Aos 11 anos de idade, a sueca Greta Thunberg parou de comer e de falar. Em dois meses, perdeu dez quilos. Já não ia mais à escola. Sua mãe, a cantora de ópera Malena Ernman, criou uma tabela em folhas A3, que pendurou perto da mesa de jantar para anotar cada vez que conseguia convencer a filha a se alimentar. Entre idas a hospitais e sessões com psicólogos, ela registrou o avanço. Primeiro anotava “Café da manhã: 1/3 de uma banana. Tempo: 53 minutos”. Depois de alguns meses, ela havia evoluído para “Café da manhã: uma banana. Tempo: 25 minutos”.
Na mesma época, Greta foi diagnosticada com autismo, transtorno obsessivo-compulsivo e Síndrome de Asperger, um transtorno neurobiológico que altera a forma como o paciente percebe o mundo e interage com outras pessoas. Na escola, ela sofria com os colegas apontando e rindo e tinha dificuldade para manter uma conversa, porque se enrolava com as palavras. Por outro lado, a garota chamava a atenção dos professores por ter memória fotográfica, saber de cor todas as capitais do mundo e todos os elementos da tabela periódica, pela ordem.
Hoje, Greta Thunberg tem 16 anos. Já foi recebida pelo papa Francisco e pelo ex-presidente americano Barack Obama. Discursou na Organização das Nações Unidas, no fórum de Davos e no Parlamento britânico. Foi indicada ao prêmio Nobel da Paz deste ano e um livro com seus discursos acaba de ser publicado. No dia 28 de agosto, ela desembarcou nos Estados Unidos, depois de atravessar o Atlântico a bordo do veleiro Malizia II. O proprietário, Pierre Casiraghi, filho da princesa Caroline de Mônaco, garante que a embarcação não emite gases causadores do efeito estufa.
A militância ambiental transformou a vida da adolescente.
Greve contra o aquecimento global
Toda essa mudança aconteceu no início do ano passado, quando Greta, então com 15 anos, começou a se preocupar com o planeta ao ouvir dos professores sobre os riscos provocados pelo aquecimento global. Ela pesquisou o assunto e concluiu que existem evidências científicas claras a respeito do aumento da temperatura do planeta, mas nem todos os países cumprem as metas de redução de emissões de gases poluentes. Alarmada, decidiu reagir, considerando que os adultos estão estragando o mundo para sua geração.
Em março de 2018, ela venceu uma competição de redações promovida pelo jornal Svenska Dagbladet. No texto, ela escreveu: “Quero me sentir segura. Mas como me sentir segura diante da maior crise da história da humanidade?” O artigo levou o ativista sueco Bo Thorén, que já conhecia a mãe de Greta, a entrar em contato com a menina. A adolescente começou a frequentar as reuniões do grupo de Thorén, que, em seus discursos, sugeria que os estudantes poderiam fazer greve pelo fim do aquecimento global.
Greta já havia ficado impressionada com as manifestações pacíficas de estudantes americanos sobreviventes do ataque à escola Parkland, na Flórida, que, em fevereiro de 2018, se recusaram a voltar para a escola até que a legislação local para armamentos fosse revista. Seu protesto levou a eventos muito maiores, como o March for Our Lives [Marcha pelas nossa vidas], realizado em 880 locais simultaneamente, em março. Diante do exemplo dos Estados Unidos e da sugestão de Thorén, ela decidiu se posicionar.
Ela começou fazendo greve entre 20 de agosto e 9 de setembro, quando seriam realizadas as eleições gerais da Suécia. Na época, o país vinha sofrendo uma onda de calor e uma série de queimadas. Depois do pleito, ela passou a faltar à escola todas as sextas-feiras, para se sentar diante do Parlamento da Suécia, em um protesto silencioso contra o aquecimento global. A cada sexta-feira, mais adolescentes se juntavam a ela. Na virada do ano, as sextas-feiras pelo planeta haviam se espalhado pelo mundo. Greta e seu grupo, o Fridays for Future, se tornaram extremamente populares.
