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O filósofo Olavo de Carvalho | RODOLFO BUHRER/Arquivo Gazeta do Povo
O filósofo Olavo de Carvalho| Foto: RODOLFO BUHRER/Arquivo Gazeta do Povo

Nos últimos tempos uma atitude recorrente em supostos conservadores vem me encabulando e verdadeiramente incomodando — já escrevi sobre o assunto ao Burke Instituto Conservador e à própria Gazeta do Povo; no entanto, aqui eu quero oferecer um enfoque mais pragmático ao problema. 

Alguns ditos “conservadores” cada vez mais se prendem a escolas de pensamentos dogmáticos — ou que, ao menos, adotam caráter dogmático —, enxergam pensadores, críticos e filósofos de maneira unívoca; aparentam ostentar uma ânsia afobada por “messias” políticos e intelectuais que ditem seus passos, pensamentos e jeitos. Tal superdependência de gurus se “aloja” num espaço psicológico débil (e carente) dos indivíduos que abraçam tal modo de vida; os gurus parecem prover certa seguridade de caráter, afagos intelectuais e propósitos de vida que, sem demora, se transformam em prepotência intelectual e ataques morais desmedidos. 

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Disso segue aquilo que denomino de “juízo em bloco”, isto é: ideias que são adotadas como verdades últimas não por sua composição intrincada, vigorosa e apologética, mas simplesmente porque é de alguém considerado respeitável ou intocável. As pessoas passam a adotar ideias como verdades absolutas não por suas substâncias, arranjos filosóficos e/ou científicos, mas apenas por sua filiação. 

Este é um caráter comum em todo pensamento ideológico e profundamente tirano; não há sequer uma ditadura moderna que não tenha adotado o juízo em bloco por seus adeptos. 

Tais cegueiras consentidas transformam certos “conservadores” em verdadeiros carrascos vendados, matando deliberadamente todo e qualquer pensamento que se diferencie do seu, sem nenhuma prévia análise e dissecação dos princípios contrários. Uma atitude que, longe de ser conservadora, assemelha-se mais às táticas bolcheviques de queima de reputação. 

Os dogmáticos que me desculpem, mas o debate é fundamental

O conservadorismo, como objeto de estudo e intelecção, se fez no esteio do debate, assim como todo conhecimento — pelo menos é assim desde quando Sócrates começou a investigar O Conhecimento. O pensamento conservador — pragmaticamente dizendo — se constrói no vigor da defesa de princípios e instituições basilares, mas nunca da deslealdade, na queima deliberada de reputações e afogamentos morais de indivíduos; e se o considerarmos enquanto conhecimento formal e sistemático, mais estúpido ainda seria pensar que suas diretrizes mandam assassinar ideias opositoras, sendo que uma de suas características mais latentes é a reação às sandices modernistas. Sem oposição não há conhecimento conservador; num sistema de pensamento único não há inteligência, há tão somente egocentrismos e tiranias. 

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Ao debatermos ideias, o sentido último não é destruir o adversário, mas sim as ideias de seus adversários; no entanto, em seu sentido último, ainda que logremos êxito em “destruir” a ideias contrárias, nunca se deve negar a possibilidade de que novos entusiastas nelas se engajem. Tudo isso, é claro, considerando ideias as quais a violência e a tirania não são partes inerentes de seu seio; quando o crime é a própria ideia, nesses casos — como é o caso do nazismo e da magia negra, por exemplo — temos então um conjunto de ideias dos quais naturalmente se pressupõe o crime, e que sem o crime a própria ideia não pode existir. 

No entanto, muitos dos considerados “conservadores” estão fazendo uma verdadeira roda punk, em que vários “histéricos” e “drogados” trocam agressões morais e assassinatos de reputações sem nenhuma finalidade que não seja o de proteger seus gurus e suas ideias dogmáticas. Desconhecem o debate, e por consequência, o conhecimento; ficando tão somente agarrados em suas ladainhas políticas. 

