não na capital. As pessoas querem estalar os dedos e, zás, o verme desapareceu. Isso não vai acontecer." 

Nos povoados, ele faz perguntas. Onde você busca água para beber? O que você come? Como cozinha? O que seu cachorro come? Até que distância de casa seu cachorro passeia? 

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E faz estudos. Os cachorros recebem coleiras de rastreamento; câmeras sensíveis ao movimento são montadas perto de lagoas; peixes e sapos são apanhados e examinados em busca do verme. 

Embora costume ser silencioso em grandes reuniões, ele sabe desdenhar de quem vê como obstáculos ao sucesso: 

"Epidemiologistas de ar-condicionado se pronunciando sobre coisas que não compreendem." 

"Pessoas da Organização Mundial da Saúde que gostam dos salários gordos e dos benefícios, mas não de trabalhar." 

"Africanos que tratam as mulheres como burros de carga, permitindo que caminhem mais de um quilômetro carregando 20 quilos de água na cabeça enquanto ficam debaixo das árvores jogando dominó e se embebedando." 

Ao mesmo tempo, tem paciência de sobra para as vítimas do verme. Ele segura crianças trêmulas que temem estar encrencadas enquanto pergunta, por meio de um intérprete, como foram infectadas pelo verme. E faz carinho em cachorros que foram imobilizados para a retirada dos vermes de suas patas. 

Uma feliz coincidência

Ruiz-Tiben cresceu em Ponce, Porto Rico, navegando em barcos pequenos. Ele se descreve como uma espécie de delinquente juvenil. Usar os transformadores elétricos dos vizinhos como alvo das pedras do seu bodoque "foi o que me mandou para a escola militar". 

Em 1965, descobriu a parasitologia por "uma feliz coincidência" – não queria ir para o Vietnã. Ele se alistou no Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos e foi mandado para o laboratório do Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) em San Juan. 

Foi onde conheceu a esposa. Em Porto Rico, a natureza abomina um solteirão. "As mulheres casadas do laboratório me tornaram seu objeto de estudo. Elas me convidavam para jogar boliche, e foi assim que nos conhecemos." Eles estão prestes a completar 50 anos de casado. 

O médico começou combatendo a esquistossomose (ou barriga d'água), verme transmitido por caracóis de água doce. Depois, passou para a dengue, vírus transmitido por mosquitos. 

Ele descobriu o trabalho de campo em missões no Egito, na Libéria e na América do Sul. "É preciso prestar atenção aos detalhes, para ver o que as pessoas fazem que está espalhando a doença." 

Sua equipe faz exatamente isso no Chade. Os cientistas estão tentando entender por que mais de 800 cachorros pegaram o verme-da-guiné e, aparentemente, não ao beber água, como os humanos. Ele suspeita que os cães comam um hospedeiro intermediário, possivelmente rãs. 

Tempos difíceis

Após 26 anos no CDC como diretor da divisão de doenças transmitidas por vermes, ele viu trapalhadas da saúde pública – por exemplo, qualificou a decisão da entidade de combater a dengue em San Juan com pesticida na altura das árvores de "desastre ecológico" para abelhas e insetos úteis. 

E Ruiz-Tiben lembra dos anos ruins na década de 1980, quando o CDC tentava brecar a Aids, mas muitos políticos eram indiferentes. "Eles a viam como ira de Deus contra os homossexuais. A Casa Branca não deixava o CDC descrever a realidade." 

"Somente Koop estava disposto a falar racionalmente a esse respeito", acrescenta, referindo-se ao dr. C. Everett Koop, ex-chefe da Saúde Pública nos EUA. 

Em 1991, Ruiz-Tiben se aposentou, juntando forças com antigos diretores do CDC como os doutores William Foege e Donald R. Hopkins no Centro Carter. 

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A saúde global estava então em péssimo estado. A Aids na África parecia imbatível e estava elevando os casos de tuberculose. A malária crescia com a resistência aos pesticidas e medicamentos. A Fundação Bill e Melinda Gates ainda não havia injetado bilhões de dólares na área. 

Alguns diretores preferiam o que Ruiz-Tiben chama de "abordagem da bala mágica": tentar dar água limpa ao planeta inteiro. Entretanto, o custo – poços, açudes, aquedutos e tubulações para bilhões de pessoas – era impraticável. 

Outros queriam atacar as doenças mais ignoradas, como a causada pelo verme-da-guiné, elefantíase e cegueira dos rios. Como o CDC não conseguia financiamento para isso, Carter assumiu a causa. 

Tem sido uma batalha longa e, raramente, fácil. 

Situação dramática

Ruiz-Tiben nunca teve malária. Seu ritual matinal é: "Todos tomaram o remédio para malária?". Mas já foi internado com amebíase. 

Ele nunca foi feito refém nem lhe apontaram uma arma. As equipes locais do Centro acompanham tudo que acontece, e o programa contra o verme é popular. Todavia, já aconteceram quase acidentes em rodovias esburacadas com caminhões e motoristas bêbados. 

Seu momento mais dramático foi em uma cidade de Gana onde Jimmy e Rosalynn Carter, além de membros da diretoria, participariam de uma cerimônia com o ministro da Saúde ganês. 

De repente, uns 400 moradores com vermes saindo dos corpos apareceram em busca de ajuda. 

A cidade descuidara da distribuição de água, forçando os habitantes a se abastecer em carroças e alguns vendedores enchiam os tanques em lagos infectados. Porém, as autoridades locais culparam as vítimas: "Esses imbecis tomam água de qualquer lugar." 

Enquanto as equipes médicas trabalhavam a todo vapor, Jimmy Carter "ficou furioso" com as autoridades locais, relata Ruiz-Tiben. "Aquele foi o divisor de águas para Gana. Depois daquilo, ficaram sérios." 

O fim do verme-da-guiné é visível, mas não está próximo. A OMS exige pelo menos três anos sem casos antes de afirmar que uma doença foi erradicada. 

"Vou precisar me aposentar um dia. Minha função é treinar as pessoas", conta Ruiz-Tiben. 

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Carter agora tem 93 anos, se recuperou de um caso grave de câncer e está cuidando da esposa, Rosalynn, também com câncer. O neto, Jason Carter, agora é o presidente da diretoria da entidade. 

"O presidente Carter diz que quer ver o fim do verme antes de morrer. Não sei se seremos capazes de atender seu desejo, mas faremos o melhor possível", declara Ruiz-Tiben. 

"Contudo, se não tivéssemos feito essa campanha, haveria de 80 a 90 milhões de casos agora. Então, quer o verme seja eliminado ou não, a campanha fez muita coisa boa."

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