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Jared Diamond: “É fácil ser pessimista sobre os problemas do mundo, mas a humanidade já provou ter a capacidade de resolver seus problemas”
Jared Diamond: “É fácil ser pessimista sobre os problemas do mundo, mas a humanidade já provou ter a capacidade de resolver seus problemas”| Foto: Reprodução/ YouTube

Em sua primeira visita ao Brasil em 81 anos de vida, o biólogo, fisiologista e geógrafo americano Jared Diamond passou apenas 15 horas no país, das 7h30 às 22h30 do dia 6 de novembro. “Acabei de vir de uma viagem ao Japão e à Coreia e o aniversário da minha esposa é amanhã. Pelo bem do meu casamento, optei por voltar ainda hoje para casa”, disse ele na quarta-feira (6), logo no início de sua palestra, no Teatro Santander, em São Paulo. “Foi tempo suficiente para ver a paisagem, identificar cinco espécies inéditas de passarinho (risos) e ouvir o idioma de vocês. Foi uma introdução curta para um país que parece ser maravilhoso”.

Usando uma calça abarrotada na altura da cintura (sinal de que ficou muito tempo sentado; deve ter usado a peça durante o voo), meias vermelhas combinando com a gravata e o paletó um pouco mais largo e comprido do que o necessário, Diamond fez uma apresentação de 40 minutos caminhando pelo palco, sem qualquer outro recurso audiovisual – o outro convidado do evento Cidadão Global, realizado naquela manhã pelo Banco Santander, o historiador israelense Yuval Noah Harari, de 43 anos, permaneceu parado no púlpito, mas ilustrou seus argumentos com 46 slides.

O mote do evento era debater o que significa ser um cidadão global no mundo contemporâneo. Harari, que já vendeu mais de 1 milhão de livros no Brasil com suas obras Sapiens, Homo Deus e 21 Lições para o Século 21, falou primeiro, argumentando que o nacionalismo é uma força agregadora, capaz de sustentar regimes verdadeiramente democráticos, desde que não seja levada ao extremismo. Diamond, por sua vez, focou no tema de seu livro mais recente, lançado em 2019. Unpheavel encerra a trilogia iniciada com Armas, Germes e Aço, de 1997, e continuada em 2005 com Colapso: Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso.

Interesses múltiplos

É curioso que Diamond nunca tenha visitado o Brasil antes. Trata-se de um acadêmico acostumado a longas viagens, para locais distantes do globo. Por muitos anos de sua vida, especialmente na década de 1970, ele dividiu seu tempo entre os Estados Unidos e a Nova Guiné, onde conciliava os estudos de pássaros com o contato com a população local. Ele viveu na Alemanha no início dos anos 1960, quando presenciou o início da construção do Muro de Berlim, e passou temporadas inteiras no sul da África.

Por interesse pessoal (contato com familiares), Diamond é aficionado pela história do Japão, país que ele também frequenta regularmente. Em seus livros, ele descreve e analisa a trajetória de povos nativos da América Latina, em especial os maias e os astecas. Mas nunca se interessou em vir ao país. “O Brasil é um dos mais importantes países que eu nunca visitei”, disse Diamond.

Professor de geografia na Universidade da Califórnia, o pesquisador e acadêmico nasceu em Boston, em 10 de setembro de 1937. O pai, Louis Diamond, era físico; a mãe, Flora Kaplan, professora, linguista e pianista. “Sempre desenvolvi interesses por diferentes áreas, da linguística à biologia”, contou durante o evento em São Paulo, em uma das várias referências à sua trajetória pessoal e ao impacto que suas experiências tiveram sobre sua obra. Ele relata, por exemplo, que seu livro mais recente analisa as crises de identidade das nações tomando como parâmetro, em parte, o trabalho de sua esposa, a psicóloga Marie Cohen.