Valores em perigo

Quando um conservador argumenta que o seu conservadorismo é o oficial, que fora de sua piscininha de águas rasas não há mais nada a ser chamado de “conservadorismo”, neste instante entendemos que este alguém sequer entendeu o mínimo do pensamento conservador. O conservadorismo se faz na exata desobediência a sistematizações e arquiteturas políticas, na recusa a métodos ideológicos. 

"Surpresos e deslumbrados pelo sucesso das ciências experimentais, os filósofos se persuadiram de que também a filosofia poderia aspirar a resultados análogos, se acaso dispusesse de um bom método. Por isso se preocuparam em transferir diretamente à pesquisa filosófica os mesmos métodos da ciência (Bacon, Galileu) e da matemática (Descartes, Spinoza, Leibnitz) ou esforçaram-se por inventar métodos novos" (MONDIN, 1981, p. 30. Grifos meus.) 

A filosofia conservadora passa longe dessas certezas sistematizadas, não pretende jamais ser politicismo de laboratório; o conservador não quer, não busca e nem precisa desses ativismos dogmáticos, de uma doutrina oficial sobre “o que fazer para ser conservador”.

E enganam-se aqueles que dirão que, ao criticar a ideologização do conservadorismo, eu, de certa forma, também estou sistematizando o pensamento conservador; pelo contrário, estou tentando manter sua virgindade diante das filosofias modernas que diuturnamente anseiam por métodos com exatidões matemáticas. 

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Era claro para Edmund Burke, Russell Kirk, Michael Oakeshott, João Camilo de Oliveira Torres, Visconde de Uruguai — entre outros — que apesar de concordantes em questões basilares, como a irrevogabilidade das liberdades de culto, defesa, pensamento e ação; a existência de uma moralidade supracultural; a dignidade da vida humana desde a concepção, assim como o de sua autodefesa; a legalidade da posse de propriedades, entre outras coisas pontuais. São essas linhas gerais que fazem do conservadorismo mais que fantasmagóricas ideias abstratas, dado que tais princípios encontram sua pragmaticidade na realidade; são as bases primárias de toda e qualquer ação mais efetiva. 

Como afirmou Edwin J. Feulner:

"Os conservadores tradicionais, os liberais clássicos e os anticomunistas concordam todos em que os valores centrais da civilização estavam em perigo" (In. KIRK, 2016, p. 429); assim como também afirmara Isaiah Berlin: "[...] todo homem tem um senso básico do bem e do mal, não importa a qual cultura pertença" (BERLIN, 2018, p. 42).

Ou seja, apesar de concordarmos naturalmente em linhas gerais com esses princípios, não possuímos cartilhas sobre como ser conservador; e é justamente essa a grande lição do conservadorismo à modernidade: a imprecisão ideológica é a política social mais precisa. 

Ideias políticas só ganham ares de pensamento conservador quando elas abdicam de sistematizações, agindo num resgate constante das instituições humanas basilares como a família e a Igreja — instituições que não são antigas, mas perenes, ou seja, constantemente necessárias e irrevogáveis à própria sociedade —; é pensamento conservador quando esse atua através de um pragmatismo ponderado e inteligente, tendo em seu caráter a compreensão sempre fatídica de queda humana, da falibilidade das ideias e ambições do homem. Sabe o conservador que a espécie é mais sábia que o indivíduo, e que a moral laboriosamente forjada durante séculos é muito mais capacitada e sábia do que “regretas” criadas em laboratório sociológico da USP, ou por philosophes ideários. 

"Com muita leitura de história e com muita prática na conduta dos assuntos políticos, Edmund Burke sabia que os homens não são naturalmente bons, senão que são seres que mesclam o bem e o mal, mantidos em obediência à lei moral principalmente pela força do costume e do hábito, o que os revolucionários rejeitariam como um lixo deveras antiquado. Ele sabia que todas as vantagens da sociedade são produto de uma intricada experiência humana por muitos séculos, não algo a ser consertado da noite para o dia por alguns filósofos de cafés. Sabia que a religião é o maior bem do homem, que instituir ordem é a principal necessidade da civilização, que os bens hereditários são o sustentáculo da liberdade e da justiça, e que o corpo de crenças que muitas vezes chamamos de 'preconceitos' são o senso moral da humanidade" (KIRK, 2016, p. 287). 

