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Mudanças culturais e legais acabaram por romantizar as mães solteiras. O resultado é a transformação da maternidade num negócio lucrativo.
Mudanças culturais e legais acabaram por romantizar as mães solteiras. O resultado é a transformação da maternidade num negócio lucrativo.| Foto: Pixabay

Existe uma narrativa feminista mais ou menos oficial do que ocorreu nos anos sessenta: depois da pílula anticoncepcional, a mulher ingressa no mercado de trabalho e alcança assim a emancipação. Emancipação de quê? Da família. Não apenas a tutela de pai e marido é condenada, mas a própria maternidade acaba sendo pintada apenas como coisa essencialmente má imposta pelo patriarcado às mulheres. (O patriarcado, no linguajar feminista, ocupa a mesma função que o judaísmo internacional no linguajar antissemita: uma conspiração onipresente culpada de tudo.)

Essa propaganda antifamília foi mais forte nos países desenvolvidos. Os conservadores anglófonos, especialmente Sowell, atribuem a programas de bem-estar social a dissolução da família. O Estado teria tomado o lugar do pai. As mães solteiras teriam se multiplicado e criado filhos sem autoridade masculina em casa, predispondo-os à criminalidade.

Acho que os conservadores brasileiros fazem mal em importar a explicação dos Estados Unidos para o Brasil. Qualquer popular brasileiro que reclame, concretamente, de fim da família, dirá sem titubear a causa: as drogas. Tome qualquer família numerosa brasileira, de qualquer classe social, e é provável que lá haja a figura desagregadora do viciado, que rouba pai e mãe, e joga irmão contra irmão. Por “família” entendo, à brasileira, aquele conjunto de primos, tios e avós que mantêm contato constante, ainda que não morem sob o mesmo teto. Um erro dos letrados brasileiros é considerar tudo à estrangeira. E, no caso dos conservadores, isso se expressa no ato de entender “família” apenas como pai, mãe e filhos morando sob o mesmo teto.

Ainda assim, o problema das drogas recebe atenção dos conservadores brasileiros sob a chave da segurança e saúde públicas. Uma coisa que escapa ao radar conservador, porém, é a mercantilização da maternidade.

Desde Portugal, sempre tivemos mães solteiras

Os europeus latinos nunca primaram por puritanismo e a existência de bastardos sempre esteve atrelada à mãe solteira. Ainda assim, Portugal é excepcionalmente bondoso com bastardos: Tomé de Souza era um bastardo descendente de uma ilustre linhagem bastarda e ainda assim foi-lhe dado o privilégio de fundar, em 1549, a primeira urbs, a primeira cidade portuguesa em solo americano. A diferença mais que burocrática entre cidade e vila era os rituais romanos da fundação, que envolviam cavar fossos, lançar nas fronteiras pedras que emulam o deus Termo, benzer a área e fazer festa.

E, no entanto, a Itália, mais romana do que nós, tem “bastardo” como ofensa gravíssima. Que explicará tamanha diferença na aceitação de bastardos? Na certa, o Mestre de Avis, filho bastardo do Rei de Portugal que foi coroado rei para impedir que Portugal fosse parar nas mãos da Coroa espanhola. O reinado da Dinastia de Avis começou em 1385, então não é de admirar que, com rei bastardo, Portugal normalizasse a bastardia. E, por conseguinte, normalizasse as mães solteiras, amiúde mantidas por seus amantes poderosos.

A situação perdurou no Brasil. É fato fartamente documentado que os bastardos dos padres e dos senhores de escravos eram bem tratados pelo pai e que recebiam educação sofisticada. (Bernanos, mesmo, em “Liberdade, para quê?”, chega a se orgulhar, enquanto francês, de o seu país ter dado tutores particulares para uma elite bastarda crucial para a Independência, enquanto os filhos legítimos iam para Coimbra). Essa aceitação esteve na elite e no povo. Na década de 1950, quando não existia divórcio, o antropólogo católico Thales de Azevedo descrevia um quadro em que peão nenhum casava, porque achava que, se casasse, a mulher deixaria de ser amorosa. A indissolubilidade do casamento faria a mulher acomodada, sem medo de perder o homem.

As mães solteiras sempre existiram, e davam boas mães. Brabas, as mães brasileiras faziam tremer os meninos pintões, às vezes mais que o pai. Tinham na ponta da língua o ditado: “Pé de galinha não mata pinto!” As mulheres frágeis descritas por Dalrymple na Inglaterra não correspondem à imagem tradicional da mãe brasileira.

Não é exagero dizer que temos uma imagem positiva da mãe solteira. Existem dois tipos tradicionais de mãe solteiras entre nós: a “teúda e manteúda” de um poderoso ou endinheirado e a mulher abandonada pela sua paixão juvenil. A teúda e manteúda não inspira nenhum respeito – embora seus filhos tenham um bom futuro. Já a mulher abandonada que criou os filhos sozinha com o suor do trabalho é uma espécie de heroína nacional popular, respeitada por todos.

O conto da pílula e a nova família

Voltemos à cosmovisão feminista. Primeiro, é falso que a mulher tenha ingressado no mercado de trabalho só com a pílula. Na verdade, sempre existiram camareiras, cozinheiras, criadas, marisqueiras. A novidade dos anos 1960 é a mulher ingressar no mercado de trabalho prestigioso. Surgem as advogadas, as médicas, as engenheiras. E isso não fez as mulheres deixarem de se casar. Na verdade, o custo de vida subiu tanto que não era mais viável contar com somente um provedor e uma penca de bocas.

