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O paleoantropólogo francês Jean-Jacques Hublin mostra o crânio do ‘Homo sapiens’ descoberto no Marrocos | PATRICK KOVARIK/AFP
O paleoantropólogo francês Jean-Jacques Hublin mostra o crânio do ‘Homo sapiens’ descoberto no Marrocos| Foto: PATRICK KOVARIK/AFP

Fósseis descobertos nas montanhas do interior do Marrocos sugerem que o primata bípede hoje conhecido como Homo sapiens, o ser humano anatomicamente moderno, já habitava o continente africano há mais de 300 mil anos. Se as datações e a análise dos ossos estiverem corretas, nossa espécie ganha uma "certidão de nascimento" cerca de 100 mil anos mais antiga do que se imaginava até agora.

"Costumávamos achar que havia um berço da humanidade há 200 mil anos na África Oriental [Etiópia], mas nossos novos dados revelam que o Homo sapiens estava presente em todo o continente africano havia cerca de 300 mil anos. Antes que nos espalhássemos para fora da África, houve um processo de colonização dentro da África", declarou o paleoantropólogo Jean-Jacques Hublin, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, em comunicado oficial.

Hublin, ao lado de seu colega Abdelouahed Bem-Ncer, do Instituto Nacional de Ciências da Arqueologia e do Patrimônio, no Marrocos, coordenaram o trabalho que desencavou novos fósseis e reanalisou achados antigos do sítio de Jebel Irhoud, caverna conhecida como lar de parentes primitivos do homem desde os anos 1960.

Os restos humanos antigos achados na caverna nessa época tiveram idade originalmente estimada em 40 mil anos e foram atribuídos a uma população africana de neandertais, espécie muito próxima da nossa que dominou a Europa durante boa parte da Era do Gelo. As novas escavações no Marrocos aumentaram de seis para 22 o número de fósseis humanos descobertos lá e trouxeram novas e preciosas informações sobre o formato do crânio dessas pessoas - detalhes que são fundamentais para estimar seu grau de parentesco com os seres humanos do presente.

Além disso, os pesquisadores conseguiram usar um método conhecido como termoluminescência para datar artefatos de pedra achados nas mesmas camadas que as fósseis. Foi essa datação que permitiu propor uma idade entre 350 mil e 300 mil anos para a presença dos ancestrais do homem na caverna.

Cara e cabeça

Hublin, ao lado de seu colega Abdelouahed Bem-Ncer, do Instituto Nacional de Ciências da Arqueologia e do Patrimônio, no Marrocos, coordenaram o trabalho que desencavou novos fósseis e reanalisou achados antigos do sítio de Jebel IrhoudPATRICK KOVARIK/AFP

Essa idade muito recuada parece se encaixar de forma lógica com a aparência dos crânios, mandíbulas e dentes dos habitantes de Jebel Irhoud (até agora, os restos encontrados correspondem a cinco pessoas, entre adultos, adolescentes e crianças).

Os pesquisadores enxergam uma espécie de mosaico de características "modernas" e "arcaicas" nesses fósseis. De um lado, o rosto dos indivíduos lembra o que ainda vemos nos seres humanos de hoje. A região do nariz e da boca não se projeta para a frente, como acontecia com os neandertais e outros membros mais antigos do nosso gênero, o Homo. O formato da mandíbula e dos dentes também se aproxima do que se vê no Homo sapiens atual, apesar da chamada robustez — os dentes, por exemplo, são muito grandes.

As diferenças ficam mais marcantes na parte de trás do crânio, onde se aloja o cérebro. Seres humanos modernos possuem essa parte da anatomia bem arredondada, enquanto a dos Homo sapiens de Jebel Irhoud é mais alongada.

Para o paleoantropólogo Walter Neves, da USP, esses detalhes indicam que seria correto pensar nesses hominídeos marroquinos como uma forma intermediária. "Sabemos que o Homo heidelbergensis [espécie mais antiga] deu origem aos neandertais na Europa, ao passo que, na África, deu origem ao homem moderno. Com essa datação nova, Jebel Irhoud ocupa exatamente o espaço entre H. heidelbergensis e H. sapiens na África", pondera.

Outros fósseis achados no local indicam que os moradores da caverna caçavam animais como zebras e gazelas e dominavam o fogo, já que os artefatos de pedra foram alterados pelo calor de fogueiras. A descrição completa das descobertas está na revista científica "Nature".

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