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O general da reserva Hamilton Mourão, vice na chapa de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência, afirmou nesta segunda-feira (17) que famílias pobres “sem pai e avô, mas com mãe e avó” são “fábricas de desajustados” que fornecem mão de obra ao narcotráfico. 

Segundo o general da reserva, a sociedade no mundo todo vive uma crise de costumes. Particularizou então o caso brasileiro. “A partir do momento em que a família é dissociada, surgem os problemas sociais. Atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai e avô, mas sim mãe e avó. Por isso, é uma fábrica de elementos desajustados que tendem a ingressar nessas narco-quadrilhas”. 

Mourão fez as considerações para uma plateia na seção paulista do Secovi, o sindicato do mercado imobiliário. 

A fala do candidato a vice foi criticada pela presidenciável Marina Silva (Rede). A ex-senadora disse em uma rede social na segunda-feira: “É uma afronta chamar de desajustados os filhos de 11,6 milhões de mulheres que chefiam lares. Elas enfrentam sozinhas todas as dificuldades para dar um futuro a filhos e netos. É da valentia dessas mães e avós que nasce o milagre da sobrevivência de milhões de pessoas”. 

Outra crítica ao comentário do general Mourão veio da jornalista Rachel Sheherazade, que disse em rede social: “Sou mulher. Crio dois filhos sozinha. Fui criada por minha mãe e minha avó. Não. Não somos criminosas. Somos heroínas”. 

Depois da repercussão, o general Mourão disse, nesta terça-feira (18) que o seu comentário de que casas com mães e avós são “fábricas de desajustados” para o tráfico foi apenas uma constatação. 

“[O Brasil vive uma] crise psicossocial. Uma crise de valores que afeta a nossa sociedade, que atingiu a família. Ontem [segunda], em uma exposição similar a essa, eu deixei claro que esse atingimento da família é muito mais crucial nas nossas comunidades carentes, onde a população masculina em grande parte está presa, ligada à criminalidade ou já morreu, e deixa a grande responsabilidade de levar a família à frente nas mãos de mães e avós. Um órgão de imprensa publicou que eu estava criticando as mulheres. Não estou criticando. Estou fazendo uma constatação de algo que ocorre notadamente nas nossas comunidades carentes”, disse o militar. 

“Essas mães e avós saem para trabalhar, a grande maioria são cozinheiras e faxineiras, lidam com a dureza da vida o tempo todo, e não têm com quem deixar seus filhos, porque o Estado não está presente para dar uma creche em tempo integral onde essa criança permaneceria. Essa criança vira presa para o tráfico. Essa é a visão", completou em palestra na Associação Comercial de São Paulo (ACSP). 

Nossas convicções:  O valor da família

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2015, 16,3% das famílias brasileiras são formadas por uma mulher com filhos. As famílias formadas por um casal com filhos representam 42,3% do total, enquanto as formadas por um homem com filhos somam 2,2%. 

A ciência e a sabedoria popular mostram que as crianças se desenvolvem melhor e estão menos expostas a comportamentos de risco quando são criadas em uma família bem ajustada. No entanto, são vários os motivos que levam uma criança a ser criada sem a presença do pai, e essa situação não pode ser considerada uma sentença de fracasso ou de uma vida dedicada ao crime, como o primeiro comentário do general parece sugerir. 

Esse comentário acabou menosprezando o esforço de mães e avós que criam sozinhas seus filhos e netos, na maioria das vezes por circunstâncias fora de seu controle, e procuram oferecer boa educação a eles. 

Nossas convicções: A valorização da mulher

Se por um lado está claro que uma família estruturada é a base para uma formação ética dos indivíduos, e que a maioria das pessoas gostaria de ter uma família assim, por outro, muitas vezes isso não é possível. A ausência de um pai pode ser explicada por abandono, disputas familiares, trabalho, morte ou outras causas. O escritor Marcelo Rubens Paiva, que perdeu o pai aos 11 anos, reagiu à declaração do candidato compartilhando sua história em uma rede social: 

“Mourão afirma nas entrelinhas que mulher não sabe criar filhos. Fui criado pela minha mãe e irmãs, pq a ditadura matou meu pai aos 11 anos, e meu avô morreu de tristeza dois anos depois. Por isso que sou um desajustado.” 

Descontando o lado preconceituoso do comentário de Mourão, o ponto que ele levanta sobre a vantagem de nascer em uma família em que o pai está presente já foi levantado por outros políticos, como Barack Obama. Em um discurso feito no Dia dos Pais em 2008, em uma igreja de Chicago, o então candidato à presidência dos EUA criticou os pais ausentes. Ele falou sobre os pais que “abandonaram as suas responsabilidades, agindo como meninos, em vez de homens”. 

“Nós conhecemos as estatísticas – que as crianças que crescem sem um pai têm cinco vezes mais chances de viver na pobreza e cometer crime; nove vezes mais chances de abandonar a escola e vinte vezes mais chances de parar na prisão”, relatou Obama, que também cresceu sem o pai desde os dois anos de idade. 

