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As Cortes Constitucionais de 1820 (1917), de Alfredo Roque Gameiro
As Cortes Constitucionais de 1820 (1917), de Alfredo Roque Gameiro| Foto: Wikipedia

Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, um dos mais importantes jornalistas da história do Brasil, nasceu em 25 de março de 1774, na distante colônia de Sacramento (Uruguai). Depois de cursar os primeiros estudos em Porto Alegre, dirigiu-se para a Universidade de Coimbra (1793), de onde saiu bacharel em Matemática, Filosofia, Direito e Leis em 1798. Logo que se formou, recebeu de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, então ministro da Marinha e Ultramar, o encargo de viajar aos Estados Unidos da América e aprender coisas úteis, relativas à agricultura e à indústria, que pudessem servir ao Brasil.

De volta a Portugal (1800), e já iniciado na maçonaria, Hipólito José da Costa passou a integrar a junta que gerenciava a Imprensa Régia. Em 1805, foi denunciado pela Inquisição portuguesa por prática maçônica e viu-se obrigado a fugir para Londres, onde passou a viver sob a proteção do duque de Sussex. Em 1808, fundou na capital inglesa o seu renomado Correio Braziliense, o primeiro jornal, redigido por um brasileiro, a circular no Brasil. Ao apresentar o seu ambicioso projeto, Hipólito registrou: “Ninguém mais útil [à sociedade] do que aquele que se destina a mostrar, com evidência, os acontecimentos do presente e remover as sombras do futuro. Tal tem sido o trabalho dos redatores das folhas públicas [...]”.

O jornalista aderiu tardiamente à causa da Independência e aceitou-a como um fato indesejado, mas inevitável. Até o momento em que percebeu tal inevitabilidade, usou sua pena para defender um Reino Unido Constitucional, com ampla liberdade de imprensa e uma economia liberal, nos moldes da inglesa. Hipólito deixou de redigir e publicar o seu Correio... pouco depois da Independência, e morreu, aos 49 anos, meses depois (setembro de 1823) de ter colocado fim ao projeto da sua vida. O ensaio que publicamos hoje, datado de fevereiro de 1822, é uma advertência às Cortes portuguesas, cujas sucessivas atitudes recolonizadoras, aos olhos de Hipólito, não deixavam outro caminho ao Brasil a não ser proclamar a sua Independência.

União de Portugal com o Brasil

Tínhamos até aqui olhado para esta questão da união de Portugal com o Brasil, como aquela de suma utilidade para ambos os países e, outrossim, na suposição de que, sendo o Brasil tão superior a Portugal em recursos de toda a natureza, a objeção para a continuação desta união provinha de algumas pessoas inconsideradas no Brasil, que desejavam a separação dos dois países antes que ela devesse ter lugar pela ordem ordinária das coisas.

Nesta suposição, recomendando a união, temos sempre dirigido nossos argumentos aos brasilienses, não nos ocorrendo sequer a possibilidade de que nos portugueses europeus pudessem existir essas ideias de desunião; porque a utilidade deles, na união dos dois países, era da primeira evidência.

Mas, infelizmente, achamos que as coisas vão muito pelo contrário, e que é entre os portugueses e alguns brasileiros, e não entre os brasilienses, que se fomentam e se adotam medidas para essa separação, que temos julgado imprudente por ser intempestiva; e que temos combatido, na suposição de que os portugueses europeus nos ajudariam em nossos esforços, para impedir, ao menos por algum tempo, nossa cisão.

Mostramos, no nosso número passado, a série de medidas, que chamamos erradas, na suposição de que em Portugal se desejava essa união; mas deixariam de ser um erro involuntário, se as Cortes e o governo português desejam com efeito essa separação. E agora, com informações ulteriores dos sentimentos que há em Portugal a este respeito, é aos portugueses que dirigiremos nossos argumentos a favor da união. Se nos não quiserem ouvir, podem estar certos de que, se o que o Brasil perde na separação é muito, é muito menos do que Portugal há de sofrer; porque, enfim, a Portugal essa separação até lhe pode importar a perda de sua existência como nação.

