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Joe Biden Cúpula Clima
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na Cúpula do Clima| Foto: Mandel Ngan/AFP

Às portas da Cúpula de Líderes sobre o Clima, quando chefes de Estado de quarenta países se reúnem — este ano, virtualmente — para debater ações conjuntas de proteção ao meio ambiente, é de se estranhar que pouco tenha sido dito sobre os resultados do novo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que agora está atento às “pressões planetárias”.

Desde o ano passado, o indicador criado em 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq com a colaboração do indiano Amartya Sen ganhou uma “versão experimental” que, além de levar em conta informações sobre renda, educação e saúde, considera a emissão de carbono e a preocupação ecológica para medir o quanto o desenvolvimento de um país “custa” para a Terra. E os primeiros resultados apontam resultados inesperados. Os países ricos — e campeões em discursos ambientais — perdem várias posições neste novo ranking.

O caso mais ilustrativo do ranking é a Noruega. Há duas décadas, o país acumula títulos de país com maior qualidade de vida, mas caiu 15 posições no novo índice. Em teoria, o país é um oásis de preservação ambiental, inclusive na política externa: há quase dois anos, anunciou o rompimento de uma parceria de mais de uma década com o Brasil. O motivo? A extinção do comitê orientador do Fundo Amazônia por parte do Ministério do Meio Ambiente, sem consultar o país europeu.

O fundo, que servia para estabelecer critérios de aplicação do dinheiro na floresta amazônica, ainda é alvo de debates — e de críticas por parte de líderes internacionais, que se dizem preocupados com as políticas ambientais aplicadas pelo governo Jair Bolsonaro. Na última quarta-feira, 14 de abril, o ministro norueguês do Meio Ambiente, Sveinung Rotevatn, reafirmou o congelamento de recursos. “As condições para a reabertura e a disponibilização destes fundos é a diminuição substancial do desmatamento e um acordo sobre a estrutura de governança do Fundo Amazônia", afirmou.

Ocorre que a Noruega é também uma notória produtora de combustíveis fósseis, extraindo cerca de dois milhões de barris de petróleo por dia, de acordo com a Agência Internacional de Energia. É a segunda maior produtora de petróleo na Europa depois da Rússia, superando outros países europeus também na produção de gás natural. "A Noruega tem uma relação esquizofrênica com o clima, o petróleo e o gás", admite Lars-Henrik Paarup Michelsen, CEO da Norwegian Climate Foundation. "Somos ótimos na adoção de metas ambiciosas de emissão, mas ao mesmo tempo planejamos a produção de petróleo e gás nas próximas décadas."

A mesma contradição é vista nos Estados Unidos, anfitrião da Cúpula de Líderes, que caiu 45 posições no novo ranking. Alguns poucos analistas que escreveram sobre o assunto creditaram o mau desempenho do país à saída do Acordo Climático de Paris durante o governo de Donald Trump. Vale ressaltar, contudo, que diferenças gritantes também são percebidas em outros países que costumam figurar no topo do índice, como a Islândia, o Canadá, Singapura e Luxemburgo (este, dono da piora mais significativa: 130 posições), e que não sofreram mudanças significativas em suas políticas ambientais.

Por outro lado, países como Panamá, Argentina, Peru e outros vizinhos latino-americanos galgaram mais de vinte posições, superando nações desenvolvidas. O Brasil, embora esteja aquém destes nomes, subiu dez posições. Na prática, isso significa que o desenvolvimento do país não impacta tanto o planeta — ou, pelo menos, é muito menor do que reclamam as nações ricas que pressionam por melhorias e advogam por intervenções em países em desenvolvimento.

Medidas contaminadas pelo ativismo

Não à toa, apesar do caráter declaradamente experimental, o novo IDH acende um sinal vermelho quanto ao alinhamento entre discurso e prática de lideranças que alardeiam a necessidade de adoção de práticas rígidas que vão da preservação ambiental aliada ao desenvolvimento econômico. Autor do livro “False Alarm” (“Alarme Falso”, em tradução livre), o ambientalista Bjon Longborn é um dos que chama a atenção para o fato de que a demonização dos combustíveis fósseis só tende a atrasar o crescimento de países subdesenvolvidos; causando mais mortes por fome e doenças.

“Infelizmente, essas medidas estão cada vez mais contaminadas pela política e pelo ativismo. É por isso que qualquer comparação séria deve se concentrar em resultados mensuráveis envolvendo o bem-estar real de pessoas reais”, diz o cientista político Jay Wesley Richards, da Universidade de Southwestern.

Em algumas horas, o presidente Jair Bolsonaro deve apresentar ao presidente Joe Biden um plano para conter o desmatamento na Amazônia, enquanto os países ricos que lideram o ranking de desenvolvimento humano reafirmam seus compromissos com os acordos climáticos. Resta saber o quanto vão sacrificar dos próprios negócios em prol da causa.

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