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A incerteza quanto ao número de abortos clandestinos acaba se tornando uma ferramenta para os defensores do ato| Foto: Imagem de <a href="https://pixabay.com/pt/users/1041483-1041483/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=784607">Tawny van Breda</a> por <a href="https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=784607">Pixabay</a>

As implicações morais estão no centro do debate sobre o aborto. Ainda assim, há algo mais que deve ser considerado: a legalização do aborto pode ser um incentivo para a prática.

Um argumento comum aos defensores do aborto é que a legalização diminuiria a ocorrência, mas estatísticas mostram um cenário diferente. Na Espanha, os abortos aumentaram a cada ano após a legalização, já no Uruguai os índices aumentaram cerca de um terço nos dois anos seguintes à vigência da legalização.

“É verdade que existe uma certa ‘guerra de números’, em que os defensores do aborto tentam comparar a quantidade de abortamentos em dois grupos de países: 1) aqueles em que o aborto é penalmente vedado; e 2) outras nações em que é permitido. Tentam, então, concluir que, por vezes, neste último grupo há menos casos de aborto”, diz Isabella Mantovani, especialista em Bioética e mestre em Odontologia e Saúde Coletiva.

“No entanto, essa metodologia é falha por dois motivos: primeiramente não existe certeza do número de abortos nos países em que a conduta é criminalizada, uma vez que praticada na clandestinidade. Isso permite que esses quantitativos sejam artificialmente hipertrofiados. E de fato é o que acontece por parte de grupos militantes”, explica.

Por trás dos números 

A incerteza quanto ao número de abortos clandestinos acaba se tornando uma ferramenta para os defensores do ato, segundo a professora do Instituto de Ciências Biológicas da UnB (Universidade de Brasília) e presidente do Movimento Brasil Sem Aborto, Lenise Garcia. “Qualquer número é feito com base em cálculos muito pouco confiáveis. Evidentemente sendo clandestino não há como ter um número confiável e normalmente as próprias pessoas que lutam pela legalização do aborto exageram nesses números”, afirma em entrevista à Gazeta do Povo.

Lenise acredita ainda que a divulgação de dados inverídicos é “uma estratégia que vem sendo utilizada em vários países para pressionar os governos para a legalização do aborto” e cita como referência os dados do Uruguai.

“Antes da legalização estimava-se que eram feitos 33 mil abortos naquele país. Depois da mudança da lei foram registrados cerca de 6 mil procedimentos, que estão aumentando a cada ano. Isso não quer necessariamente dizer número de abortos caiu após a legalização, mas mostra que de fato havia um número inflado, exagerado”, acrescenta.

O Uruguai é um dos poucos na América Latina em que o aborto é liberado. No país, as mulheres são autorizadas a abortar gestações de até 12 semanas em qualquer caso, até 14 quando tiverem sido vítimas de estupro, e sem prazo quando houver risco para a saúde da mãe ou o feto for inviável.

Antes da legalização, os dados sobre aborto eram inconsistentes devido à dificuldade de registrar estatísticas de um ato ilegal. Estimativas apontam desde 33 mil até 55 mil abortos por ano no período anterior à liberação. No entanto, os números são improváveis considerando o índice de abortos após a legalização.

No primeiro ano da lei, em 2013, houve 6.676 abortos registrados no Uruguai. Apenas um ano depois, o número subiu em cerca de 20%, registrando 8.500 casos, segundo relatório anual do Ministério da Saúde (MSP) do Uruguai. Em 2015, o país registrou 9.362 abortos, um aumento de 9% em relação a 2014. No acumulado das duas altas sucessivas, o número de abortos no Uruguai após a legalização aumentou cerca de 30%.

Para Lenise, a experiência da França e dos Estados Unidos, que legalizaram o aborto na década de 1970, confirma a tendência no Uruguai. “O número total de abortos nos EUA e França aumentou muito. Depois de muitos anos, existe uma estabilização e até uma pequena queda, muito provavelmente relacionada à diminuição da gravidez indesejada. Mas em alguns lugares, após a legalização, o número de abortos aumentou em mais de 10 vezes”, afirma.

