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"Não só piada deveria ser protegida legalmente, mas qualquer tipo de expressão" (Imagem: Pixabay)
“Não só a piada deveria ser protegida legalmente, mas qualquer tipo de expressão” (Imagem: Pixabay)| Foto:

"Se não acreditamos na liberdade de expressão para pessoas que desprezamos, não acreditamos na liberdade de expressão." O desafio é do linguista americano Noam Chomsky, e não é pequeno. Difícil demais defender o indefensável. A única maneira é valorizando o princípio, acima do conteúdo. Fácil falar.

Mas é necessário pensarmos se faz sentido um humorista ser condenado à prisão por fazer piada. Mesmo que a piada seja ruim. Mesmo que a piada seja grossa. Seja Danilo Gentili ou Gregório Duvivier, agora processado também, no mesmo tipo de processo. Opostos no espectro político, um pró-Bolsonaro, outro fã de Lula.

Não só piada deveria ser protegida legalmente, mas qualquer tipo de expressão. Em todos os matizes políticos há essa convicção que liberdade de expressão só é bacana quando é "do bem". Seguindo sua estrita definição do que é "do bem", naturalmente.

Então vemos gente supostamente defensora da liberdade comemorando os problemas legais de um ou de outro. Gente inteligente, bem-informada e bem-intencionada dando um muxoxo pra Liberdade de Expressão.

Sim, há leis para lidar com isso. Mas cada país tem uma lei. As leis mudam, e sua aplicação também. O que é moralmente correto, é moralmente correto. É pobre o argumento "mas é crime" ou "a lei prevê".

E no Brasil, a realidade é que cada juiz interpreta do seu jeito, com muita latitude, e absurdos acontecem toda hora. Fora que a lei que começa sendo usada contra seu inimigo, um dia será contra você.

Voltaire resumiu bonito, há séculos: "discordo de tudo que dizes, mas defenderei até a morte a liberdade de dizeres". O escritor britânico Salman Rushdie, que foi perseguido por fundamentalistas islâmicos por seu livro "Os Versos Satânicos", resumiu: "sem a liberdade de ofender, não há liberdade de expressão".

Em 2015, um caso iluminou muito bem a questão. Onze pessoas foram assassinadas pelo crime de… zoar. Em Paris, berço das luzes. Na redação de uma revista humorística, o Charlie Hebdo. Por caricaturar Maomé.

Alguns disseram que o Charlie Hebdo fez "discurso de ódio"contra os muçulmanos. Hoje há quem diga que Gentili faz "discurso de ódio" contra Maria do Rosário. E esse ou aquele de esquerda faz o mesmo contra Bolsonaro.

Na prática, é "discurso de ódio" quando é contra um lado, e quando é a favor, não é. Desde o Charlie Hebdo ouvimos, com vergonha, gente em teoria civilizada defender legalismos censórios parciais, politicamente corretos. Nisso, se igualam direita e esquerda.

As leis da França incluem, sim, o direito de zoar com Maomé. As do Brasil também. Você se sente seguro para republicar os cartuns que causaram a morte da equipe do Charlie Hebdo? Sozinho, melhor não. Se todo mundo no planeta publicar junto comigo, pode ser. Seremos mais do que os autoritários, malucos, talibãs; há segurança na multidão.

Esse é o duplo desafio da Liberdade. Ela só pode ser exercida individualmente, e ela só pode ser defendida coletivamente. Liberdade é a liberdade do outro ridicularizar o que eu julgo sagrado - e não existe outra. Sim, de queimar bandeira, de defender o indefensável, de esfregar a carta nas partes íntimas, de xingar o sacerdote e o presidente. Sem multa, sem processo, sem amolação.

Se vamos terceirizar essa decisão pra alguém, vai ser pra quem? Em quem você confia, mais do que em você, para decidir o que você ler, saber, falar? O magistrado americano Potter Stewart cravou: "A censura reflete a falta de confiança de uma sociedade nela mesma."

Os problemas da liberdade se resolvem com mais liberdade, não menos. Democracia é choque de opiniões, visões, pressões. Se aceitamos estabelecer a censura, prévia ou a posteriori, jurídica ou financeira, em um caso, abrimos espaço para censura a reportagens, documentários, filmes, canções, livros, e mundo digital.

A internet é nosso fórum permanente, boteco aberto 24 horas por dia, espaço de liberdade e, sim, de bagunça e bate-boca. Quem gosta de ordem, previsibilidade e calmaria são os censores.

Nós brasileiros queremos ser como os americanos em tantas coisas. Deveríamos nos inspirar na mais pela porção da legislação dos EUA, a Primeira Emenda à Constituição. Essa é a primeira frase: "O Congresso jamais fará lei que estabeleça uma religião oficial, ou proibindo a liberdade de crença; ou limitando a liberdade de expressão, ou da imprensa."

Liberdade de expressão é a liberdade de uma pessoa que você despreza dizer algo absolutamente repugnante. E não há outra.

*André Forastieri é jornalista, consultor de comunicação e um dos maiores influenciadores digitais brasileiros, com mais de 500.000 seguidores no LinkedIn (www.andreforastieri.com.br).

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