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Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI), da Universidade Federal Fluminense (UFF) avaliou os resultados das operações policiais desde 2017
Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI), da Universidade Federal Fluminense (UFF) avaliou os resultados das operações policiais desde 2017| Foto: Tania Rego/Agencia Brasil

A partir do momento em que Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu a realização de ações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia de Covid-19, a violência diminui na região metropolitana do Rio de Janeiro. Essa é a principal conclusão a que chegou o estudo “Operações policiais e ocorrências criminais: Por um debate público qualificado”, conduzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI), da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Impetrada no dia 5 de junho, a liminar foi mantida pelo pleno do STF na primeira semana de agosto, em votação concluída com a volta do recesso do Poder Judiciário. Os únicos ministros que votaram pela retirada da proibição foram Alexandre Moraes e Luiz Fux. Os nove demais votaram pela manutenção da liminar.

O GENI avalia os resultados das operações policiais desde 2017. O relatório divulgado esta semana, que mede o impacto da decisão de Fachin, aponta que houve uma redução de 78% das operações policiais realizadas em favelas – a liminar autoriza apenas incursões urgentes. O total de mortes durante essas ações, seja de civis, traficantes, milicianos ou agentes da lei, caiu 72,5% nesse período, na comparação com a média registrada entre 2007 e 2019. Esse índice representa 30 mortes a menos do que seria esperado para o período.

Além disso, o número de feridos caiu 49,6%, segundo a pesquisa, e o total de roubo de veículos foi 32,1% menor. Para os autores do estudo, a pesquisa indica que as operações policiais “não são eficientes em reduzir a ocorrência de crimes e, pelo contrário, parecem contribuir para o seu incremento”, já que, “nos primeiros 31 dias de vigência da liminar proferida pelo ministro Fachin houve uma redução significativa do número de operações policiais que foi acompanhada de uma diminuição do número de feridos, de mortes violentas e de ocorrências criminais”.

Por que mais ações da polícia provocariam um aumento do número de crimes contra a vida? “Como hipótese para a interpretação desses resultados”, afirma o estudo, “sustentamos que as incursões policiais em territórios conflagrados acirram os conflitos entre os grupos armados (facções do tráfico de drogas e milícias) que disputam esses territórios, à medida que a atuação estatal enfraquece alguns grupos, favorecendo a expansão de outros”.

“Clima de guerra”

Mas faz sentido que a ausência de ações da polícia reduza a criminalidade? “Trata-se de mistificação e manipulação dos dados”, reage Marcelo Rocha Monteiro, procurador de justiça do Estado do Rio de Janeiro.

“O que diminuiu foram as mortes em confronto com a polícia – claro, porque diminuíram as operações policiais. O que o estudo da UFF chama de crimes de homicídio é na verdade morte de criminosos que atiram em policiais e são mortos por esses policiais em legítima defesa”.

Em outras palavras, diz ele, o que os dados indicam é que “os criminosos estão morrendo menos – e mais à vontade para cometer crimes”. Monteiro é crítico do GENI, um grupo que, segundo ele, “é conhecido no Rio por suas posições contra a polícia e de minimização da gravidade das facções do tráfico”.

Um pesquisador sediado no Rio de Janeiro, doutor em ciência política e especializado em segurança pública, leu o estudo a pedido da reportagem. Ele não autorizou a divulgação de seu nome por temer represálias no ambiente acadêmico, mas apontou: “A abordagem dessa pesquisa admite a normalização da criminalidade, a ocupação de territórios pelo crime. Recentemente, um ex-ministro da saúde chegou a admitir que, para tratar da Covid-19, era preciso fazer acordo com o tráfico. Não estamos mais tratando de segurança pública, não há mais expectativa do estado em exercer a soberania. O que vemos são populações acossadas diariamente”.

O resultado, diz o especialista, é que o clima de guerra, instaurado nas comunidades do Rio de Janeiro, é pacificado de forma artificial na medida em que os agentes do Estado têm o acesso barrado. “Se não há operações, a ocupação de territórios da parte do crime se normaliza como um fato do cotidiano, e é isso que o Rio de Janeiro tem passado por tanto tempo, o que gera a noção do estado mexicanizado, em que o crime opera num alcance tão grande que alcança até mesmo as esferas de poder”.

