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A forma escolhida pela diretora do filme “Lindinhas” para tratar da hipersexualização de crianças foi, no mínimo, controversa.
A forma escolhida pela diretora do filme “Lindinhas” para tratar da hipersexualização de crianças foi, no mínimo, controversa.| Foto: Divulgação/Netflix

O filme francês “Lindinhas”, alvo de críticas antes mesmo de sua estreia na Netflix, está disponível para os assinantes da plataforma desde o último dia 9 de setembro. E logo nos primeiros dias de exibição as polêmicas em torno do filme se intensificaram, a ponto de o filme estar ameaçado de investigação por uma possível violação às leis americanas contra a pornografia infantil.

O deputado do estado do Texas Matt Schaefer disse, em uma postagem no Twitter, que pediu ao procurador-geral do estado, Ken Paxton, que investigue o filme de estreia da diretora franco-senegalesa Maïmouna Doucouré. Segundo o político, pode ter havido “violações às leis de exploração infantil e pornografia infantil.”

Lindinhas, cujo nome original é Mignonnes, conta a história de uma menina de 11 anos, Amy, interpretada por Fathia Youssouf. Filha de uma família de senegaleses seguidores do islamismo, ela se apaixona por um grupo de dança da escola que frequenta e faz de tudo para ser aceita pelas outras meninas, enfrentando as tradições de família.

A forma escolhida por Doucouré para tratar desse assunto foi, no mínimo, controversa. Em praticamente todas as cenas de dança, há pelo menos um momento em que a câmera leva o espectador a focar os olhos nas partes íntimas das atrizes, crianças.

Em uma sequência, após apanhar da mãe, a personagem principal aparece como se estivesse em um transe, vestindo camiseta e calcinha, e enquanto água é jogada em seu corpo ela alterna movimentos aparentemente involuntários que chegam ao infame “twerking”. Aqui também a câmera se aproxima bastante das nádegas da menina.

Essa forma de enquadramento é usada à exaustão no filme. À revista Time, a diretora explicou que tentou contar a história pelos olhos da protagonista, Amy, o que “desafiaria o público ao mostrar como a hiper sexualização de crianças se tornou normalizada”.

A própria revista admite que “essa combinação de ingenuidade infantil e sexualidade aberta (...) às vezes torna a visualização desconfortável, já que os espectadores são forçados a posicionar seu olhar nos corpos de Amy e das Lindinhas.”

E é nessa exposição exagerada dos corpos das meninas que está a possível violação às leis apontada pelo deputado texano.

O Código Penal norte-americano tem trechos específicos sobre o que considera ilegal no trato de questões envolvendo pornografia infantil e exploração sexual de menores. Mas uma decisão da suprema corte americana de 1986 traz ainda mais detalhes sobre quais limites podem ter sido ultrapassados pelo filme.

No caso EUA vs. Dost, dois homens foram condenados por terem feito fotografias de meninas nuas, uma de 10 e outra de 14 anos. Na sentença, a suprema corte estabeleceu alguns critérios para definir se uma representação visual pode ou não ser considerada como pornografia infantil.

Entrariam nessa categoria as representações visuais que são propositalmente criadas para ativar uma resposta sexual no espectador; aquelas que sugerem uma certa timidez sexual ou mesmo a vontade de praticar um ato sexual; aquelas onde as crianças estiverem parcialmente vestidas ou nuas; as que mostram as crianças em posturas não condizentes com a idade, ou em trajes impróprios.

Também fazem parte aquelas representações cujo cenário seja sexualmente sugestivo, ou seja, em um lugar ou pose geralmente associado à atividade sexual; e por fim aquelas onde o ponto focal da imagem está nos genitais ou na região púbica da criança.

No site oficial da procuradoria-geral do estado do Texas, contudo, ainda não há nenhuma menção ao pedido feito por Schaefer.

Em entrevista ao site Deadline, Doucouré lembrou que o filme foi bem recebido pela crítica – ela foi a vencedora do prêmio do júri popular no Sundance Festival de 2020 – e que ficou sabendo das polêmicas quando a Netflix fez a divulgação do primeiro cartaz do filme.

Ela enfatizou que é contra a hiper sexualização de crianças, e disse que vem sendo atacada desde que o filme foi anunciado na plataforma de streaming.

“Eu recebi inúmeros ataques contra a minha pessoa por gente que sequer viu o filme, que acha que eu realmente fiz um filme de apologia à sexualização de crianças”, disse. “Eu também recebi muitas ameaças de morte.”

A Netflix, que a princípio pediu desculpas pela “arte inadequada” com a qual divulgou o filme, se pronunciou por meio de um porta-voz: “‘Lindinhas’ é um comentário social contra a sexualização de crianças pequenas.”

A nota conclui afirmando que: “É um filme premiado e uma história poderosa sobre a pressão que as jovens enfrentam nas mídias sociais e na sociedade de forma mais geral – e nós encorajamos qualquer um que se importe com essas questões importantes a assistir ao filme”.

A classificação indicativa do filme, que originalmente era para 14 anos, passou a ser para maiores de 16 anos. A medida foi tomada pelo Ministério da Justiça, por meio de uma portaria publicada no último dia 2 de setembro.

Além de mudar a classificação etária do filme, o ministério também recomendou que caso o filme seja exibido em TV aberta, a exibição seja feita depois das 22h, mesmo tendo classificado a obra como uma comédia.

Veja a íntegra da Portaria nº 986, de 2 de setembro de 2020.

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