Desejos para o Brasil: Respeitar a família e defender a vida em todas as fases

As Ciências Sociais confirmam que as crianças que vivem com seus pais casados têm mais estabilidade familiar e melhor desenvolvimento em diversos sentidos. Essas são algumas das conclusões do relatório “Why Marriage Matters” [Por que o casamento importa], uma grande pesquisa sobre as famílias, feita para orientar lideranças políticas e comunitárias. Os autores são cautelosos ao diferenciar o que se sabe sobre correlação, causalidade e efeitos de seleção, mas destacam que as metodologias de pesquisas estão cada vez mais rigorosas e suas conclusões apontam para a enorme importância da família em uma série de campos. Entre os destaques do relatório, estão as conclusões de que a família intacta, biológica e com base no casamento é “o melhor arranjo familiar para o florescimento econômico, social e psicológico das crianças”, e que o casamento é um bem social relacionado a benefícios econômicos, educacionais, à saúde e à segurança pública que ajuda as autoridades públicas a servir o bem comum”; 

O estudo “Where is the Land of Opportunity? The Geography of Intergenerational Mobility in the United States” [Onde está a terra da oportunidade? A geografia da mobilidade intergeracional nos Estados Unidos], feito por pesquisadores de Harvard e de Berkely, em 2014, analisou os diversos fatores para a mobilidade social nos Estados Unidos. Uma das conclusões do estudo é a de que a estrutura familiar se correlaciona com a ascensão social não só no nível individual, mas também comunitário. 

Nossas convicções: A importância do casamento

Um estudo feito por pesquisadores da Stanford University, dos Estados Unidos, fez uma estimativa do número de crianças que vivem sem o pai biológico no país e examinou a associação entre a ausência do pai e o bem-estar da criança. Outros estudos já associavam a ausência do pai a: saúde pior, desempenho acadêmico mais baixo, piores experiências educacionais e menor envolvimento dos pais nas atividades escolares. No entanto, o estudo da Stanford concluiu que o senso comum pode exagerar os efeitos negativos da ausência paterna. 

Os autores destacaram que a maioria das pesquisas sobre o assunto agrupa as crianças em dois grupos (pai presente e pai ausente), que têm grandes variações dentro deles. Por exemplo, no grupo das crianças com “pai presente” estão juntas crianças que moram com o pai solteiro, com o pai biológico e uma madrasta ou com os dois pais biológicos. Os pesquisadores fizeram então uma análise levando em conta diferentes fatores, como a educação dos pais e a renda (uma criança que mora com os dois pais tem em média maior renda familiar). Nessa análise, diminuem as diferenças entre o bem-estar das crianças que contam com o envolvimento do pai e as que não contam. 

Na conclusão do estudo, os autores ressaltaram que não estão afirmando que os pais não sejam importantes para os seus filhos, mas que a análise sugere que as crianças podem se desenvolver bem apesar da ausência do pai, desde que não tenham outras desvantagens. E a ausência do pai acaba sendo um dos fatores que colocam indiretamente as crianças em desvantagem, muitas famílias são pobres porque o pai não está presente, por exemplo, como afirma a pesquisa da Stanford. 

Nossas convicções: Ética e a vocação para a excelência

Apenas a presença do pai em casa pode não ser suficiente para garantir uma boa educação dos filhos. É preciso que o convívio seja de boa qualidade. Reforçando o que o ex-presidente Obama disse em seu discurso, é preciso que os pais não se ausentem do seu papel na criação dos filhos, e o assumam com responsabilidade. É o que mostra um estudo publicado no periódico Child Development por pesquisadores do Instituto de Psiquiatria do King’s College, em Londres. De acordo com ele, os efeitos benéficos de ser criado pelos dois pais biológicos e casados dependem da qualidade dos cuidados que o pai pode oferecer. 

Os pesquisadores descobriram que quanto menor o tempo que o pai convive com seus filhos, mais problemas de conduta as crianças têm, mas isso só acontece se o pai tem baixos níveis de comportamento antissocial. Nos casos em que o pai é muito envolvido em comportamentos antissociais, quanto mais tempo ele convive com seus filhos, mais problemas de conduta as crianças têm. O comportamento das crianças que moram com os pais altamente antissociais é significativamente pior do que o das crianças cujos pais também são altamente antissociais, mas não moram na mesma casa. 

Ou seja, essa análise de genética comportamental mostrou que as crianças que moram com um pai antissocial recebem uma “dose dupla” de risco para problemas de conduta – genético e ambiental. Dessa forma, a presença do pai só resolveria os problemas enfrentados por algumas crianças que vivem em famílias monoparentais se eles forem uma fonte confiável de apoio emocional e econômico, afirmam os autores. A pesquisa foi feita com 1.116 famílias formadas por pares de gêmeos de cinco anos de idade e os seus pais. 

Com as rápidas mudanças sociais, temos visto um aumento no número de crianças criadas apenas pela mãe. Alexandre Borges, ex-colunista da Gazeta do Povoescreveu sobre os problemas relacionados à ausência paterna na criação de filhos, e mostrou como a queda do número de crianças nascidas em lares de pais casados nos Estados Unidos está mais relacionada à mudança de cultura desde a década de 1960 do que à variação dos níveis de pobreza. 

É indiscutível que a família estruturada tem impacto direto no bem-estar de crianças e adolescentes, e propicia o desenvolvimento econômico, social e psicológico. Na falta da família completa (com pai e mãe biológicos e casados), um ambiente saudável, com disciplina e influências positivas pode ajudar o desenvolvimento de crianças e jovens apesar das desvantagens. O papel do pai não se encerra no momento da concepção; ele é muito mais complexo e importante do que isso.

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