Territórios dominados

O especialista concorda que alguns questionamentos às ações policiais são justificados. “Existe uma crítica quanto ao método de combatividade, o chamado faroeste da polícia. Tem erros graves de continuidade, de manutenção de políticas públicas, e algumas ações de pirotecnia”. Por outro lado, diz ele, as conclusões do estudo não se sustentam.

“É um absurdo pressupor que as ações não devam existir”, afirma. “A proibição cria uma zona de proteção ao crime organizado. É natural que mais operações vão gerar maiores conflitos. Foi assim no início das Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), em 2008, quando houve um aumento do número de assaltos no entorno dos morros”.

O problema, para o pesquisador, é que o tipo de análise apresentado pelos pesquisadores da UFF, que é bastante comum no ambiente acadêmico, “não observa a natureza do conflito no Rio de Janeiro, porque ela escapa, já faz algum tempo, da noção de segurança pública. O conceito de segurança pública se aplica quando o Estado, na medida em que é conclamado, consegue reassumir o domínio, o monopólio e a manutenção do que é a violência legítima. As polícias do Rio de janeiro não conseguem mais fazer isso, então o confronto é aberto”.

Para um dos pesquisadores que conduziu o estudo do GENI, o professor adjunto do Departamento de Sociologia e Metodologia em Ciências Sociais da UFF Daniel Hirata, o trabalho do grupo esbarra na falta de informações transparentes a respeito das operações policiais. “Como não há dados oficiais, precisamos trabalhar com coleta de notícias da imprensa e das redes sociais para estabelecer um patamar mínimo confiável. Os dados oficiais lançam luz sobre alguns aspectos, outros ficam encobertos”, afirma ele.

“Imaginávamos que o número de operações deveria cair com a decisão do ministro Fachin”, diz o professor. “O que nos surpreendeu não foi a redução do total de operações. A surpresa veio do impacto que teve na redução do número de feridos e de mortos”. Seria resultado da falta de controle sobre as áreas ocupadas? “Claro que as operações têm impacto nas notificações criminais, mas a queda dos números é muito expressiva para ser explicada apenas por esse fator”, responde Hirata. “Somos a favor que essas pesquisas se multipliquem, para possibilitar o entendimento das dinâmicas das ações criminais. Há muito a ser explorado nesse campo”.

Para Cláudio Hirata, uma falha na abordagem das operações, que pode ajudar a explicar os números coletados pelo estudo, é o foco das ações policiais. “Há uma tendência de realizar as operações onde moram os criminosos, e não onde acontecem os crimes. Mas os locais onde eles moram são cercados por civis inocentes. Seria mais eficaz agir nos locais e horários onde os crimes ocorrem”.

56 mil criminosos armados

Procuradas pela reportagem, as polícias civil e militar do Rio de Janeiro enviaram uma nota conjunta a respeito da questão. Informam que “respeitam a decisão do STF e informam que cumprirão integralmente o que foi determinado”. Mas afirmam ver “com extrema preocupação a restrição à operacionalidade em territórios disputados entre grupos de criminosos, que impõem o terror a milhares de pessoas”.

A nota prossegue: “Levantamento da Secretaria de Polícia Civil aponta que, em 60 dias de vigência da decisão do STF, pelo menos dez pessoas foram mortas, incluindo dois policiais militares em serviço e crianças, e ao menos 13 foram feridas, em virtude de cerca de 50 guerras territoriais entre facções criminosas”.

Ainda segundo a Polícia Civil, “de 1.413 comunidades em todo o Estado, 81% têm atuação de grupos que exploram o tráfico de drogas e 19% são exploradas por milicianos, com disputas territoriais frequentes entre quatro organizações criminosas”. O que se traduz, afirmam as polícias, em “56.620 criminosos em liberdade portando armas de fogo de grosso calibre e trabalhando para o tráfico de drogas ou grupos milicianos em todo o Rio de Janeiro”.

Já a Polícia Militar, informa o texto, trabalha com informações de que, “após a restrição das ações policiais, houve um aumento significativo do número de confrontos entre grupos rivais por domínio de território. A quantidade de barricadas erguidas por criminosos também aumentou e estão se expandido para as vias urbanizadas”.

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