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Apesar da narrativa, os dados mostram que a violência policial que tem como alvo preferencial os negros é um mito do nosso tempo.
Apesar da narrativa, os dados mostram que a violência policial que tem como alvo preferencial os negros é um mito do nosso tempo.| Foto: AFP

Quantos George Floyd morrem nos Estados Unidos por ano? O caso do civil negro e asfixiado por um policial branco em Minneapolis enquanto já estava dominado desencadeou uma série de protestos e saques pelo país. Mas os números sugerem que o número de afroamericanos alvejados por agentes em serviço vem diminuindo.

Um levantamento produzido pelo jornal Washington Post, que mapeia os incidentes envolvendo policiais desde 2015, indica que, em 2019, foram alvejadas por tiros nove pessoas negras desarmadas e 19 armadas, totalizando 28 atingidos. Em 2015, foram 38 afroamericanos desarmados e 32 armados, num total de 70 pessoas. A mesma pesquisa indicou que, em 2018, afroamericanos responderam por 53% das tentativas de homicídio e por 60% dos roubos, mesmo compondo apenas 13% da população.

Quando se trata do total de crimes violentos registrados no país em 2018, 547.948 envolviam negros agredindo brancos. Em 59.778 dos casos, brancos atingiram vítimas negras. Em 70% dos incidentes violentos envolvendo pessoas negras, tanto agressor quanto vítima eram da mesma etnia. Dos assassinatos registrados em 2013, na proporção do número de membros de cada etnia, 0,77% envolveu negros mortos por brancos. E 53,94% envolveram negros mortos por negros.

Por que ainda assim a polícia tem essa fama de alimentar um racismo institucionalizado?

Objetivos secretos 

“Os policiais americanos, em geral, são boas pessoas. Eles cuidam das ruas das nossas cidades todos os dias”, afirma Haven Simmons, professor da Universidade de Salisbury e ex-porta-voz do departamento de polícia da Flórida. “Regiões violentas das cidades apresentam para as forças policiais uma situação de perde-perde: envie agentes e eles serão acusados de racismo, assédio e brutalidade; retire os agentes e eles serão acusados de negligenciar os negros em privilégio das áreas ocupadas por ricos”.

Para o pesquisador, “as alegações racistas disseminadas na sociedade encobrem uma agenda que visa uma utopia socialista, cujo objetivo final é a anarquia que vai levar a um governo tirânico. Seguido esse objetivo, a mídia progressista prefere focar em confrontos entre policiais brancos e civis negros. São incidentes raros na rotina policial, mas a divulgação massiva ajuda a construir uma narrativa sobre um suposto racismo estrutural”.

O resultado, diz ele, é que o país está sob cerco. “Vai ser curioso observar o que acontecerá quando os saqueadores chegarem aos subúrbios, às cidades menores e às áreas rurais, onde muitos americanos estão armados e não confiam mais na capacidade da força policial em protegê-los”.

No artigo Como a narrativa tóxica influencia a forma como vemos a polícia, Rafael A. Mangual, diretor jurídico do Manhattan Institute, escreve que “a polícia tem sido alvo de uma campanha venenosa, de décadas, para apresentar a aplicação da lei como uma engrenagem no maquinário racialmente opressivo do sistema de Justiça”. Esse tipo de pensamento, diz ele, ignora “os progressos espantosos feitos na direção da tolerância racial”.

Menos tiros 

Isso não significa, diz o especialista, que a polícia seja perfeita, “eles não são perfeitos, e alguns sucumbem ao que pode ser um senso de autoridade intoxicante”. Mas os números, lembra ele, indicam que houve, sim, muitos avanços na direção de um tratamento igualitário para diferentes etnias. Por exemplo: em 2015, uma análise do departamento de polícia da Filadélfia concluiu que policiais brancos estavam menos predispostos a atirar em suspeitos negros desarmados do que os policiais negros.

Na pesquisa An Empirical Analysis of Racial Differences in Police Use of Force, publicada em 2016, o professor da economia da Universidade Harvard Roland G. Fryer J. não identificou sinais de racismo na abordagem policial. “Nos casos de uso extremo de força, envolvendo tiroteios, não encontramos nos dados diferenças a respeito da questão racial. Apenas uma fração dos policiais age de forma discriminatória”, afirma o pesquisador.

Segundo Rafael A. Mangual, além de não-discriminatória em geral, a polícia americana tem atirado muito menos. “Em 2018, a polícia disparou suas armas 3.043 vezes. Esse número poderia indicar que a violência policial é comum”, prossegue Mangual. “Mas considere que, no mesmo ano, um total de 686.665 agentes policiais realizou mais de 10,3 milhões de prisões, uma fração dos mais de 50 milhões de contatos que mantiveram com o público”.

São, portanto, pouco mais de 3 mil tiros para mais de 50 milhões de abordagem. A polícia de Nova York, por exemplo, disparou 72 tiros no ano de 2016 inteiro. Em 1971, haviam sido 810 disparos. Ainda assim, em meio à pandemia de Covid-19, a cidade americana vem sendo palco constante de manifestações, aglomerações e saques contra a violência policial contra negros. 

Pressão psicológica

Os policiais vêm atirando menos, mas continuam sujeitos a ferimentos a bala e a altos níveis de pressão psicológica. Também é assim no Brasil. O estudo Vitimização Policial: Morbidade por Arma de Fogo de Policiais Militares do Estado do Rio de Janeiro, produzido por Fernanda Mendes Lages Ribeiro, analisou dados referentes a policiais militares baleados no Rio de Janeiro entre 2015 e 2017. O levantamento concluiu que os feridos tinham, em média, 34,7 anos e, em 40,8% dos casos, foram alvejado entre o abdome, o tórax e a cabeça.

Como também concluiu o estudo Fatores Associados ao Estilo de Vida de Policiais Militares, realizado com base em entrevistas concedidas por policiais militares de Recife, a profissão gera grandes desgastes pessoais. “Nos resultados sobre o estilo de vida, 12% relataram fumar, 10% foram classificados com suspeita de consumo abusivo de bebidas alcoólicas, 73% foram considerados insuficientemente ativos e 40% disseram se envolver em conflitos pessoais de forma frequente ou às vezes”. São pessoas que, em geral, têm menor escolaridade e menor nível de renda do que a média da população.

E lidam diariamente com o risco de perder a vida.

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