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Em julho deste ano, o Facebook retirou do ar 196 páginas e 87 perfis no Brasil alegando, em comunicado oficial assinado por seu líder de Cibersegurança, Nathaniel Gleicher, que os perfis excluídos formavam uma “rede coordenada” que “escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”, sem explicar o que seriam “divisão” e “desinformação”. Em agosto, foi a vez de cerca de 650 páginas supostamente ligadas à Rússia e ao Irã que poderiam influenciar as eleições nos Estados Unidos. No mesmo dia, o Twitter anunciou a remoção de 284 contas supostamente ligadas ao Irã.

Nos dois casos, a justificativa do Facebook foi a violação de políticas de autenticidade da plataforma, que constam do item 17 da Parte IV de seus Termos da Comunidade, uma espécie de convenção de condomínio da rede social. “A autenticidade é o pilar de nossa comunidade. Acreditamos que as pessoas se responsabilizam mais pelo que dizem e fazem quando usam identidades genuínas. É por isso que exigimos que as pessoas se conectem ao Facebook com o nome real. Nossas políticas de autenticidade têm a intenção de criar um ambiente seguro em que as pessoas possam confiar e se responsabilizar mutuamente”, afirma o termo.

No Brasil, a medida gerou um pedido de informações por parte de Ministério Público Federal em Goiás (MPF-GO), que foi respondido há cerca de um mês. Foi a primeira vez que a lista completa de páginas retiradas veio à público, levantando ainda mais polêmica sobre o viés ideológico das ações da empresa. No último dia 27 de agosto, o procurador Ailton Benedito, responsável pelas investigações, enviou uma representação à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que também é procuradora-geral eleitoral,  afirmando que as redes sociais estão violando o direito à comunicação e a legislação eleitoral.

“[P]rovedores de aplicações que sustentam redes sociais na internet têm cometido graves lesões ao direito humano à comunicação dos brasileiros usuários da rede mundial, especialmente contra a liberdade manifestação de pensamento, expressão intelectual, artística, científica e de informação”, escreve o procurador. “[T]em sido prática dos provedores de aplicações representados a imposição de limites ou obstáculos, diretos ou indiretos, à livre circulação de informações, ideias e opiniões de natureza política no curso da disputa político-eleitoral”, diz.

Ouça o Podcast Ethos #12:

Limites

Podcast Ethos procurou Ailton Benedito para conversar sobre sua representação à PGE. Para o procurador, em um resumo de sua posição, a Constituição e a legislação brasileira só admitem o controle de conteúdo por parte das redes sociais se houver previsão expressa da lei ou uma decisão da Justiça que obrigue a retirada. Benedito destaca ainda que, no momento, o mais importante é evitar interferência nas eleições. “O fundamental nesse momento é a defesa, é a tutela, dos interesses de toda a sociedade independentemente da coloração ou da ideologia partidária, porque é o processo eleitoral que precisa ser protegido”, diz.

O Podcast conversou também com o advogado Caio Cabeleira, doutor em direito civil pela USP, que destacou o aspecto contratual da relação entre as redes sociais e seus usuários. “Na imensa maioria dos casos, inclusive quando empresas têm perfis [nas redes sociais], me parece que se aplica o Código de Defesa do Consumidor para reger essa relação [...] O Facebook tem lucro com a publicidade que vende e os dados que coleta”, afirma. 

Leia também: Medida do Facebook acende debate sobre limites de atuação de empresas e do Estado

Cabeleira ressalta ainda que as empresas que oferecem serviços ao público não podem discriminar os consumidores. “[O Facebook] não pode barrar uma pessoa e negar a prestação de serviço para um consumidor sem ter uma baita justificativa para isso [...] Imagine que um banco negue abrir conta para você, mesmo tendo dinheiro, só por conta das suas opiniões. É a mesma coisa”, diz.  

Regulação

O Ethos procurou ainda Jacqueline Abreu, advogada em direito digital e doutoranda pela USP, e Luca Belli, professor de Governança e Regulação de Internet na FGV Direito Rio, dois nomes que têm estudado questões ligadas à regulação da internet. 

Para Jacqueline, a pergunta sobre os limites à liberdade das redes sociais para retirar conteúdo de circulação ainda não está respondida no Brasil. “Uma confusão que normalmente se faz parte do artigo 19 do MCI, que estabelece um mecanismo que institui uma obrigação para as plataformas retirarem um conteúdo considerado ilegal por uma decisão judicial”, diz. “Isso não significa que as plataformas não possam ter sua próprias políticas de conteúdo sobre o que pode ou não ser postado ou dito na plataforma”, afirma. 

Nos Estados Unidos, segundo a advogada, há mais clareza que a ampla proteção que a Primeira Emenda dá à liberdade de expressão protege também o “discurso corporativo” de empresas e, por extensão, a liberdade do Facebook em estabelecer seus termos de comunidade. Mas isso não impede que, por lá, esteja surgindo um debate acerca da natureza das redes sociais e sobre quais regras deveriam se aplicar nas relações com os usuários. 

Opinião da Gazeta: Facebook: segurança da informação ou expurgo ideológico?

Jacqueline explica que a discussão, ainda incipiente, avança à medida em que se percebe que Facebook não tem a mesma natureza que o Estado, que deve garantir o acesso de todos os espectros políticos ao espaço público, nem das empresas editoriais, que têm liberdade para escolher o que publicam. “Essas plataformas não se encaixam nessas duas categorias, e o debate é se, para essa categoria nova, nós poderíamos falar em regramentos diferentes”, diz. 

Luca Belli destaca que a saída para o impasse pode estar na co-regulação desses aspectos. “O Facebook está numa situação difícil. Gerenciar a expressão livre de dois bilhões de pessoas de culturas diferentes não é simples”, diz.  “O Estado deveria definir princípios que as plataformas deveriam seguir na sua avaliação de qual conteúdo é ‘questionável’. Assim, os princípios seriam definidos pelo Estado e implementados pelo setor privado no âmbito de uma co-regulação”, sugere. Entre as necessidades mais urgentes de regulamentar, Belli cita o aumento de transparência na aplicação dos termos de uso pelos moderados das plataformas e a criação de um mecanismo de recurso das decisões.

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