Os casais da classe média urbana passaram a ter dois arrimos (pai e mãe), a quantidade de filhos diminuiu e o cuidado dos filhos foi passado para um terceiro que saía mais em conta: ou a avó (de graça), ou a empregada, ou a creche (com custos inferiores ao salário da mãe). E entrou na lista de espécies ameaçadas de extinção a figura da teúda e manteúda, do segundo lar. Convenhamos que, para quem não liga para a própria reputação, nem tem objetivos elevados, essa é uma vida aprazível, invejável por boa parte desta humanidade cheia de famintos e escravos.

Teúda, manteúda e litigiosa

É verdade que esse processo do século passado trouxe um saldo positivo para as mulheres que gostam de liberdade. Antes, as mulheres eram tratadas como menores de idade por toda a vida. Primeiro estavam sob a autoridade paterna, depois sob a do marido. Eram empregadas domésticas de casa e não conheciam realizações profissionais ou públicas. Para as que desgostam de liberdade, porém, foi um revés: agora as mulheres têm que trabalhar na rua, têm que tomar decisões e são julgadas impessoalmente por gente estranha ao lar, em vez de viverem em casa bancadas por um macho.

Progressista (feministas inclusas) não entende muito bem o que é liberdade. Por isso, não é de admirar que narrem o processo de emancipação feminina como uma mera mudança de chave entre dois estados binários: antes, a mulher era idealmente casada e mãe; depois, a mulher era idealmente solteirona. No patriarcado, a mulher era forçada a casar e ter filhos. A mulher emancipada, portanto, encarará como retrocessos e dano o marido e a maternidade. Em vez de um homem, ela tem consigo um agente do patriarcado. Em vez de filhos, ônus do patriarcado.

No meio disso tudo, introduziu-se entre nós, com aclamação popular, a novidade do exame de DNA para identificar paternidade. Agora as mães solteiras não precisam mais suar para criar os filhos sozinhas, se podem mobilizar a mão do Estado para obrigar o fujão a reconhecer a paternidade e pagar pensão. Até aí, tudo bem.

Mas quando foi que passamos a achar normal um homem ir preso por não pagar 300 mil reais em pensão alimentícia a apenas dois filhos? Se 300 mil reais é o necessário para alimentar os filhos, espera-se que o pai devedor em questão seja Gengis Khan, não Giba. Não é evidente que esse tipo de pensão é muito mais do que suficiente para bancar dois filhos?

Só dois tipos de pessoas normalizam isso. Um é o precipitado, que nem lê a matéria direito, porque acha que toda mulher pedindo pensão corresponde àquele ideal de heroína popular já descrito. O outro é o progressista, que encara a mulher como uma vítima do patriarcado, que requer reparações pelo mero fato de ter casado e tido filhos. De quem discordar, aguardo outra explicação possível, porque isso é um absurdo. Na atual organização da sociedade, o homem deixou de ser o provedor – exceto quando se divorcia!

Um novo tipo de mãe

Mulher é gente, assim como homem. Gente de todos os sexos e cores e orientações sexuais obedece a incentivos. Maus incentivos estimulam o mau-caratismo. E o fato é que hoje, no atual estado de coisas, incentiva-se a maternidade golpista e predatória.

Digamos que você seja uma mulher. Você pode: 1) ficar casada e ter filhos; 2) ficar casada sem filhos; 3) não ficar casada, nem ter filhos; 4) não ficar casada, mas ter filhos. Caso escolha o casamento (com ou sem filhos), você partilhará da situação financeira do seu marido e não terá motivos para lesá-lo financeiramente. Caso você rejeite o casamento e os filhos, você não partilhará da condição financeira dele, mas não terá como pedir pensão – já que, sinal dos tempos!, pensão para ex-mulher é coisa do século passado. Se você engravidar de um homem sem ficar casada com ele, você terá direito a depená-lo e, como não partilhará da situação financeira dele, todo o prejuízo dele será convertido em lucro seu. A mulher de mau caráter tem, portanto, incentivos financeiros para engravidar.

Quando for pedir pensão, o judiciário dirá “coitada!” e mandará o homem pagar uma pensão que compense as injustiças do patriarcado. Filho vira negócio e nós não sabemos que tipo de cidadãos essas mães vão entregar para a sociedade. Em relação às antigas teúdas e manteúdas, há a desvantagem de os filhos poderem sofrer alienação parental, já que as de hoje embolsam o dinheiro do homem sem dar satisfação a ele.

Dada a legislação atual, é preciso parar de romantizar as mães solteiras. Será que o menino Rhuan teria tido esse fim, se tivéssemos nos acostumado com a ideia de que maternidade pode ser golpe? Quando um pai tira o filho de uma mãe, a polícia e a sociedade se mobilizam. Mas esse desditoso menino foi sequestrado pela mãe em 2015, para ter seu cadáver devolvido em 2019 ao pai, que já tinha a sua guarda. A mãe tinha uma namorada que também era mãe e que também roubara a filha do pai. Mas seguiu recebendo a pensão do pai da menina até a justiça cortar, anos depois. Inclusive esse corte na receita do casal golpista pode tê-las motivado a eliminar uma boca. E foi a boca masculina, pois nem a castração bárbara, nem as roupas femininas, serviram para redimir o garotinho.

Se a prática legal fosse diferente e se as pessoas já estivessem alertas para o problema da maternidade golpista, esse casal de lésbicas misândricas muito provavelmente não teria posto essas crianças no mundo.

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