Os Intocáveis

Desta forma, não deveria ser problema para um conservador considerar a possibilidade de que as ideias de Olavo de Carvalho sejam criticáveis, que haja conservadores que não se identifiquem com o seu pensamento e que nem por isso deixaram de ser conservadores e pessoas respeitáveis. Isto se dá justamente porque Olavo de Carvalho não é a régua do conservadorismo — o conservadorismo não tem régua, não há pessoas incriticáveis a um conservador. 

Há um conservadorismo além Olavo; há conservadorismo além Bolsonaro. Criticar as suas decisões, ponderar sobre as suas atitudes e ideias, de maneira alguma é ser anticonservador. Um conservador fidelizado a homens e escolas é um conservador amarrado, que mesmo querendo alcançar a taça da liberdade, se vê impossibilitado por estar preso ao tronco do fideísmo cego. 

Pessoalmente não sou nem da escola olaviana de conservadorismo, nem da escola dos “isentões” — àqueles que denomino de “conservadorismo gourmet”. Eu aproveito o que há de bom em todos e seguramente guardo a responsabilidade de arcar com as minhas próprias decisões, escolhas e ideias; sim, eu me apoio nos grandes, todavia sem fazer deles os meus senhores. De maneira alguma considero a obra de Olavo de Carvalho irrelevante, pelo contrário, leio sistematicamente os seus livros e, na medida do possível, vejo as suas considerações em vídeos; acreditar que seus escritos e história intelectual sejam dispensáveis e irrelevantes, é o mesmo que cair noutro canto do extremismo acéfalo pseudoconservador. 

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Todavia, de forma alguma o julgo incriticável, seja em sua obra, seja em suas posições políticas mais pragmáticas. E ainda que os seus fiéis venham dizer que jamais agiram assim, que nunca consideraram o seu mestre um intocável, o bem da verdade é que — conscientemente ou não — agem constantemente assim. Quando uma posição contrária surge no panorama de suas vistas, aglomeram-se em linha de ataque a fim de ridicularizar o pensamento contrário sem, na maioria das vezes, sequer conhecer as ponderações adversárias. Agem como turbas, aquilo que José Ortega Y Gasset chamou de “massa”; novamente os bolcheviques da direita. 

Da mesma maneira, não me enquadro no lado cool do conservadorismo de pantufas, aquele que, sob uma diplomacia sensacionalista e fresca, se tornaram uma ala conservadora tão insossa que chego a pensar que as únicas reivindicações reais do grupo se trata de anti-olavismo e um anti-bolsonarismo masturbatório. No entanto, ainda assim, enxergo uma verdadeira dignidade no ato de ser uma oposição conservadora a pensadores e políticos conservadores; além de que as suas ideias também não são dispensáveis e irrelevantes. 

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A crítica de Martin Vasques da Cunha aos literatos brasileiro, em ‘A poeira da glória’, pode ser um saco de dejetos para uns, ou uma obra magna para outros; o livro de Francisco Razzo sobre o aborto, denominado ‘Contra o aborto’, pode ser empolado e desinteressante a alguns, e louvável e necessário a outros. E não importa em que lado do corner você esteja, suas críticas não farão de Vasques e Razzo mais ou menos conservadores, e nem vocês mais ou menos inteligentes. Podemos julgar mais sensato um ou outro lado, mas jamais usar uma crítica para construir uma guerra canibal de tribos que só querem alimentar seus egos de demiurgo. 

O que mais há no Brasil, hoje, é uma turba de filósofos que nunca leem filosofia; um grupo de críticos vorazes de obras alheias que nunca leram as obras que ferozmente atacam. 