Os portugueses que olham com desprezo para a união do Brasil fundam-se nos prejuízos que já notamos no nosso número passado e argumentam com princípios totalmente falsos.

Alegam, primeiro, que a união de Portugal com a Espanha é mais vantajosa, mais natural e mais fácil do que a união com o Brasil. Daí, que a união com o Brasil é perniciosa, porque esgota a população de Portugal, com as continuadas emigrações para o Brasil. Depois, que a união do Brasil com Portugal se pode comparar à amizade do homem rico com o homem pobre, em que tudo é sempre em vantagem do rico.

Mas se essas razões são as que induzem o governo de Portugal a desprezar como tem feito os negócios do Brasil, que nos entendamos, sejam sinceros, declarem o Brasil independente de uma vez; e não se fomentem ali partidos que produzirão a guerra civil, degolando-se os povos uns aos outros; declare-se que Portugal não precisa do Brasil, e previnam-se assim os males da guerra; a qual, quando começar, não pode deixar de ter o mesmo êxito da que houve na América Espanhola.

Deu-se ao Brasil o nome de Reino, mas ficou isso em aparências; agora o governo constitucional conservou o nome, mas tirou-lhe todas as aparências de Reino, abolindo os tribunais superiores no Rio de Janeiro; de maneira que fez retrogradar o Brasil de sua dignidade de Reino, que tinha na aparência, causando assim uma humilhação desnecessária nos ânimos daqueles povos; porque, enfim, ninguém há que se conforme com andar para traz em dignidade; quanto mais, que o trazer o povo do Brasil os seus recursos a Lisboa, quando antes os tinha no Rio de Janeiro, não é só perder em dignidade, mas também perder muito em comodidade.

O sistema das Juntas Governativas, nas diferentes províncias do Brasil, é um meio direto de tirar ao Brasil a categoria de Reino, dilacerando-o em divisões; e para fazer mais sensível este mal, as tais Juntas de Província não possuem a força armada, nem governam as rendas públicas; o que põem, de propósito, um gérmen de discórdia em cada província, ao mesmo tempo que desune as províncias umas das outras.

Acresce agora o projeto que se agita nas Cortes de tornar a fazer de Lisboa o empório do comércio do Brasil, como o leitor poderá ver pelo que se passou na sessão 271; o que tudo tende a mostrar o plano de fazer retrogradar o Brasil de sua dignidade de Reino e reduzi-lo a seu antigo estado de dependência de Portugal; o que não é união, mas sujeição; e o que se devia fazer era a união, que recomendamos, dos dois Reinos, mas não a sujeição do Brasil a Portugal, como colônia ou conquista; tal nunca tivemos em vista; e se o tivéssemos, nenhum brasiliense a isso se acomodaria.

Nós protestamos altamente contra a impolítica medida de mandar tropas ao Brasil, como inútil para o fim a que se destinavam, porque esse punhado de tropas não era capaz de conter o Brasil sujeito a Portugal por meio da força; protestamos também contra a medida, como perniciosa, porque essas tropas serviriam para lembrar as atrocidades de Pernambuco. Se os nossos protestos não tivessem peso, por serem de um só indivíduo, deveriam pelo menos merecer atenção por serem lançados em um periódico que tem sempre advogado à causa da liberdade racionável dos povos, daquela liberdade compatível com o estado da sociedade; e de toda essa liberdade sem mais restrições do que as absolutamente necessárias; haja rei ou não haja rei, mas seguindo um sistema coerente.

Não obstante tudo quanto temos dito, têm-se continuado a mandar tropas para o Brasil; e ultimamente saiu de Lisboa, aos 16 de janeiro, a divisão com os corpos expedicionários para o Rio de Janeiro, com escala por Pernambuco; e não obstante saber-se em Lisboa que, com a retirada de Rego, tudo ali estava acomodado.

