• Carregando...
Garantia de liberdade no debate político, a imunidade parlamentar é sempre uma das primeiras vítimas dos impulsos ditatoriais.
Garantia de liberdade no debate político, a imunidade parlamentar é sempre uma das primeiras vítimas dos impulsos ditatoriais.| Foto: Edilson Rodrigues/ Agência Senado

A ideia de proteger políticos de perseguição e arbitrariedades do Judiciário não é nova: está na Constituição brasileira desde pouco depois da Independência e só foi afrouxada em períodos de ditadura.

A imunidade parlamentar foi instituída pela Constituição de 1824 para dar aos republicanos o direito de se opôr à monarquia. “Durante o período imperial, especialmente o segundo reinado, a imunidade parlamentar era presente e muito respeitada, haja vista que era permitido a um parlamentar se manifestar em posição contrária ao regime monárquico, sendo republicano ou abolicionista”, escreveu o pesquisador Eduardo Ferreira.

Não à toa, o mecanismo foi afrouxado durante a Era Vargas, com a Constituição de 1937, e praticamente abolido durante a ditadura militar. Em setembro de 1968, uma nova brecha na Constituição foi utilizada pelos militares para processar o deputado Márcio Moreira Alves após uma série de discursos com duras críticas ao regime. O caso foi considerado o estopim para a criação do AI-5.

Caso Hildebrando Paschoal mudou tudo

A Constituição de 1988 marcaria o retorno da imunidade parlamentar como instrumento legal disponível para a Câmara e para o Senado. “Temos dois tipos de imunidade: formal e material”, explica o advogado Vinícius Oliveira Cleto, especialista em direito público. “A material diz respeito às próprias atitudes do parlamentar e é o que protege suas falas. Ele pode emitir opiniões e explicar seus votos da forma que bem entender, desde que tenha relação com o cargo que exerce. É uma liberdade de expressão aprimorada”.

“Já a imunidade formal tem a ver com a prisão: um deputado ou senador não pode ser preso, com exceção de flagrante de crime inafiançável. Se isso acontecer, o processo da denúncia do parlamentar será enviado à respectiva casa que, pelo voto da maioria, vai decidir se mantém ou não a decisão”, explica o advogado.

Cabe ressaltar que, até 1998, a imunidade parlamentar era completa. A possibilidade de prisão ou cassação do mandato mediante aprovação da casa é resultado da indignação pública diante do caso do ex-deputado Hildebrando Paschoal (PFL-AC), acusado de homicídio, narcotráfico, formação de quadrilha e sonegação fiscal. Eleito com uma extensa ficha criminal, Paschoal exerceu o mandato por nove meses, até ser preso, cassado e expulso do partido.

Afrouxamento recente

Em 2014, o assunto veio à tona quando o então deputado Jair Bolsonaro discutiu com a deputada Maria do Rosário (PT) e disse “eu não estupro você porque você não merece”. Cinco anos depois da abertura do processo por parte da petista, o Supremo Tribunal Federal definiu que a declaração de Bolsonaro não deveria ser protegida pela imunidade, pois não seria referente à sua atuação política.

A prerrogativa da imunidade parlamentar não evitou a prisão do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) em 2015, quando o líder do governo de Dilma Rousseff foi condenado por obstruir as investigações da Lava-Jato. Na ocasião, o Senado confirmou a decisão por 59 votos a 13. Dois anos depois, o deputado federal Aécio Neves, ainda senador, teve seu afastamento revogado pelo Senado, mesmo após ter sido denunciado pela PGR por corrupção passiva e obstrução da justiça.

Atualmente, além do caso do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que se refere ao direito de expressão, outros dois casos de parlamentares protegidos pela lei da imunidade causam furor no debate público. O primeiro é o da deputada Flordelis (PSD-RJ), ré no processo que a acusa de matar o marido, o pastor Anderson do Carmo, assassinado com trinta tiros na noite de 16 de junho de 2019.

A deputada foi denunciada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como a “autora intelectual do crime”, um homicídio triplamente qualificado. Perícias de celular sugerem que Flordelis desejava a morte do marido. "André, pelo amor de Deus, vamos pôr um fim nisso. Me ajuda. Cara, tô te pedindo, te implorando. Até quando vamos ter que suportar esse traste no nosso meio?", escreveu a um filho, envolvido no assassinato.

“Por que a gente tem uma deputada que matou o marido no poder legislativo? Aí entra em cena a imunidade formal do deputado e do senador. Como o inquérito policial só foi concluído ano passado e é referente a um crime cometido em 2019, não existe mais flagrante”, explica Cleto. Em outubro do ano passado, a Mesa Diretora da Câmara decidiu, por unanimidade, encaminhar ao Conselho de Ética a representação contra Flordelis. A casa, entretanto, decidiu dar prioridade ao caso Daniel Silveira, cuja prisão foi mantida por 364 votos a 130.

Também está em suspenso o julgamento do senador Chico Pinheiro, flagrado com 30 mil reais em dinheiro escondidos entre as nádegas, que acaba de voltar às suas funções no Senado após cinco meses de afastamento. O parlamentar nega envolvimento com irregularidades e segue sem previsão de julgamento.

Segundo um estudo liderado pelo advogado Karthik Reddy, da Universidade de Harvard, o país é um dos que mais protege seus parlamentares no mundo. Em uma escala de 0 a 1, que mede o nível de imunidade parlamentar em 90 países, o Brasil alcançou 0,8 pontos. As únicas nações com pontuação semelhante são a Argentina, o Paraguai e o Uruguai.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]