“Minha esposa trabalha com pacientes em situações gravíssimas que, no limite, podem levar ao suicídio. Ela utiliza técnicas rápidas porque, para essas pessoas, não há tempo para terapias que duram anos”, explicou, antes de comparar: “Assim como as pessoas que em diferentes momentos da vida se veem em crise, principalmente diante de divórcios ou a perda de entes queridos, eu olho para as crises que os países enfrentam em busca de indícios a respeito de como elas reagem”.

Depressão dupla

Na sequência, Diamond comparou o Japão do século 19 aos Estados Unidos do século 21. “O Japão foi cercado por navios americanos em 1853 e, assim, foi forçado a se abrir para o Ocidente. Mas seus líderes tomaram duas atitudes produtivas: identificaram que havia um problema e não colocaram a culpa nos estrangeiros. Eles lidaram bem com a crise e, em 1910, já eram um país moderno, que mudou o necessário para se atualizar sem perder a essência”.

Já os americanos, afirma ele, negam até mesmo que tenham problemas. “Os Estados Unidos estão colocando a democracia em risco, perseguem suas minorias e colocam a culpa nos outros. É uma prova de que alguns países lidem melhor com as crises do que outros”, disse.

Entre uma análise e uma confissão, Jared Diamond contou que ele mesmo sofreu depressão séria duas vezes. A primeira quando, em reconhecimento por seu trabalho como geógrafo e biólogo, recebeu uma bolsa generosa da Fundação McArthur, em 1985. “Eu era, naquele momento, o maior especialista em vesícula biliar do mundo, uma área de atuação bastante restrita”, comentou.

“Foi um telefonema breve, objetivo, informando que eu iria receber uma ótima quantidade de dinheiro para fazer o que eu quisesse ao longo de cinco anos. Quando recebi aquela informação, entrei em crise, porque percebi que não queria ficar preso àquele tema”. Dois anos mais tarde, nova crise: o nascimento de filhos gêmeos. “Olhando para eles, decidi que precisava dedicar mais tempo a escrever textos de popularização da ciência”.

O resultado foi o livro O Terceiro Chimpanzé, sobre a evolução humana, publicado em 1991. Foi a partir de duas crises, portanto, que ele encontrou a vocação que faria dele um dos pensadores mais influentes das últimas três décadas: a de divulgador de análises históricas baseadas em diferentes campos do saber, em especial biologia e geografia.

Celular velho

Ao fim da manhã do dia 6, Jared Diamond demonstrava cansaço. As mãos tremiam e ele começou a gaguejar. Naquele momento, participava de um bate-papo amigável ao lado de Yuval Harari e conduzido pelo pesquisador brasileiro Ronaldo Lemos, que dirige o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro. Depois de sua fala, e possivelmente como consequência da sequência de viagens, ele estava mais disperso e dava amplo espaço para que Harari desenvolvesse longamente suas respostas.

Ainda assim, durante a conversa final do evento, Diamond contou que usa um celular antigo, tão quebrado que estava marrado por elásticos (“minha esposa me fez comprar”), que fica desligado quase todo o tempo e só é utilizado para receber telefonemas e checar e-mails. Ele também questionou a ideia de que exista uma epidemia de depressão entre adolescentes urbanos ocidentais. “Convivi com muitas sociedades tribais. Aparentemente, elas são mais felizes, mas entre eles existe o suicídio de crianças, algo que é extremamente raro no Ocidente. Sinal de que talvez os integrantes desses povos não sejam tão felizes assim”.

Como Jared Diamond vê o futuro? “É fácil ser pessimista sobre os problemas do mundo, mas a humanidade já provou ter a capacidade de resolver seus problemas”. Para ele, o “cavalo da destruição” corre cada vez mais rápido, mas o cavalo da sustentabilidade vem ganhando fôlego. “Não vou ver o resultado final dessa corrida. Mas meus filhos vão”.

Conteúdo editado por:Paulo Polzonoff Junior
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