Consta a expedição de 1.190 homens, a saber: 524 praças do batalhão de infantaria número 3; 494 do batalhão de infantaria número 4; 108 de uma companhia de condutores. Ocupam estes navios: nau D. João VI; fragata Real Carolina; charruas Oreste, Conde de Peniche, Princesa Real; transportes Fênix, Sete de março.

Ora, se os brasilienses desejam fazer-se independentes, o número dessas tropas é, como temos dito, demasiado pequeno para os conter com essas forças; mas, ainda que maiores fossem, o êxito não corresponderia ao intento. Já vimos que no Brasil se aumentaram os soldos às tropas, para as congraçar com o sistema constitucional; as tropas aceitaram de muito boa vontade esse aumento. Agora, se o Brasil se quisesse fazer independente e lhe fosse preciso para isso neutralizar essas tropas, não tinha mais do que aumentar-lhes os soldos e prometer conservá-los a todos os que quisessem dar baixa, dar-lhes terras onde se estabelecessem e uma ajuda de custo para seu princípio. E qual seria o soldado português que, com estas vantagens diante dos olhos, quisesse fazer a guerra ao seu benfeitor Brasil?

Corre agora um rumor de que o governo de Portugal, conhecendo sua fraqueza, procura valer-se de forças estrangeiras para sujeitar o Brasil; mencionamos isto para mostrar o erro de tal medida e pedir, encarecidamente, que desistam dela.

Assevera-se que o governo português pedira socorros militares à França e lhe oferecera em compensação cessão de territórios na Guiana Portuguesa junto ao Pará.

Além da atrocidade que essa medida envolve de desmembrar o Brasil, o que irritará por extremo todos os brasilienses, não é possível que a Inglaterra veja tal cessão com indiferença; e o gabinete inglês não pode já olhar para suas conexões políticas com Portugal do mesmo ponto de vista que outrora olhava.

Acaba de publicar-se em Londres um opúsculo com este título: “Estado da Nação no início de 1822”. Esta obra é um manifesto dos ministros ingleses, em que expõem à nação os princípios que têm seguido e se propõem seguir em sua administração; e examina as diferentes repartições de Fazenda, Militar, Negócios Estrangeiros, Internos etc. Na parte dos Negócios Estrangeiros, falando de Portugal, diz assim: “Antigamente, a aliança de Inglaterra com Portugal era para contrabalançar o poder dos Bourbons. As razões desta aliança já não existem; e a abertura dos portos do Brasil faz duvidoso seguir esta política; porque as conexões comerciais com a França são mais vantajosas do que com Portugal, e as conexões políticas inclinam-se ao Brasil”.

Está claro que, procurando Portugal esse auxílio da França e ficando a Inglaterra pelo menos neutra, a desejar o Brasil a sua Independência, procuraria também auxílio externo e o acharia muito pronto nas esquadras de Lorde Cochrane e nos exércitos da Colômbia e demais da América Espanhola, que se acham agora desocupados, visto que a Espanha já não tem meios de continuar a guerra e vai a reconhecer a independência de suas ex-colônias.

Para evitar esta combinação, medita o governo de Portugal outra desmembração do Brasil pelo Sul, cedendo a Buenos Aires Montevidéu, e deixando assim abertas e vulneráveis as fronteiras do Rio Grande, o que sem dúvida é grande calamidade para o Brasil, e de manifesta injustiça aos povos de Montevidéu, que já se declararam parte integrante do Brasil.

Estes projetos explicam por que as Cortes pediram ao ministro os planos dos limites entre o Rio Grande e Montevidéu; e por que o ministério europeu no Brasil, antes da saída de El Rei, lhe aconselhou que reconhecesse a independência da América Espanhola, como mostra o documento; sem sequer esperar que lhe pedissem para tirar algum partido da negociação; tal era a pressa com que o ministério português queria tirar Montevidéu ao Brasil.

O agente de El Rei, em Buenos Aires, diz nesse documento que El Rei está disposto a reconhecer aquela independência; porque reputa legal todo o governo que é da vontade dos povos; segundo este princípio, tendo declarado os povos de Montevidéu que queriam fazer parte integrante do Brasil; a este e não a Buenos Aires é que devem pertencer.

