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Pela primeira vez, o Atlas da Violência fez um estudo detalhado da violência sexual contra a mulher, e aponta que quase 51% dos estupros ocorridos no Brasil em 2016 vitimaram meninas com menos de 13 anos de idade.

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O relatório informa que, em 2016, foram registrados 49.497 casos de estupro nas polícias brasileiras, e 22.918 registrados no Sistema Único de Saúde, ou seja, aproximadamente a metade das ocorrências notificadas à polícia. Os autores ressaltam que as bases de dados usadas certamente têm grande subnotificação e não refletem a dimensão total do problema, já que é comum que as vítimas de estupro não reportem o crime às autoridades, devido ao tabu envolvido. 

Para Luísa Fernanda Habigzang, professora da pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, uma série de fatores explica a alta subnotificação desses crimes. O primeiro deles é a falta de preparo de alguns profissionais da saúde para identificar esse tipo de violência e estabelecer vínculo com o paciente para que ele relate o caso. 

Outra barreira muito importante é a vergonha e o medo das pessoas de relatar que sofreram violência sexual. “Especialmente para crianças e mulheres, ainda existe um problema cultural de descrédito e de responsabilização da vítima que ainda nos atrapalha”, afirma Luísa. Ou seja, existem pessoas que questionam se houve mesmo violência ou se a vítima não permitiu que isso acontecesse. 

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Um problema muito grave que também dificulta o relato desse tipo de crime é que a maior parte dos autores da violência sexual são familiares ou conhecidas das vítimas. “Existe uma dinâmica de segredo para manter esse crime encoberto. As crianças sofrem muitas ameaças para não relatarem o que está acontecendo”, diz Luísa. 

Perfil das vítimas 

Com relação à cor das vítimas, a proporção de casos de estupros de pessoas brancas caiu 3,4% de 2011 até 2014. Entre vítimas que se identificam como pardas, os casos cresceram 4,5%, e representam 45,3% do total. 

Já entre as vítimas com mais de 18 anos, a maior proporção dos estupros reportados vitimou mulheres com ensino médio completo. Como, na população geral, a proporção de mulheres com escolaridade abaixo do ensino médio completo é maior do que a proporção das que possuem essa escolaridade, o dado descrito no gráfico, possivelmente, reflete a maior propensão das mulheres escolarizadas em buscar auxílio nas agências do Estado. 

Um dado desconcertante revelado pelo estudo é a vitimização de pessoas com deficiência física ou psicológica. Cerca de 10% das vítimas de estupro possuíam alguma deficiência. Desses, 31% foram contra pessoas com deficiência mental e 29% contra indivíduos com transtorno mental. Além disso, 12% do total de estupros coletivos foram contra vítimas com alguma deficiência. 

Perfil dos agressores 

Quanto ao número de perpetradores, houve leve queda na proporção de casos de estupro com um único agressor e aumento na proporção de relatos de estupros coletivos. 

A maioria das situações de estupro contra crianças é cometida por amigos ou conhecidos (30,13%). Outro dado estarrecedor é que quase 30% desses casos são perpetrados por familiares próximos, como pais, irmãos ou padrastos. 

O estupro recorrente é outro aspecto triste desse cenário. Nos casos das vítimas que conheciam o agressor, na maioria das vezes (54,9%), ela já havia sido vítima anteriormente; aqui o local mais comum para o crime é a residência. 

A psicóloga Luísa explica que as pessoas costumam pensar que uma criança vítima de abuso sexual por conhecido vai relatar a situação porque quer o afastamento do autor do crime, mas, na verdade, ela tem ambivalência de sentimentos. 

“Assim como ela tem medo e não quer mais sofrer aquela violência, ela também tem laços afetivos positivos, porque é o pai, ou irmão, ou avô. Isso dificulta a revelação”.

Por isso, a repetição do crime se torna muito comum, principalmente em casos de abuso infantil. Nas fases adolescente e adulta, situações com agressor desconhecido da vítima são maioria (32,5% e 53,53%, respectivamente). 

O relatório afirma, ainda, que em cerca de um terço dos casos de estupros, havia suspeita de o agressor ter ingerido álcool. Os meios empregados para coagir a vítima, em grande parte, foram força física e ameaças. 

Prevenção

Na opinião de Luísa, o país ainda precisa avançar nas políticas de prevenção da violência sexual. “No Brasil temos uma legislação muito focada naquilo que já aconteceu, precisamos investir mais em programas de prevenção”, diz ela, que ressalta que o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Maria da Penha são mecanismos importantes e conquistas significativas.

Um avanço foi feito com a aprovação, no ano passado, da chamada “Lei da Escuta Protegida”, que amplia a proteção às crianças vítimas de violência. “Essa lei prevê espaços no judiciário e na rede de proteção, e cuidados na hora de ouvir uma criança que vem relatar uma situação de violência. Ela determina que a criança seja ouvida imediatamente, em contexto seguro e por profissionais treinados”, relata Luísa.

A psicóloga também destaca a importância de políticas que incentivem a notificação da violência, já que o conhecimento das características das pessoas que sofreram violência, do contexto em que isso acontece e de que encaminhamentos são dados permite elaborar políticas públicas mais adequadas para combater o problema.

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