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João de Deus chega à Casa Dom Inácio Loyola, em Abadiânia, nesta quarta-feira (12) | Marcelo Camargo/Agência Brasil
João de Deus chega à Casa Dom Inácio Loyola, em Abadiânia, nesta quarta-feira (12)| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O médium João Teixeira de Faria, conhecido internacionalmente como João de Deus ou “John of God”, chegou para prestar atendimentos às 9h30 desta quarta-feira (12) na Casa Dom Inácio de Loyola, espécie de hospital espiritual criado por ele em Abadiânia, no interior de Goiás.

Houve tumulto no momento da chegada. Ao vê-lo, alguns fiéis começaram a bater palmas. Outros reclamavam da presença da imprensa. “Respeitem meu pai”, disse uma voluntária.

Leia também: De ícone do espiritismo às denúncias de abuso sexual: a trajetória do João de Deus

Essa é a primeira vez que o médium aparece publicamente desde sábado (8), quando 12 mulheres o acusaram de abuso sexual durante atendimentos no local. Os relatos foram divulgados pelo programa “Conversa com Bial” e jornal O Globo .

Desde então, o número de denúncias cresce a cada dia, situação que levou o Ministério Público de Goiás a anunciar uma força-tarefa para receber relatos e depoimentos em parceria com outros estados.

Ainda assim, por volta das 6h50, a fila para entrar na “sala das correntes”, onde pacientes vestidos de branco que já frequentam a casa ficam em oração e fazem meditação, já atravessava toda área principal da casa.

Caixas de som tocavam músicas religiosas, como “Ave Maria”, enquanto televisores mostravam imagens de cirurgias espirituais com cortes físicos feitos no passado por João de Deus. Às 8h, todas as cadeiras do espaço já estavam ocupadas.

Pacientes, no entanto, evitavam falar com a imprensa que se acumulava junto à recepção à espera do médium. “Vamos esperar uma orientação para saber se podemos falar”, justificou uma delas à reportagem.

Outros pedem para não serem identificados. Pela terceira vez em Abadiânia, uma americana disse à reportagem que, apesar de ouvir os relatos de abuso sexual envolvendo o médium, pretende manter as visitas. “Sinto que esse lugar é especial”, afirma. “O futuro vai nos dizer a verdade.”

A técnica de enfermagem Berenice Alves, 60, era uma das fiéis que esperavam pelo médium na manhã desta quarta.

Moradora de Barão de Grajaú, no Maranhão, ela veio para Abadiânia pela primeira vez há seis anos em busca de cura espiritual para enxaqueca. “Ele disse para mim: ‘você vai ficar boa’. E hoje não sinto nada”, diz. Desde então, visita o local ao menos duas vezes ao ano. “Fico na gratidão de vir.”

Para ela, as acusações preocupam. “Tenho muita fé nele. Muita gente dava exemplo de que dava certo. Se a minha dor voltar e ele não estiver aqui, como fica? É muito triste essa situação.”

“Isso não favorece sua cura”, dizia uma atendente a quem perguntava sobre a situação da Casa diante das denúncias.

Após a chegada do médium, funcionários chegaram a anunciar que ele falaria com a imprensa. Seguranças empurravam as câmeras e jornalistas que tentavam acompanhá-lo. Em meio à confusão, o médium deixou o local menos de dez minutos após a chegada.

Em menos de dois dias, a Promotoria afirma ter feito ao menos 206 atendimentos de mulheres que se identificam como vítimas de abuso sexual por João de Deus.

Em comum, a maioria delas diz que receberam um aviso de “procurar o médium João” em seu escritório ao fim das sessões em que ele atende aos fiéis.

No local, relatam as vítimas, João de Deus dizia que elas precisavam de uma “limpeza espiritual” antes de abusá-las sexualmente.

Os relatos levaram a uma queda no movimento na Casa. Voluntários do local ouvidos pela reportagem apontam que o número de visitantes nesta quarta estava ao menos 50% menor. Donos de pousadas também relatavam cancelamentos, a maioria de brasileiros. Só nesta semana, 40 pessoas desistiram das reservas.

Comercialização de filme sobre médium é suspensa

A distribuidora Paris Filmes anunciou nesta terça-feira (11) que suspendeu “imediatamente” a comercialização do documentário “João de Deus - O Silêncio É uma Prece” em todas as plataformas digitais. Lançado em maio nos cinemas, o filme tem direção de Candé Salles (de “Para Sempre Teu Caio F.”) e roteiro de Edna Gomes.

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O anúncio ocorre um dia após a editora Companhia das Letras suspender a distribuição do livro João de Deus: Um Médium no Coração do Brasil, publicado pelo selo Fontanar em 2016. O livro é de autoria de Maria Helena Pereira Toledo Machado, professora de História da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo a sinopse, o filme “mostra que a paz está presente por todo espaço, entrando a fundo na dinâmica da casa e nos trabalhos locais” na Casa Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus realiza “cirurgias espirituais”.

O filme traz entrevistas com o médium e com seguidores e admiradores, tais como a atriz Cissa Guimarães, que também é narradora da produção. Além disso, mostra imagens das chamadas “cirurgias espirituais”, nas quais João de Deus utiliza utensílios domésticos, como faca de cozinha e tesoura, para realizar cortes e incisões.

Na época do lançamento, Luiz Carlos Merten, crítico de cinema do jornal O Estado de S. Paulo, descreveu o filme como “bem feito, bem montado”, mas que “em nenhum momento busca tensionar ou desmistificar o personagem”. “Os depoimentos apontam sempre na mesma direção”, escreveu na época.

Além do documentário, a obra “João de Deus - O Filme” está em fase de pré-produção. Na semana passada, a empresa Lynxfilm Produções Audiovisuais conseguiu autorização para captar até R$ 4 milhões para o filme por meio de incentivos fiscais.

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