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Estação de tratamento de água de Flint
Estação de tratamento de água de Flint| Foto: Divulgação

A cidade de Flint, em Michigan, já foi um polo produtivo nos Estados Unidos e hoje sofre com uma população pobre sem acesso à água potável – uma ferida aberta no país deixada pelo governo de Barack Obama.

Até a década de 1970, Flint abrigou a maior fábrica da General Motors do país. O declínio econômico da cidade começou durante a década de 1980, quando a GM reduziu seu tamanho, e se agravou nas décadas seguintes: em 2011, o estado de Michigan assumiu as finanças de Flint após uma auditoria projetar um déficit de US$ 25 milhões.

Para reduzir o déficit orçamentário do abastecimento de água, a cidade anunciou que um novo aqueduto seria construído para fornecer água do Lago Huron para Flint. Em 2014, enquanto a construção ainda estava em andamento, a cidade passou a ser abastecida pelo rio Flint. Logo após a mudança, os moradores relataram mudanças na cor, cheiro e sabor da água.

Testes realizados em 2015 pela Agência de Proteção Ambiental (EPA, sigla em inglês) e pela Universidade de Virginia Tech indicaram níveis perigosos de chumbo na água das residências dos moradores. Uma ação coletiva acusa o Estado de não ter tratado a água com um agente anticorrosivo exigido pela lei.

Como resultado, ela estava corroendo a rede de tubulações de ferro e se tornando marrom. Além disso, cerca de metade dos encanamentos das residências em Flint são feitas de chumbo e, como a água não foi tratada adequadamente, ele começou a vazar.

Descaso 

A contaminação é resultado de uma série de erros do Estado, o principal deles sendo a detecção do problema pela EPA sem qualquer ação para resolver a situação — é isso que os moradores alegam em um processo coletivo contra o governo federal.

“Seria uma novidade inimaginável ouvir um presidente americano exercer honestidade moral e intelectual, admitir que membros de alto escalão de sua administração violaram a confiança pública e assumir a responsabilidade pelo desastre ocorrido sob sua supervisão”, diz Marsha Coleman-Adebayo, denunciante da EPA que trabalhou na agência por 18 anos. “O fracasso do governo Obama em Flint tornou-se o pesadelo de milhares de cidadãos desavisados.”

A resposta de Obama, entretanto, esteve longe da esperada por Marsha: em um discurso na Northwestern High School, em Flint, em 2016, o então presidente minimizou as consequências da contaminação.

“Se você tem a minha idade, ou é mais velho, ou talvez um pouco mais jovem, você teve algum chumbo em seu sistema quando estava crescendo. Tenho certeza de que em algum lugar, quando eu tinha dois anos, estava pegando um pedaço de tinta, colando na boca e ingerindo um pouco de chumbo”, disse.

“Não quero que ninguém comece a pensar que de alguma forma todas as crianças em Flint vão ter problemas pelo resto de suas vidas, porque isso não é verdade”, acrescentou.

Verdade inconveniente 

Após a mudança de abastecimento em Flint, a porcentagem de crianças com altos níveis de chumbo no sangue aumentou consideravelmente, de acordo com um levantamento da pesquisadora Hanna-Attisha. Cerca de 9.000 crianças com menos de seis anos foram encaminhadas para tratamento devido a exposição a altos níveis de chumbo.

Vale lembrar que, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o chumbo afeta o desenvolvimento do cérebro das crianças e resulta em redução do quociente de inteligência ou QI e dificuldades de aprendizagem. Ele também leva a mudanças comportamentais, como dificuldade em manter atenção, inquietação, agressividade e redução do desempenho educacional.

Estudos mostraram ainda que um nível de chumbo no sangue de 5 microgramas por decilitro podem levar a criança a ter maior probabilidade de não ser proficiente em matemática, ciências e leitura, de acordo com Relatório do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. Para as crianças com concentrações acima de 10 microgramas, pode resultar em pontuações significativamente mais baixas em testes de desempenho acadêmico na quarta série. De qualquer forma, a comunidade médica defende que nenhum nível de chumbo é seguro para as crianças.