No dia 15 de março deste ano, por exemplo, adolescentes de 2 mil cidades, de mais de 120 países, incluindo Recife, Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, foram às ruas. São manifestações pequenas, com poucos jovens, mas que comprovam que o nome da militante está correndo o mundo.
Livro escrito sob influência dos pais
Greta quer ações concretas, que garantam a redução planetária de emissões em 50% dentro de vinte anos, começando a partir de agora. Afinal, diz ela, a partir de 2030 o aquecimento global vai chegar a um ritmo irreversível para o planeta. Para alcançar esse objetivo, ela promete fazer sua parte. Tornou-se vegana, convenceu os pais a não mais comerem carne e, segundo seu próprio depoimento, fez a mãe reduzir o alcance de sua carreira como cantora ao convencê-la a não mais viajar de avião – afinal, as aeronaves emitem grandes quantidades de gases causadores do efeito estufa.
A família comprou um carro elétrico e ela mesma só viaja de trem elétrico ou de automóvel que não utilize combustíveis fósseis. Foi por isso que ela, acompanhada do pai, Svante Thunberg, entrou em um veleiro para chegar a Nova York, onde vai participar de uma conferência realizada pela Organização das Nações Unidas.
Filho dos atores Olof Thunberg e Mona Andersson, Svante Thunberg tem 50 anos e é ator e produtor. Sua esposa, Malena Ernman, é um ano mais nova e passou a vida nos palcos. Além de óperas, ela atua em musicais e se tornou uma celebridade na Suécia desde que participou, em 2009, do Festival Eurovisão da Canção. Para competir com cantores de todo o Velho Continente, precisou vencer a seletiva nacional. Greta Thunberg é a filha mais velha do casal – Beata Thunberg, a mais nova, tem 13 anos, também foi diagnosticada com Síndrome de Asperger e já se apresentou como cantora em programas de TV locais.
Antes mesmo da fama de Greta, a família lançou um livro, Scener ur hjärtat (“Cenas do Coração”). Escrito majoritariamente por Malena, a obra descreve a vida do casal e a trajetória das filhas, com grande riqueza de detalhes sobre a doença de Greta. Os detalhes sobre seu período sem comer que abrem esta reportagem estão descritos no livro, que está ganhando edição em inglês.
Greta também lançou seu próprio livro. No One is Too Small to Make a Difference [Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença] é uma coletânea de seus discursos, que ela diz escrever sozinha, mas só depois de ouvir sugestões dos pais.
Abuso e infantilização do discurso
Alguns críticos, por sua vez, sugerem que a família de celebridades locais pode estar explorando a garota. “É saudável colocar uma criança com tantos problemas mentais diante dos holofotes”, pergunta, por exemplo, a conservadora Tiana Lowe, em artigo publicado pelo Washington Examiner. “Se você é uma estrela decadente de ópera que entrou para uma família de famosos e suas duas filhas têm um dificuldade incrível em simplesmente frequentar a escola, então suponho que você pode garantir um pouco mais de fama ao explorar as obsessões de suas crianças”.
O fato é que Greta não está sozinha. “É uma tendência crescente esse tipo de ativismo juvenil em prol dos direitos humanos”, afirma Elaine de Azevedo, doutora em sociologia e professora do departamento de ciências sociais da Universidade Federal do Espirito Santo. “Podemos relembrar a jovem paquistanesa Malala Yousafzai que defendeu o direito das mulheres a serem educadas em uma emocionante fala nas Nações Unidas, em 2013. No âmbito específico do ativismo ambiental, a canadense Severn Cullis-Suzuki, fundadora de um grupo de crianças dedicadas a educação ambiental, discursou em 1992, então com 12 anos, na Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, representando outras três meninas – Michelle Quigg, Vanessa Suttil e Morgan Geisler”.
Na esteira do sucesso de Greta, surgiram outros ativistas adolescentes: o norte-americano Dylan D’Haeze, de 16 anos, a sul-africana Yola Mgogwana, de 11, as irmãs inglesas Amy e Ella Meek, de 15 e 13 anos, as australianas Harriet O’Shea Carre e Milou Albrecht, ambas de 14 anos, e a holandesa Lilly Platt, de 11 anos.
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