“O que não dá para aceitar é usar números inflados de estimativas anteriores à legalização e dizer que, após a mudança da lei, o número de abortos diminuiu”, completa.

Pelo mundo 

Nos Estados Unidos, a legislação sobre aborto é estadual — atualmente, há uma tendência de proibição do aborto em diversos estados americanos. Em Nova York, um dos estados mais progressistas, o aborto é liberado desde 1970. Na época, passou a ser permitido sem exigência de requisitos para a gestante, mediante simples pedido, até o quinto mês de gestação.

No ano que a lei entrou em vigor, em 1970, foram feitos cerca de 190 mil. Em 1973, o número já havia subido para mais de 615 mil. O número de abortos ficou praticamente estagnado nos anos seguintes, até subir novamente em 1990, quando ultrapassou 1,4 milhão de abortos.

Na Espanha, o aborto é permitido desde 1985. Naquele ano, foram registrados 6.344 abortos no país. Apenas dois anos depois, em 1987, foram registrados 16.766 casos. E o número continuou aumentando até 2011, quando teve 116.650 abortos — e começou a diminuir sensivelmente a partir daquele ano.

Caso similar aconteceu no Reino Unido, onde o aborto é permitido desde 1967. No ano da legalização, houve 27.200 abortos. O número diminuiu no ano seguinte, com 23.991  abortos, mas aumentou drasticamente a partir daí. Dois anos após a legalização, o Reino Unido registrou 53.643 abortos; apenas três anos depois, esse índice mais que dobrou, chegando a 117.758 em 1972. Em 2014, o índice já era de 197.048 abortos no ano.

Rússia e Cuba também são exemplos de como a descriminalização não leva, necessariamente, à diminuição do número de abortos. Os dois países estão há décadas entre os que apresentam os maiores números relativos de procedimentos abortivos, com índices girando em torno de 40 abortos para cada mil mulheres entre 15 e 44 anos. Para se ter uma ideia, segundo dados da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) 2016, essa taxa no Brasil seria por volta de 13 abortos para cada mil mulheres entre 18 e 39 anos.

“Por uma razão racional e lógica, a partir do momento que algo se torna permitido, a tendência é a sua maior utilização”, diz Regina Beatriz Tavares da Silva, Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Ela aponta que uma prática ilegal implica em maior dificuldade para fazê-la, ao mesmo tempo em que a parcela de médicos que fazem abortos é menor porque é uma atividade criminosa.

“Se a mulher sabe que é legal, que ela pode recorrer a esse procedimento, ela não irá pensar duas vezes, ela irá fazer com muito mais facilidade”, afirma Regina.

Cenário nacional 

Estimativas sobre o cenário nacional são imprecisas, incompletas e possivelmente exageradas. Por se tratar de um crime, a maioria dos abortos são clandestinos, o que impede o registro oficial de casos no país. Como consequência, os números que circulam podem não corresponder à realidade.

Angela Martins, doutora em Filosofia do Direito e professora visitante de Harvard, acredita que existe manipulação e desinformação em torno do debate sobre o aborto. Ela participou da audiência pública no STF no início de agosto de 2018 que discutiu o pedido de descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, feito pelo PSOL em conjunto com o Instituto Anis, por meio de ação impetrada em 2017.

“Estamos em uma era que chamamos filosoficamente de pós-verdade, que é uma verdade mais subjetiva e emotiva. Eu senti muito isso em Brasília, um desejo de comoção em relação ao fato. Isso não nos leva a pensar sobre as consequências a longo prazo”, disse Angela na época.

“Dados bem trabalhados podem gerar informação de qualidade, mas talvez seja isso que esteja faltando quando falamos sobre aborto ou qualquer outro assunto. Deveria haver uma padronização dos dados em diferentes frentes da saúde para facilitar o trabalho de informar a sociedade e de, inclusive, criar políticas públicas”, diz a professora de Ética, Direito e Legislação da PUCRS, Ana Cláudia Nascimento.

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