“Sabemos que esse chumbo está em nosso sistema. E a quantidade de efeitos colaterais que ela terá é geracional”, afirma Della Becker-Cornell, diretora do centro de desenvolvimento da primeira infância da Universidade de Michigan em Flint.

Por outro lado, em Flint mais de 40% da população predominantemente negra vive na pobreza. Por isso, os problemas neurológicos a longo prazo também podem ser atribuídos a uma multiplicidade de circunstâncias, como pobreza, má nutrição e escolas de baixa qualidade.

“Não se pode dizer que os problemas identificados se devem ao chumbo ou não”, pondera Helen Binns, professora de pediatria e medicina preventiva da Northwestern University. “Muitas crianças identificadas com problemas de desenvolvimento não têm exposição ao chumbo; o chumbo pode ser um fator contribuinte, mas não é o único fator.”

Presente 

Cinco anos após a crise em Flint, os esforços da população para responsabilizar o governo não trouxeram muitos resultados. Em 2017, quase 2 mil moradores da cidade entraram com um processo de US$ 722 milhões contra o governo federal por contaminação na água. As ações judiciais alegam que a Agência de Proteção Ambiental (EPA) foi muito lenta para intervir e respondeu de forma negligente à crise.

"O impacto sobre a saúde dos quase 100 mil moradores da cidade de Flint permanece incalculável", afirmou a juíza Linda V. Parker. "Prevê-se, no entanto, que a lesão causada pelo sistema público de abastecimento de água contaminado por chumbo afetará os moradores por anos e provavelmente por gerações futuras".

Segundo a juíza, a EPA estava ciente de que a água do lado enviada para o Rio Flint era altamente corrosivo, representava um perigo significativo de lixiviação de chumbo para os moradores e a agência também sabia que os funcionários públicos de Flint não estavam alertando os moradores que estavam sendo abastecidos com chumbo — pelo contrário, induziam a população a acreditar que não havia nada de errado com o abastecimento de água.

O governo do presidente Donald Trump está tomando medidas para melhorar a supervisão da EPA sobre a água potável, diz Craig Rucker, presidente do Committee for a Constructive Tomorrow.

“Fornecer água potável é uma das coisas mais fundamentais que se espera do governo, particularmente em um país tecnologicamente avançado como os Estados Unidos”, afirma Rucker.

Para ele, a tragédia é resultado do estado decrépito das tubulações de água subterrânea de Flint, combinado com um colapso na comunicação entre as autoridades federais, estaduais e locais. “Os esforços da administração Trump para reformar a EPA estão mais do que justificados e devem continuar”, diz.

Em março, o administrador da EPA, Andrew Wheeler, criticou o tratamento dado pelo governo Obama aos problemas de água em Flint e prometeu que o governo Trump não cometerá os mesmos erros.

“Parte do problema em Flint é que houve um colapso quando o município, o estado de Michigan, e a EPA de Obama obtiveram os dados da crise e precisaram lidar com eles”, disse Wheeler.

Para Pete Sepp, presidente da National Taxpayers Union, o crescente envolvimento do setor privado no tratamento e fornecimento de água potável melhoraria a qualidade do abastecimento.

“Os contribuintes enfrentarão centenas de bilhões — até mesmo trilhões — de dólares em custos para substituir, aumentar e gerenciar a infraestrutura de água subterrânea nas próximas décadas”, diz Sepp.

Segundo ele, assegurar a supervisão desse processo e evitar futuras crises no estilo de Flint deve começar com os sistemas de água potável e de esgoto, otimizados para as condições fiscais e ambientais em cada comunidade.

“É por isso que as reformas que incentivam a inovação do setor privado, criando uma administração responsável e enfatizando a competição aberta por materiais, são essenciais”, conclui Sepp.

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