O conservadorismo além do oficial 

Há liberais, conservadores e liberais-conservadores, que são digníssimos no campo das ideias, representam grupos extremamente competentes e hábeis em matéria de conservadorismo e liberalismo. Homens da categoria intelectual de Antônio Paim, um cientista político do mais alto calibre, talvez o brasileiro que mais conhece as estruturas multiformes e estranhas da política nacional. Suas obras estão sendo agora competentemente resgatadas — ou seríamos nós os resgatados por sua mente brilhante? — pela editora LVM. 

Entre outros pensadores e acadêmicos brasileiros que orgulhosamente cito sem fazer distinção de maior ou menor importância: Marcus Boeira, professor de Filosofia do Direito e Lógica Deôntica na Faculdade de Direito da UFRGS; Alex Catharino, historiador, pesquisador do Russell Kirk Center e editor da editora LVM; Ubiratan Iorio, economista, professor da UERJ, Diretor Acadêmico do Instituto Ludwig von Mises Brasil; Paulo Emílio Borges de Macedo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor visitante da Murdoch University (Austrália) e professor visitante da Andrzej Frycz Modrzewski Krakow University (Polônia); Lucas Berlanza, jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diretor executivo do Instituto Liberal e autor do livro Guia Bibliográfico da Nova Direita; Bruno Garshagen, mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa e Universidade de Oxford; entre outros que, pela prudência textual, não citarei aqui. 

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Entre os já falecidos, tão ou mais respeitáveis no campo das ideias e do estadismo nacional, estão homens como Paulino José Soares de Sousa, conhecido como Visconde de Uruguai; José da Silva Lisboa, conhecido como Visconde de Cairu; José Antônio Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente; Luís Alves de Lima e Silva, o histórico Duque de Caxias; Joaquim Nabuco; Gustavo Corção; Mario Ferreira dos Santos, Gilberto Freyre; Ruy Barbosa; Carlos Lacerda; José Guilherme Merquior; Roberto Campos; entre outros que não cito pela mesma prudência arrogada acima. 

Apesar de silenciada, temos uma cultura histórica conservadora e um crescente acadêmico no campo do pensamento liberal e conservador no Brasil. O que devemos ter em mente é que há muito mais que Olavo e Bolsonaro no campo conservador nacional, e que — apesar de respeitáveis em seus campos de atuação — se prender somente a eles é o mesmo que se tornar deliberadamente cerceado. 

O conservadorismo vive basicamente de princípios morais e históricos, e de um pragmatismo prudente; todos os sábios que pisaram e pensaram politicamente o conservadorismo, eram inevitavelmente falhos e dignos de crítica. Acredite, Edmund Burke é digno de crítica, este texto que está lendo agora é totalmente digno de crítica, todos os autores citados acima são passiveis de crítica. 

É justamente nesta colcha de retalho caipira, costurado cuidadosamente por uma avó prudente e respeitável, que vamos vivendo o pensamento conservador sem precisar de métodos ou manifestos. Não se cria manuais para remendar colchas, o tempo se encarrega de desgastar o pano, os homens de remendá-los e a moral de prover a prudência de não se jogar fora a única malha que temos para nos proteger do frio do relativismo e da anarquia moral. Em suma: 

"O conservador reconhece o tempo — mas como sendo passado e futuro. Não nega o passado como o progressista — os tempos pretéritos não foram trevosos nem ignorantes. Não nega o futuro, como os reacionários: o dia de amanhã poderá trazer grandes alegrias se soubermos trabalhar” (TORRES, 2016, p. 41). 

Se soubermos ser honrados e sensatos, faremos do conservadorismo uma disposição, e dessa disposição um conhecimento; se apartando de todo e qualquer impulso de manada histérica. 

Referências

BERLIN, Isaiah. Uma mensagem para o século XXI, 2ª Edição, Âyiné: Belo Horizonte/Veneza, 2018. 

MONDIN, Battista. Introdução à filosofia, São Paulo: Paulus, 1981. 

KIRK, Russell, Edmund Burke: redescobrindo um gênio, É realizações: São Paulo, 2016. 

TORRES, João Camilo de Oliveira. O elogio do conservadorismo e outros escritos, Arcadia: Curitiba-PR, 2016.

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