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Ilustração mostra como vivia uma comunidade nativa onde hoje é o interior do Alasca, 11.500 anos atrás | Eric S. Carlson e Ben A. Potter
Ilustração mostra como vivia uma comunidade nativa onde hoje é o interior do Alasca, 11.500 anos atrás| Foto: Eric S. Carlson e Ben A. Potter

Os primeiros habitantes das Américas se dividiram em duas populações há mais de 13 mil anos, segundo um novo estudo de DNA antigo, e permaneceram separados por milhares de anos. 

Por fim, em algum lugar, os dois grupos voltaram a se encontrar e começaram a se misturar. Hoje em dia, seus descendentes habitam uma ampla região que se estende do México à ponta sul da América do Sul. 

Publicada no periódico "Science", a pesquisa traça um retrato complexo das migrações humanas pelas Américas. Quando as pessoas chegaram ao Hemisfério Ocidental a partir da Ásia, elas não apenas se deslocaram para novos territórios e se instalaram. 

"O estudo é importante porque começa a nos afastar dos modelos simplistas demais de como as primeiras pessoas se espalharam pelo continente", afirma Deborah A. Bolnick, geneticista da Universidade do Texas, campus de Austin, Estados Unidos, que não participou do estudo. 

DNA de antigos habitantes

As descobertas provêm de um estudo com 91 genomas antigos de pessoas que viveram há até 4.800 anos no que agora são o Alasca, a Califórnia e Ontário, no Canadá. 

Elas representam um grande acréscimo ao catálogo de DNA ancestral no Hemisfério Ocidental. 

Até a década de 1990, os sítios arqueológicos forneciam boa parte das provas da dispersão das pessoas pelas Américas. Por exemplo, existem sólidas evidências arqueológicas de que as pessoas alcançaram o sul do Chile há 14.500 anos; alguns pesquisadores chegam a argumentar que as pessoas chegaram milhares de anos antes disso. 

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Contudo, a arqueologia deixou diversas perguntas sem respostas, tais como quem exatamente vivia nesses sítios primitivos e como estavam ligados entre si. Geneticistas estão procurando responder algumas delas examinando o DNA de nativos americanos vivos. 

Os primeiros estudos com pequenos fragmentos de genes sugeriam que todos os nativos americanos ao sul do Ártico descendiam do mesmo grupo de migrantes, que pode ter viajado pela Ponte Terrestre de Bering, que ligava a Ásia ao que agora é o Alasca, no final da última era glacial. 

Comunidades nativas

Porém, o ritmo dessa pesquisa foi reduzido no começo dos anos 2000, graças em parte à desconfiança que muitas comunidades de nativos americanos sentiam pelos cientistas após uma longa história de abusos. 

Em 2004, a tribo Havasupai processou a Universidade Estadual do Arizona por enganar seus membros sobre qual seria o uso do seu DNA no estudo. O conflito gerou a relutância de muitos pesquisadores em se envolver em uma polêmica similar. 

À medida que os cientistas aprenderam a extrair DNA de restos mortais de humanos antigos, um conflito semelhante teve início. Muitos museus guardam esqueletos de nativos americanos, muitas vezes exumados sem o consentimento dos cemitérios. Comunidades de nativos americanos requisitaram esses restos e muitas vezes recusaram pedidos de pesquisa. 

Nos últimos anos, contudo, tais tensões começaram a desaparecer. 

Todo verão, Ripan Malhi, geneticista da Universidade de Illinois e um dos autores do novo estudo, e seus colegas realizavam uma oficina na instituição para que alunos nativos americanos aprendessem genética, concentrando-se em pesquisa que possa ajudar suas comunidades. 

Ele também formou relações duradouras com comunidades de nativos americanos no Canadá e no Alasca. 

Christiana Scheib, outra autora do novo estudo, viajou à Califórnia para se reunir com representantes das tribos. 

Ela explicou por que queria estudar restos mortais dos nativos americanos em museus californianos. 

"Alguns deles ficaram surpresos", conta Scheib, que agora chefia o grupo de pesquisa com DNA ancestral da Universidade de Tartu, na Estônia. "Eles me disseram: -Você é a primeira pesquisadora a vir pedir a nossa opinião-." 