Mas, voltando ao nosso ponto, ainda que o governo português alcance, por essa cessão de Montevidéu, neutralizar Buenos Aires, e ainda toda a mais América Espanhola a respeito do Brasil, se este se quiser independente, não poderá fazer o mesmo que fez a Colômbia? Não poderá procurar armamentos nos países estrangeiros como fez a Venezuela e o Chile? Não poderá contrair empréstimos, caso não tivesse os recursos que tem, como fizeram todas as seções da América Espanhola em Inglaterra, onde os títulos dessa dívida estão hoje com valor muito mais subido do que os títulos da dívida da Espanha? Não poderia o Brasil armar corsários, pelo menos com a facilidade com que os armou Artigas?

Esperamos, pois, que o governo português tome em consideração estas reflexões e que se persuada de quão errada é sua política em usar da força ou meios alguns coercivos a respeito do Brasil, o qual de boa vontade continuará unido a Portugal, se o não quiserem fazer sujeito.

Consta-nos que as absurdas ideias de sujeitar o Brasil se tem levado a tal ponto por alguns portugueses, que há até quem medite o plano de proibir que os estrangeiros se estabeleçam no interior do Brasil, e que somente se lhes permita negociar nos portos de mar; e isso mesmo com as restrições que já se indicaram nas Cortes.

Estes erros e outros, que temos apontado, são conhecidos mesmo em Portugal; mas é essencial que o Correio Braziliense os indique e que proteste contra eles, para que se não diga que todos os brasilienses os aprovam; mas que há, mesmo em Portugal, quem pense como nós, o mostraremos com o seguinte extrato do Astro da Luzitania.

“Pelo que podemos coligir dos fatos e das muitas cartas que recebemos, nós não encontramos motivos para suspeitar que o partido da independência ali (em Pernambuco) tenha influído; mas não nos admiraremos se daqui a dois ou três meses as coisas mudarem de face; porque grandes promotores de uma intempestiva Independência brasileira existem em Lisboa. Promotor desta Independência é o senhor Magiochi, pelo que disse dos americanos, logo no princípio das Cortes; promotor é o senhor Miranda, por dizer que ainda os mais eruditos dos brasileiros não tinham ideia do que era Constituição e por defender Luís do Rego, o labéu da moral e dos bons costumes; promotor da Independência é o senhor Serpa Machado, chamando cabeças de levantamento aos do governo de Goiânia; promotor é todo o Congresso, porque dentre ele não houve quem levantasse a voz do trovão, quando com tanta injustiça se pretendia fazer calar o senhor Ferreira, que queria advogar a causa da sua província caluniada; promotor é o ministro, por ter tratado com tanto desmazelo os negócios do Brasil; promotor é Jacinto José Dias de Carvalho, que anda muito cuidadoso, mostrando cartas daqueles que em Pernambuco deram dinheiro para a guerra, pedindo ao mesmo tempo que se não mostrem as que falam a favor dos pernambucanos; grande promotor, enfim, será o Congresso, se não desaprovar solenemente todos os atentados cometidos por Luís do Rego”.

Depois desta série de fatos, apresenta a Comissão das Cortes sobre os negócios do Brasil, na sessão 276, um relatório que conclui recomendando que se proclame aos povos do Brasil, fazendo-lhes ver quais são os artigos da Constituição que se têm aprovado e quais as providências que se têm tomado em benefício daqueles povos, e a imparcialidade com que têm sido tratados estes negócios. Isto é quererem as Cortes que no Brasil creiam nessa imparcialidade contra a evidência de seus olhos; que creiam, contra o fato, que foi algum irmão do Brasil contemplado nas promoções gerais dos ministros de Estado, dos conselheiros de Estado, dos governadores do Brasil, do corpo diplomático; que creiam, contra o fato, que as atrocidades de Rego foram punidas e ele preso em uma torre pelas mortes que causou em Pernambuco; que o governador do Maranhão etc. etc. foram punidos.

Mas que pouco vale tais declarações contra a evidência dos sentidos!

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