Árvore genealógica

No novo estudo, Scheib, Malhi e colegas procuraram DNA nos restos mortais a que tiveram acesso. Acharam material genético nos dentes e ossos do ouvido de 91 indivíduos. 

Em alguns casos, só obtiveram fragmentos de DNA; em outros, encontraram material suficiente para uma reconstrução exata do genoma inteiro. 

A seguir, os pesquisadores compararam os novos dados com a informação genética disponível ao público sobre outras pessoas – vivas e ancestrais – nas Américas do Norte e do Sul. Os cientistas também examinaram o DNA de comunidade na Ásia em busca de parentes próximos. 

No começo, a árvore genealógica que surgiu era confusa, sugerindo conexões genéticas próximas entre pessoas com parentesco distante. "Estávamos obtendo resultados que não faziam sentido", diz Scheib. 

Um exame mais próximo resolveu parte do mistério. 

A partir de seus dados, os pesquisadores concluíram que os nativos americanos vivos descendiam de uma população de asiáticos que entrou no Alasca e depois foi para o sul, provavelmente ao longo do litoral. 

Logo depois, a população original se dividiu em dois grupos, que Scheib e colegas chamam de ANC-A e ANC-B. 

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O genoma mais antigo já encontrado nas Américas, de um menino de 13 mil anos em Montana, pertence ao ANC-A. Então, os grupos provavelmente já haviam se dividido em dois. 

Já a prova mais antiga de ANC-B, vem de um esqueleto de 8.500 anos descoberto no estado de Washington, conhecido como Homem de Kennewick ou o Antigo. 

Em algum momento, pelo menos algumas pessoas ANC-B devem ter se mudado para o Leste; Scheib e colegas descobriram que restos mortais de até 4.800 anos no que agora é o sul de Ontário, pertenciam ao ANC-B. 

Depois que chegaram, essas pessoas criaram raízes. Falantes de algonquino que vivem agora em Ontário também pertencem ao ANC-B. 

Entretanto, quando os cientistas examinaram o DNA de pessoas na Califórnia e mais ao sul, ficaram surpresos ao encontrar misturas de ANC-A e ANC-B. 

A prova mais antiga dessa mistura vem de pessoas que viveram há 4.500 anos no que agora são as Ilhas do Canal, no litoral californiano. Cinquenta e oito por cento dos indivíduos pertenciam ao ANC-A e 42 por cento ao ANC-B. 

Os pesquisadores encontraram misturas semelhantes de DNA em pessoas que vivem no México e na América do Sul. 

Cenários possíveis

Scheib e colegas apresentaram cenários que podem explicar os resultados. 

É possível que o povo ANC-A tenha descido a costa ocidental das Américas, estabelecendo comunidades de pescadores ao longo do caminho. 

Milhares de anos depois, uma linhagem de descendentes do grupo ANC-B também veio para o sul, fazendo contato com essas comunidades. 

Outra possibilidade é os dois grupos terem se unido em outro lugar da América do Norte. Somente mais tarde seus descendentes teriam se espalhado pelo continente. 

Malhi afirma que podem ter acontecido outras migrações em massa pelas Américas. 

No novo estudo, por exemplo, os pesquisadores descobriram que ancestrais encontrados no que agora é Ontário, além de nativos americanos vivos em lugares como o Alasca, tinham ancestralidade ligada ao povo inuíte da Groenlândia. 

É possível, então, que o povo do Ártico tenha vindo para o sul nos últimos milhares de anos, misturando seus genes com o povo ANC-B. 

Outra forma de explorar essas hipóteses é achar mais DNA ancestral de outras regiões das Américas. Primeiro, porém, Malhi afirma que ele e os colegas também querem conversar com nativos americanos vivos sobre suas histórias. 

Essas histórias podem preservar informações sobre contatos entre pessoas com parentesco distante no passado longínquo. 

"Ao conversar com as comunidades, além de examinar os genes, talvez seja possível descobrir algo", conclui.

©2018 The New York Times. Publicado com permissão. Original em inglês

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